Direção da Petrobrás sob Bolsonaro cortou investimentos, vendeu refinarias lucrativas e eficientes, dolarizou os combustíveis e torrou o lucro com acionistas
O Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) entrou com representação nesta sexta-feira (4) pedindo a Corte a “suspensão imediata” da antecipação da distribuição de R$ 43,7 bilhões em dividendos anunciado pela atual direção da Petrobrás na quinta-feira (3).
A representação é assinada pelo subprocurador geral Lucas Rocha Furtado e encaminhada ao presidente em exercício do TCU, Bruno Dantas. Segundo Furtado, “há risco à sustentabilidade financeira e ao esvaziamento da disponibilidade em caixa da estatal”.
“Decisões da estatal novamente surpreendem com distribuições de dividendos em valores astronômicos. Ratifico minha preocupação no sentido de que possuo receio de que as eventuais distribuições possam comprometer a sustentabilidade financeira da companhia no curto, médio e longo prazo, indo de encontro ao próprio Plano Estratégico da empresa”, afirmou Lucas Furtado. De acordo com ele, a soma dos dividendos pagos pela estatal neste ano seria equivalente a quatro vezes o volume de investimentos da estatal.
Citando um artigo da Lei das Sociedades por Ações 6.404/1976, Lucar Furtado ressalta que “presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste”.
“Fazendo-se presentes, no caso ora em consideração, o fumus boni iuris e o periculum in mora, determine, em caráter cautelar, a imediata suspensão da distribuição de dividendos pelo Conselho de Administração da Petrobras até decisão de mérito ou proceda com a notificação da estatal de que os fatos estão em apuração nesse Tribunal a ensejar eventuais possíveis responsabilidades”, diz o subprocurador.
Até setembro, a direção da estatal sob Bolsonaro distribuiu R$ 173 bilhões em dividendos aos acionistas. Com o pagamento de mais R$ 43,7 bilhões, o valor total este ano chegará a R$ 217 bilhões, três vezes mais do que o total pago em 2021.
A decisão do Conselho da Administração da Petrobrás gerou manifestação de parlamentares, de membros da equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e de inúmeras entidades de petroleiros e sindicais.
No trimestre deste ano, a estatal teve lucro líquido de cerca de R$ 46 bilhões, uma alta de 48% na comparação com o mesmo período do ano passado. Até setembro, o lucro líquido é de quase R$ 145 bilhões. Os R$ 43,7 bilhões em distribuição de dividendos daria para comprar as refinarias que foram privatizadas pelo governo Bolsonaro e finalizar obras que estão paralisadas, como a Comperj, e ainda sobrariam recursos para novos investimentos.
GOVERNO REDUZIU INVESTIMENTOS, VENDEU REFINARIAS E PARALISOU OBRAS COMO A COMPERJ
“Só com os dividendos deste terceiro trimestre daria para comprar de volta as refinarias RLAM e Six e concluir as obras da Abreu Lima, do Comperj, da UFN-3, reabertura da Fafen-PR e ainda sobraria dinheiro para outros investimentos”, afirma Deyvid Bacelar, coordenador- geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Para o economista e dirigente do Observatório Social do Petróleo (OSP), Eric Gil Dantas, “a política de dividendos da Petrobrás é um dos maiores programas de concentração de renda e de evasão de divisas do país”.
“A gente concentra renda porque o lucro da Petrobras é baseado em preços elevados de gasolina e gás pagos pela população. Ainda perde dinheiro porque boa parte dos dividendos da Petrobrás vai para o exterior”, disse Dantas, ao destacar que mais de 45% dos acionistas da estatal são estrangeiros.
A FUP destaca que a Petrobrás tornou-se a maior empresa pagadora de dividendos do mundo, sob uma política do governo que reduziu drasticamente os investimentos da empresa e que propõem o desmonte do patrimônio da estatal. “Os investimentos realizados pela petroleira em 2022, até junho, somam apenas R$ 17 bilhões, conforme relatórios financeiros da empresa”, aponta a entidade.
Como os dividendos que a Petrobrás vai pagar daria para recomprar unidades de refino, petroquímica e fertilizantes que foram privatizadas e fechadas pelo governo Bolsonaro, além de concluir obras que estão paralisadas: RLAM (R$ 10,1 bilhões), Unidade de Industrialização do Xisto – SIX (R$ 168 milhões), conclusão de Abreu Lima (R$ 5 bilhões), conclusão da Comperj ( R$ 22 bilhões), conclusão da UFN3 (R$ 2 bilhões), reabertura da fábrica de Fertilizantes Nitrogenado – Fafen-PR (R$ 95 milhões).
Responsável por cerca de 14% da capacidade de refino do Brasil, a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), hoje Acelen, ocalizada em São Francisco do Conde, na Bahia, e seus ativos logísticos associados foram entregues pelo governo Bolsonaro para o fundo árabe Mubadala Capital, em novembro de 2021, pela bagatela de US$ 1,8 bilhão (R$ 10,1 bilhões). Hoje renomeada de Refinaria de Mataripe, a RLAM vende combustíveis para os estados da Bahia e Sergipe, além de outros estados da região Norte e Nordeste, a preços maiores dos que eram praticados quando a refinaria estava sob o controle da Petrobrás.
De acordo com um levantamento feito pelo Observatório Social do Petróleo e pela Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), “em média, ao longo do ano, a Acelen cobrou 7,7% a mais pela gasolina do que a Petrobrás. A situação é a mesma para o diesel. Em apenas 17 dias do ano, a Acelen vendeu diesel abaixo do preço da Petrobrás. Na média, a Acelen vendeu o diesel 7,4% mais caro do que a Petrobrás”, diz o documento que considera dados da estatal e da Acelen até junho deste ano.
Com os R$ 180 bilhões que foram distribuídos em antecipação de distribuição de dividendos pela Petrobrás daria para recomprar sua rede de gasoduto (TAG) que foi vendida por R$ 36 bilhões para a multinacional francesa Engie, em 2019. Absurdamente, a estatal paga mais de R$ 3 bilhões ao ano para utilizar os gasodutos que lhe pertencia.
A venda da TAG aconteceu dois anos após a subsidiária da Petrobrás Nova Transportadora do Sudeste (NTS), que controlava a malha de gasodutos mais estratégica do país, ter sido entregue ao fundo de investimentos canadense Brookfield. Em média, a estatal gasta R$ 1 bilhão por trimestre com aluguel de dutos.
“Além dos efeitos financeiros, a venda da TAG para a empresa francesa faz o país perder soberania num setor tão importante como a energia”, afirmou o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) /Subseção da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cloviomar Cararine.
As obras do gasoduto Rota 3 da Unidade de Processamento de Gás Natural do Polo GasLub (UPGN) – antigo Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) – estão paralisadas e o governo Bolsonaro ainda anunciou a venda do terreno do complexo.
O gasoduto planejado pelo menos desde 2014, tem como objetivo ampliar a infraestrutura de escoamento e o processamento de gás do pré-sal da Petrobrás, que passaria de 23 milhões para 44 milhões de m³ por dia, assim como reduziria a necessidade de importação de gás natural, baixando os preços para os consumidores. Pela falta de vontade de cobrir os custos restantes desta obra o Brasil pagou 2,99 bilhões de dólares em importação de gás natural liquefeito (GNL) entre janeiro a agosto de 2022, acima do total de 1,60 bilhão de dólares verificado no mesmo período de 2021, segundo dados da consultoria Wood Mackenzie.