Repúdio nos EUA e no mundo inteiro à desumana separação das famílias causa pânico no arraial republicano e Trump remenda “tolerância zero” com prisão das famílias imigrantes sem separá-las
Com o repúdio à cruel e desumana separação de crianças de seus pais imigrantes pelo regime Trump – que ultrapassou 2.300 em seis semanas – se estendendo de costa a costa nos EUA e ao mundo inteiro, e sem sequer os parlamentares republicanos aguentando o repuxo da foto da menina chorando ao lado da mãe que é revistada, o jeito que o bilionário presidente arrumou foi assinar uma ‘ordem executiva’, um tipo de decreto, para “manter as famílias unidas”, mas sem abrir mão da “tolerância zero”, isto é, da prisão de quem cruzar a fronteira sem documentos.
Ou seja, as famílias vão ficar unidas, mas presas, o que torna a ‘ordem executiva’ alvo evidente para questionamentos judiciais. A rejeição se avolumara tanto, que nem a esposa de Trump, Melania, estava aceitando aquele estado de coisas. Sob pressão, Trump envernizou seu discurso xenófobo, para incluir que “eu não gosto da visão ou do sentimento das famílias sendo separadas”. Leia-se, aquela foto me ferrou.
A cinco meses das eleições intermediárias, bateu o pânico no arraial republicano. Tornou-se público que Trump montara três “baby jails” no Texas – aquela prisão para bebês e crianças bem pequenas, cuja unidade pioneira, privada, fora obra de Obama. Que uma guatemalteca foi deportada e teve dez minutos para se despedir do filho, que ficou em um abrigo nos EUA. Que pais e mães sequer sabiam para onde seus filhos tinham sido levados, muitas vezes a centenas e até milhares de quilômetros de distância.
Causou estupor o áudio da criança que chora porque sua mãe está sendo arrancada dela. A crueldade não se detinha diante da nada: um garoto brasileiro autista e epilético, uma menina de dez anos mexicana com síndrome de Down. Um imigrante hondurenho se suicidou após ser separado à força da mulher e da filha. As cenas das gaiolas de arame no ex-Walmart do sul do Texas assombraram quem quer que tivesse o mínimo de humanidade. Se entrou clandestinamente, cadeia e deportação; se entrou pela passagem na fronteira e pediu asilo, cadeia também, e dificilmente outro destino que não seja a deportação.
No momento em que Trump fazia seu anúncio, um tribunal federal em McAllen, Texas, encenava um “julgamento em massa” de 74 imigrantes, algemados e acorrentados. Destes, 24 haviam sido separados de seus filhos pelos agentes de fronteira ianques. Um deles, Oscar Rox-Flores, que havia sido detido dois dias antes, pediu ao juiz que fosse deportado junto com a filha, “para que possamos voltar para casa juntos”. O juiz Scott Hacker não pôde lhe dar qualquer garantia e lhe disse “não ter uma resposta quanto a isso”.
Trata-se, como foi denunciado, de uma fabricação de órfãos por decreto. Um ex-diretor do serviço de imigração denunciou que a tendência é que muitas crianças jamais se reúnam às famílias, vão desaparecer dentro do sistema. Não existe mecanismo algum para reunificar as famílias separadas.
Na ‘ordem executiva’ de Trump, este instrui seu ‘ministro da justiça’ Sessions para buscar junto a uma corte federal da Califórnia, que já julgou um caso de separação, que mude sua decisão para legalizar a permanência das crianças com seus pais onde estes ficarem presos. Também convoca o Pentágono a disponibilizar instalações para permitir que as famílias “alien” – o termo é de Trump – fiquem presas juntas. Apesar de dizer afirmar o princípio de “manter as famílias juntas”, o texto acrescenta que “sempre que possível e houver recursos”.
DIREITOS CIVIS
A principal entidade americana pelos direitos civis, a ACLU, que em março processou as autoridades da imigração em nome de uma congolesa que há quatro meses estava impedida de ver sua filha de sete anos, após registrar que Trump “foi posto de joelhos”, afirmou que “as crianças não devem ser separadas de seus pais e não podem ficar numa cadeia”. A malsinada “tolerância zero” causou “danos irreparáveis a milhares de famílias imigrantes”, acrescentou.
O diretor-executivo da ACLU, Anthony Romero, assinalou que “esta crise não acabará até que todas e qualquer criança sejam reunidas com seu pai ou mãe”. “Esta ordem executiva substitui uma crise por outra. Crianças não podem ser mantidas na prisão de forma alguma, mesmo com seus pais, sob quaisquer circunstâncias”, apontou. “Se o presidente acha que colocar famílias na cadeia indefinidamente é o que o povo está pedindo, está grosseiramente enganado”.
ANTONIO PIMENTA