Oito meses após tomar posse o presidente do Chile, Gabriel Boric, anunciou em cadeia nacional o envio ao Congresso de um de seus principais compromissos de campanha: a mudança do sistema de capitalização individual das Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs), onde só o trabalhador contribui e o gestor privado retira altos lucros e paga pensões que mantêm os aposentados na miséria.
Segundo o presidente Boric, a meta do projeto de lei é modificar o sistema de Previdência exclusivamente privado e substituí-lo por um misto, a fim de elevar de imediato os valores pagos aos beneficiários, já que 72% das aposentadorias pagas atualmente estão abaixo do salário mínimo.
Neste momento, a situação é tão terrível, lembrou o presidente, que um em cada quatro chilenos recebe uma pensão inferior ao necessário para ficar acima da linha da pobreza. “Isso ocorre ao mesmo tempo em que as AFPs recebem lucros tremendos, embora os resultados e a rentabilidade dos fundos sejam negativos”, denunciou.
A camisa de força neoliberal, ditada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, vinha sendo aplicada desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), tendo sido mantida pelos governos que o sucederam, com sérias consequências na “privatização da Previdência pública chilena e na desnacionalização da economia”, alertou a Fundação Sol. Os resultados apareceram, explicou a entidade, “em benefício de seis grandes companhias, na maior parte estrangeiras, que passam a multiplicar seus ganhos enquanto espalham a miséria em larga escala”.
O presidente assinalou que a reforma previdenciária proposta se baseia em que as contribuições sejam tripartite: do Estado, de empregadores e de trabalhadores; e contempla a criação de uma administradora pública de fundos. Atualmente, o sistema é financiado exclusivamente pelos trabalhadores, que contribuem mensalmente com 10% dos salários, mas gerida por grandes empresas, fundamentalmente transnacionais.
“Haverá novos gestores de investimento privado com a finalidade exclusiva de investir fundos de pensões e, para além disso, haverá uma alternativa pública, que permitirá promover a concorrência com a entrada de novos atores”, explicou Boric.
O novo sistema começará a pagar as pensões e aposentadorias tão logo a nova lei seja aprovada, assinalou o presidente. “Queremos deixar para trás, desta forma, um sistema extremo que não foi capaz de corresponder às expectativas que lhe foram colocadas e que tem deficiências reconhecidas”, frisou.
Pelo sistema misto, além do valor desembolsado pelos trabalhadores, que corresponde em média a 10,5% do valor do salário, os empregadores passarão a contribuir com montantes que gradualmente chegarão a 6% do salário. Hoje, os patrões não contribuem para os fundos individuais.
Desta forma, enfatizou o presidente, o novo modelo elevará de forma significativa os valores pagos. Com a reforma aprovada, exemplificou, uma pessoa que tenha um salário de 400 mil pesos chilenos (R$ 2.177), terá o valor da sua aposentadoria aumentada em 46% para os homens e 52% para as mulheres. Tais aportes adicionais, declarou Boric, irão para um fundo de seguridade social que permitirá melhorar os ganhos de todos, que será comandado por um gestor público e atores privados.
“Queremos construir um sistema de pensões no qual as pessoas confiem, não de forma gratuita ou como um cheque em branco, mas sim que lhes dê segurança diante das mudanças da vida. É isso a reforma, que permitirá que você e sua família vivam melhor”, explicou o presidente, defendendo que a proposta seja amplamente discutida pelo Congresso, pela sociedade civil, pelos fundos de pensão e pelos cidadãos chilenos.
O que é fato, esclareceu, é que “o atual sistema de pensões está em crise, e isso ninguém questiona”. “As pensões de hoje não são suficientes para que nossos pais, mães, avós e avôs tenham uma vida digna na terceira idade, não importa o quanto trabalharam durante sua vida”, frisou Boric.