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No último dia 14, foi lançado no Cine-Teatro Denoy de Oliveira, o CD com a trilha sonora da peça “Canção Dentro do Pão”, produzido pelo Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes de São Paulo (CPC-UMES). O HP entrevistou o maestro e compositor Marcus Vinicius, que, junto com Léo Nascimento, é autor das músicas da peça.
Como você vê a integração entre a trilha sonora e o roteiro?
Foi uma integração grande e ela se expressou no lançamento do CD com as músicas da peça, o entusiasmo dos presentes ao Cine-Teatro Denoy de Oliveira. O CD, com o encarte muito bem realizado, ficou como um belo registro do trabalho de músicos, atores, cenógrafos e da diretora, Bete Dorgan.
Eu confesso que me surpreendi com a declaração da diretora, Bete Dorgan, avaliando que as músicas que eu compus junto com o Léo Nascimento “se encaixam muito bem no roteiro e que a trilha interage como se fosse mais um personagem da peça”.
Fiquei especialmente feliz porque o trabalho da Bete é intensamente voltado para os atores e o fato dela ter destacado essa participação da música no conjunto do trabalho significa que atingimos o nosso objetivo.
Em outros trabalhos, quando estávamos diante de uma concepção épica, como no caso da peça Turandot – de autoria de Bertolt Brecht – e mesmo no trabalho com a obra de Vianinha, Os Azeredo e os Benevides, onde existiam elementos regionais fortes, a música tinha um aspecto de narração da história, de expressar o sentimento das pessoas que viviam aqueles dramas.
Estávamos diante de outro tipo de desafio.
Neste caso, entendíamos que a música teria um papel de alinhavar os diálogos, os momentos da peça. Além disso, estávamos diante de uma comédia, e vimos a música como integrante tanto do clima daquela Paris à véspera da Revolução, quanto do que a peça de Raimundo Magalhães representa, que faz do que há de melhor na nossa comédia de costumes, do nosso teatro de revista.
Um exemplo disso é a música ‘Agora a coisa vai’, uma livre adaptação da canção revolucionária, ‘Ça Ira’, com letra minha e música do Léo. Ela surge em vários momentos e de diversas formas dentro do andamento da peça.
Ao final da peça, você tomou a palavra para ressaltar não somente esta peça, mas o conjunto do trabalho realizado pelo CPC-UMES…
Olha, eu sinto que estamos dando sequência aos ideais que nortearam uma geração que viu uma trajetória de afirmação, de debate, de construção de uma nacionalidade bruscamente interrompida. Muitos de nós tomamos consciência dos desafios que a realidade nacional e mesmo mundial nos ofereciam fazendo teatro, assistindo ou mesmo montando cineclubes. A cultura teve um papel decisivo em nossa tomada de consciência e expressão dessa consciência nos trabalhos que foram sendo realizados por alguns dos melhores elementos dessa geração. O trabalho do CPC-UMES é a continuação desse plantio, é a materialização de muitos dos ideais dessa geração cuja produção procuramos e temos conseguido, em grande parte, resgatar.
Então existe um sentido amplo neste trabalho cultural?
Acredito plenamente. Isto fica ainda mais patente por que é realizado sob a iniciativa de uma entidade de estudantes secundaristas. Aliás, o presidente da UMES, Lucas Chen, que também saudou o lançamento do CD, lembrou uma afirmação muito importante do diretor do filme ‘Anna Karenina – Uma história de Vronsky’, Karen Shakhnazarov, que esteve aqui no Brasil, há poucos dias, para lançar seu filme, uma iniciativa também do CPC. O diretor de cinema russo, como bem lembrado pelo presidente da UMES, disse que “Se não alimentamos a nossa cultura, o povo perde sua alma”. E é isto, é com isso que estamos trabalhando, ao buscarmos o que alguns dos melhores elementos do nosso povo foram capazes de produzir e repercutirmos, são sementes de espiritualidade, do mais profundo do espírito nacional, daí a relação que Shakhnazarov ressaltou com a alma do povo.
E o desafio de tomar uma questão como a Revolução Francesa levando ao palco uma comédia?
De fato, um grande desafio. Mas tínhamos em mãos um excelente material, que foi o trabalho de Raimundo Magalhães Júnior. Ele partiu de uma das histórias de Jacques le Fataliste, de Diderot, para criar uma das mais importantes referências do teatro brasileiro. Isso em um momento também de grande efervescência nacional, no ano de 1953, em pleno segundo mandato de Getúlio Vargas. É um trabalho magnífico, que teve grande consagração popular e que trouxemos à cena agora em mais um momento de uma crise que exige mudanças que impõe desafios.
Falar em Liberdade, Igualdade e Fraternidade em uma peça que expõe ao ridículo os que buscam se aboletar nos banquetes de uma camada que desfruta do luxo em meio à miséria revoltante e rebelada é muito atual. Na peça, o arrivismo, o oportunismo, as tramoias sempre que possível, regiamente remuneradas.
Tanto assim que é este o final da peça, quando dizemos, na embolada final, que fomos buscar nesse forró popular que é a expressão da enorme disposição para a confraternização e a festa que dela é capaz de brotar e que chamamos de ‘Imbolée Finale’, pois sabemos que é nessa afirmação que esta história vai desaguar:
Agora a gente também quer entrar no jogo
Ir pro meio desse fogo, pois a vida é pra viver
Vive La France, todo mundo cante e dance
Ninguém pare, ninguém canse, anavantu, anarriê
Nesse cancan bota Voltaire e Moliére
E Lumiére e Baudelaire, que é pra todo mundo ver
Tá tudo bem, tout va bien nesse forró
Mas o melhor é Liberté, Egalité, Fraternité
(…)
NATHANIEL BRAIA
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CD com a trilha da peça foi lançado na última quinta (14)