“O teto dos gastos é um equívoco, um limite linear que estrangulou o investimento público”, afirmou André Lara Resende, criador do Plano Real. Presidente eleito quer garantir de imediato o auxílio de R$ 600, o aumento real de salário e investimentos em obras paradas. “Governo sério não precisa de teto de gastos”, disse Lula
A campanha vitoriosa de Lula está empenhada em garantir a manutenção do auxílio de R$ 600 e um aumento real do salário mínimo em 2023, o primeiro em quatro anos. O esforço está sendo feito antes mesmo da posse do novo governo porque a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), enviada por Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, não contemplou essas despesas.
O novo governo garante que não haverá interrupção do auxílio emergencial de R$ 600, que hoje atende a 21 milhões de famílias. Há um amplo apoio da sociedade e do Congresso às medidas apontadas pelo novo governo para resolver os entraves à liberação dos recursos no ano que vem. O governo Lula quer enfrentar rapidamente a fome, aumentar os salários e destravar os investimentos.
O apoio a essas medidas hoje é muito maior do que as resistências aos investimentos públicos explicitadas em certos editoriais que consideram o teto de gastos irremovível e em comentários televisivos de porta-vozes escalados pelo mercado financeiro para alertar contra os “perigos” que representam os “gastos sociais” para o bem-estar dos banqueiros e demais rentistas.
PACHECO: “É NATURAL A FLEXIBILIZAÇÃO DO TETO”
O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), já declarou apoio às medidas defendidas pelo novo governo e afirmou, nesta sexta-feira (4), que “é natural a flexibilização do teto de gastos”. Pacheco disse também que há uma boa vontade por parte do Parlamento para resolver os entraves no sentido de garantir os recursos necessários para o auxílio emergencial de R$ 600 e para o aumento real do salário mínimo.
Paralelamente ao debate sobre essas medidas emergenciais que devem ser tomadas a curto prazo, há também uma outra discussão mais estratégica, levantada, inclusive, pelo próprio presidente Lula durante a campanha. A de que o teto de gastos é um entrave insustentável para a retomada do desenvolvimento do país e para a melhoria de vida do povo brasileiro.
O presidente eleito afirmou, por exemplo, no programa Flow Podcast, na reta final da campanha, que o teto de gastos é um entrave. Disse ele:
“Eu sou contra o teto de gastos. Teto de gastos para garantir o quê? Para garantir que os banqueiros recebam o deles? E o povo pobre? Eu não posso melhorar a saúde por causa do teto de gastos, não posso melhorar a educação por causa do teto de gastos, não posso fazer creche por causa do teto de gastos.”
Ele defendeu também, durante encontro que teve em maio com 26 reitores de universidades federais, em Juiz de Fora (MG), a retomada dos investimentos públicos e afirmou que o teto de gastos é um empecilho ao desenvolvimento do Brasil.
“Não é que eu vá ser irresponsável, gastar para endividar o futuro da nação. Não. É porque vamos ter que gastar aquilo que é necessário para a produção de artigos produtivos. Quem vai derrubar o gasto em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) é o crescimento econômico, e não o corte orçamentário. Basta a economia crescer que você vai derrubar a diferença”, disse Lula.
“GOVERNO SÉRIO NÃO PRECISA DE TETO DE GASTO“
Em outro momento, Lula afirmou que em seu governo nunca precisou de teto de gastos.
“Governo sério não precisa de teto de gastos” e “nunca precisei de teto de gastos para ser responsável”, disse ele. “Aprovaram o teto de gastos porque os banqueiros são gananciosos. Eles exigiram que o governo garantisse o que eles têm direito de receber, e tentaram criar problema para investimento na saúde, educação, ciência e tecnologia”, continuou. Lula disse que, aos 77 anos, não seria eleito para depois dizer que não dá para fazer nada. “Se eu for presidente, é para mudar”, garantiu.
Assista ao vídeo com a fala emocionada de Lula
O novo presidente lembrou que, mesmo sem a existência do teto, fez superávit fiscal em todos os anos de sua administração anterior, aumentou salários, o país cresceu e ainda criou uma reserva de US$ 370 bilhões. Ele lembrou que essa reserva “tem protegido até hoje o país de crises cambiais”. Lula argumentou ainda que “não há problema nenhum em o governo ampliar a dívida, desde que se aplique esse endividamento em ativos que rendam ao Estado e que façam crescer o PIB”.
O teto de gastos, criado no governo Temer e mantido no governo Bolsonaro é, na opinião de economistas, uma estupidez que foi criada para manter o Brasil na camisa de força do atraso, da pobreza e da estagnação.
“É PRECISO REVÊ-LO”
Para André Lara Resende, um dos economistas que participaram da formulação do Plano Real, “o teto dos gastos é um equívoco, um limite linear que estrangulou o investimento público”. “É preciso revê-lo, no mínimo, tirar investimento do teto dos gastos”, defendeu. “Tem que excluir os investimentos de qualidade do teto de gastos. É uma camisa de força que estrangula os investimentos e agrava o problema de convergência da relação da dívida/PIB”, acrescentou.
Para o economista, “o gasto público é fundamental”. “O gasto de investimento do Estado tem de ter retorno em termos de produtividade, o que garantirá a convergência da relação dívida/PIB. Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”.
Esta é também a opinião do professor de economia da FGV, Nelson Marconi sobre o teto de gastos. “O teto deveria deixar de fora a despesa com investimentos públicos. Seriam investimentos na infraestrutura de logística, na infraestrutura social, como os das áreas de mobilidade urbana e saneamento. Hoje, a despesa que mais é cortada pelo governo para cumprir a regra do teto é a despesa com investimento. E ela é importante para retomar o crescimento”, diz o professor.