“Mãe eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou em mim. Foi o blindado, mãe. Ele não me viu com a roupa de escola?”, foi o que Marcos Vinícius, estudante, morador da favela da Maré de 14 anos, contou a sua mãe, Bruna da Silva, pouco antes de sua morte.
Na última quarta-feira (20), o filho mais velho de Bruna acordou atrasado para a escola, o Ciep Operário Vicente Mariano, e, no meio do caminho, por conta dos tiros, Marcos e seu amigo Henrique decidiram voltar para casa. No trajeto Marcos levou um tiro “pelas costas”, segundo concluiu o laudo do Instituto Médico Legal. Os peritos ainda disseram que a bala perfurou a barriga do garoto.
“Meu filho estava lúcido. Ele chegou a dizer: ‘mãe, nunca mais quero sentir essa dor na vida. Estou com sede’”, contou Bruna no IML. Após receber os primeiros atendimentos na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o adolescente foi transferido em estado grave para o Hospital Getúlio Vargas, onde passou por cirurgia e morreu no início da noite.
A mãe de Marcos e outras testemunhas afirmaram que as balas que mataram o menino foram disparadas pela polícia. Durante o velório, Bruna ergueu o uniforme manchado de sangue na altura do abdômen, que Marcos Vinícius usava quando foi baleado. “Essa é a bandeira do meu filho, é com ela que eu vou fazer justiça”, disse.
A operação policial na Maré, cujo objetivo cumprir 23 mandados de prisão, contou com policiais civis e militares e soldados do Exército, e terminou com a morte de outros seis rapazes, que a Polícia diz serem suspeitos de envolvimento na morte de um inspetor da corporação. Em vídeos compartilhados nas redes sociais é possível ver helicópteros da Polícia Civil fazendo voos rasantes e escutar tiros. Na operação foram usados dois blindados do Exército pela Polícia Civil.
A mãe de Marcos também conta que a ambulância que socorreria o garoto foi parada pela polícia, demorando muito mais do que deveria. “A ambulância demorou uma hora para chegar porque os policiais mandaram ela voltar da avenida Brasil. Aí veio uma ordem superior mandando ela entrar. Nesse momento, meu filho já estava roxo, pálido, gelado. O beicinho dele já estava inchado. Ele estava falecendo ali na minha frente”, conta.
Já o pai de Marcos, Gerson da Silva, conta que “estava trabalhando e não acreditei quando ouvi. Abandonei o trabalho e fui às pressas e, quando cheguei, ele estava entubado no hospital. Eu só o vi respirando com os aparelhos, não consegui falar com ele”.
VELÓRIO
O velório de Marcos ocorreu na quinta-feira (21), no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura. Estiveram presentes centenas de adolescentes, professores, familiares e o prefeito Marcelo Crivella.
Do lado de fora, o desabafo da mãe: “A culpa é desse Estado doente que está matando as nossas crianças com roupa de escola. Estão segurando mochila e caderno, não é arma, não é faca. Não estão roubando e nem se prostituindo, estão estudando! […] Dizem que minha comunidade é violenta. Mas a minha comunidade não é violenta, ela é muito boa. É a operação que, quando vai lá, vai com muita truculência”.
No enterro, firme, Bruna agradecia a todos pela presença e consolava o marido. “Sua morte não vai ser mais uma, a gente vai lutar por justiça. Porque esse Estado tem que melhorar. Ele não pode matar inocente e criança”.
PROTESTO
Também na quinta-feira foi realizado um protesto em repúdio ao ocorrido na Linha Amarela, com professores e estudantes do Ciep. De acordo com a professora Roberta Santos, que dava aula de matemática para Marcos Vinícius, seus alunos chegaram cedo ao colégio se reuniram na sala dos professores com cartazes e tinta. “Partiu deles a ideia de fazer um ato de repúdio”, comenta.
Ao lado de professores, cerca de 100 estudantes caminharam, todos com uniforme da escola, pela Maré até a Linha Amarela, “para dar visibilidade” ao protesto, que logo foi reprimido pela polícia.
“A gente estava na calçada, na passarela, quando a polícia chegou com fuzil atravessado para intimidar. Do nada chegaram duas viaturas enormes e muitos policiais começaram a nos cercar. Estavam mascarados”, conta a professora Roberta.
Uma estudante ao lado da professora emendou, “ficaram xingando a gente, mandando a gente calar ‘a porra da boca’. Nos agrediram verbalmente e depois um deles deu uma paulada em uma das meninas”. A cena foi gravada, e nela um policial bate com um pedaço de madeira nas pernas de uma menina de 13 de anos. “Depois disso, ele pegou o fuzil e apontou, como se fosse atirar. A gente estava tentando dialogar e nem estávamos bloqueando a rua. A gente se retirou depois disso”, finalizou a professora.