
O juiz federal Fabiano Verli, da Vara de Tabatinga (AM), determinou a transferência para um presídio federal de segurança máxima do principal acusado de assassinar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. A decisão de transferir Amarildo Oliveira, o Pelado, deve ser aplicada aos outros dois réus.
O magistrado, que anunciou a decisão na segunda-feira (3), apontou um “receio de queima de arquivo” e por isso determinou que ao menos um réu, no caso Amarildo, seja levado a uma prisão federal.
Bruno e Dom foram assassinados em 5 de junho, na região da terra indígena Vale do Javari, um dos lugares mais preservados da Amazônia.
Informações constantes no processo indicam que o destino de Pelado deverá ser a penitenciária federal de Campo Grande (MS). Atualmente, ele está preso preventivamente em um presídio em Manaus.
Oseney de Oliveira, o Dos Santos, e Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, outros dois acusados pelo duplo assassinato, também devem ser transferidos à unidade prisional federal.
A defesa dos réus afirmou que as condições dadas aos presos na carceragem da PF em Manaus não eram adequadas e que eles eram retirados das celas para “interrogatório forçado ou acareação indevida”, rotina comum a presos. Os acusados, então, foram transferidos para um presídio comum de Manaus.
Inicialmente transportados de Atalia do Norte para a carceragem da Polícia Federal em Manaus, os acusados foram depois encaminhados para um presídio comum da capital manauara. Isso porque os advogados alegaram que a carceragem da PF não era adequada e que os presos eram retirados das celas para “interrogatório forçado ou acareação indevida”.
“De fato, presos não podem ser levados a todo momento para interrogatório e, segundo o direito brasileiro, devem ser ouvidos com a presença de seu advogado se assim desejar”, justificou o juiz federal responsável pelos processos dos crimes ocorridos no Vale do Javari.
“Por isso, para se evitarem situações de dúvida quanto à correção da atuação da PF, determinei a ida, pelo menos de Amarildo, para um presídio federal”, disse Verli.
A Justiça negou o pedido da defesa feito pela advogada Goreth Rubim, que é contrária a transferência para uma prisão federal e quer que os acusados permaneçam em um presídio de Manaus.
“Quanto ao pedido de que fiquem os presos todos em presídios de Manaus, não é a melhor solução, no entender da PF, e não vejo qualquer abuso nisso”, afirmou o magistrado. “O crime é de competência do setor federal e presídios federais existem para isso.”
Inicialmente julgado pela juíza Jacinta Silva dos Santos, da comarca de Atalaia do Norte, no Amazonas, o caso foi transferido para a Justiça Federal no Amazonas porque a magistrada entendeu que a motivação está relacionada a crime contra os direitos indígenas, o que exige competência federal para o julgamento do caso.
CRIME
Bruno e Dom foram assassinados em 5 de junho, na região da terra indígena Vale do Javari, um dos lugares mais preservados da Amazônia. A dupla foi morta a tiros e tiveram os corpos esquartejados e queimados.
As vítimas só foram localizadas dez dias depois, em uma das margens do rio Itaquaí, nas proximidades da comunidade onde moravam dois dos três denunciados e fora da terra indígena.
Investigações da PF apontaram que Bruno Pereira foi morto com dois tiros na região abdominal e torácica e um na cabeça. Dom Phillips levou um tiro no abdômen/tórax . A munição usada no assassinato foi típica de caça.
O crime brutal foi motivado pela atuação de Bruno na defesa dos indígenas do Vale do Javari e contra a pesca ilegal na região, que movimenta grupos ilegais interessados principalmente no pirarucu. A atividade criminosa ocorre tanto dentro quanto fora da terra indígena.
Em 22 de julho, um mês seguinte aos assassinatos, o Ministério Público Federal no Amazonas denunciou Amarildo, o irmão Oseney e Jefferson como autores. A Justiça Federal aceitou a denúncia e os três se tornaram réus.
Na ocasião, o MPF argumentou que Amarildo e Jefferson confessaram os crimes. A participação de Oseney, por sua vez, foi comprovada por depoimentos de testemunhas, segundo os procuradores.
O relatório da Comissão Temporária Externa do Senado, aprovado em 16 de agosto, considerou que as mortes de Bruno Pereira e Dom Philips ocorreram por negligência do Estado. Segundo o texto, o Estado brasileiro não tem tomado as medidas necessárias para a proteção dos indígenas e da manutenção da política indigenista.
“O Estado tem negligenciado o seu especial dever de proteção”, escreveu o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da comissão e responsável pela assinatura do documento.
O parlamentar alegou que, “mesmo que se possa discutir a legitimidade dos interesses de não-indígenas sobre áreas não-homologadas, como defende a atual gestão da Funai, não há sombra de dúvida de que a presença de invasores nas terras já homologadas, como a do Vale do Javari, é um emaranhado de crimes contra os indígenas, contra a União e contra os interesses nacionais”.
“O Estado tem negligenciado o seu especial dever de proteção […], não há sombra de dúvida de que a presença de invasores nas terras já homologadas, como a do Vale do Javari, é um emaranhado de crimes contra os indígenas, contra a União e contra os interesses nacionais”, apontou o relatório.
O indigenista Bruno Pereira exerceu o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai) e foi exonerado do cargo em setembro de 2019, no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL). Seu desligamento do órgão se deu em razão de sua atuação para repressão de garimpo ilegal e outras atividades criminosas no Vale do Javari, contrariando interesses do governo federal.
Afastado da Funai, Bruno passou a atuar para a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). Ele foi um dos responsáveis pela estruturação do serviço de vigilância indígena na região, criado em razão omissão do governo Bolsonaro em fiscalizar e reprimir a ação de criminosos em terras indígenas.
Dom foi morto, segundo os procuradores, “apenas por estar com Bruno, de modo a assegurar a impunidade pelo crime anterior”. O jornalista fazia uma apuração profissional sobre a atuação dos indígenas do serviço de vigilância.
PESCA ILEGAL
Um inquérito investiga ainda a atuação de um grupo criminoso de pesca ilegal no Vale do Javari, cujo comando é atribuído pela PF a Ruben Dario da Silva Villar, o Colômbia. As investigações tentam descobrir se há relação entre a ação do grupo e o duplo homicídio de Bruno e Dom.
Colômbia, que também estava preso, foi solto provisoriamente na última sexta-feira (4) em Manaus, após obter duas decisões favoráveis da Justiça Federal e pagamento de fiança de R$ 15 mil.
Apesar de o MPF ter se manifestado contra a soltura do suspeito, o juiz Verli entendeu que medidas cautelares, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica e entrega de passaporte, seriam suficientes para mantê-lo sob vigilância, apesar de reconhecer o risco de fuga.
A decisão do magistrado assusta lideranças indígenas em preocupado ambientalistas e indígenas do Vale do Javari, no Amazonas. Eles temem ser alvos de retaliação de Colômbia, por conta de sua prisão em 8 de julho, por portar documentos falsos.