A advogada Adriana Inory, presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Amazonas, declarou que pretende denunciar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os ataques e ameaças de morte contra indígenas Kanamari ocorridos no dia 9, dentro da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas.
O caso foi revelado pelo Amazônia Real nesta quarta-feira (16). Na ocasião, uma mulher Kanamari teve uma arma apontada no peito por um pescador ilegal, e sofreu ameaça explícita de morte.
“Não vou permitir que meu povo indígena seja violado. A OAB e a Comissão dos Povos Indígenas estão tomando todas as medidas cabíveis para fazer cessar toda e qualquer violação de forma imediata em face do povo indígena Kanamari”, disse a advogada na quinta-feira (17).
Natural da Terra Indígena do Rio Juruá, no município de Itamarati, no Amazonas, Adriana Inory pertence ao povo Kanamari. Ela é a primeira mulher indígena a assumir a presidência da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB-AM.
Também nesta quinta-feira (17), a Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) divulgou uma nota relatando o episódio da ameaça sofrida pelos indígenas no último dia 9, quando voltavam para Atalaia do Norte. Além de atirar no tambor de combustível, os pescadores ilegais também cortaram a fiação de um motor da embarcação dos indígenas. “Então saíram em seus barcos pelo rio, empunhando armas e atirando em direção às canoas do povo Kanamari”, diz trecho da nota.
Conforme o relato da Akavaja, “as crianças e mulheres assistiram à cena com imensa preocupação e medo, pois os pescadores estavam apontando as armas para o grupo de indígenas que estavam na beira do rio”.
Adriana Inory divulgou uma nota assinada conjuntamente pelo presidente da OAB, Jean Cleuter Simões Mendonça, manifestando “solidariedade aos povos indígenas da etnia Kanamari, do Vale do Javari, vítimas das recorrentes ameaças em razão da pesca e caça ilegal na região” e repudiando os ataques.
“O Vale do Javari é área de recorrentes conflitos, o que ameaça a existência dos povos originários que habitam aquela região. A realidade dos indígenas que vivem naquela localidade é crítica, em razão da distância aos centros urbanos, o que dificulta o acesso às autoridades policiais e judiciais nas suas respectivas competências, o que fortalece a presença de invasores na Terra Indígena”, diz o texto da OAB.
“O povo indígena tem forte vínculo com a terra, há relação de divindade com a fauna e flora. A terra é a continuidade do corpo e da comunidade, portanto, uma violação ao meio ambiente natural da terra indígena é uma violação humana e espiritual da população indígena que habita aquela região”, continua a nota.
Adriana Nori ressaltou que conforme as denúncias recebidas pela Comissão dos Povos Indígenas da OAB, “os criminosos sentem uma clara sensação de impunidade” e em um momento em que “vivemos em um País onde nosso governante (presidente), criou uma política que visa a todo custo eliminar as populações indígenas”.
“Antes de sermos indígenas somos pessoas. Mas o Brasil não é o país da impunidade e todos os violadores irão responder perante o judiciário na medida de sua culpabilidade”, disse a advogada.
O CASO
No dia 9 deste mês, um grupo de indígenas Kanamari foi abordado por pescadores ilegais, em uma área chamada Volta do Bindá, no rio Itacoaí, na Terra Indígena Vale do Javari. Uma mulher, liderança do povo, foi ameaçada. Um dos pescadores colocou a arma em seu peito e disse que iria matá-la.
“Eles falaram que iriam me matar como aconteceu com o Bruno e o outro. Ele me disse isso, na frente da minha filha pequena”, afirmou a indígena Kanamari.
O local onde o grupo foi ameaçado fica a seis horas de viagem em embarcação pequena da área onde foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, no dia 5 de junho deste ano.
De acordo com Higson Kanamari, após a soltura de Rubens Villar Coelho, conhecido como “Colômbia”, os pescadores passaram a ficar mais “agressivos” e voltaram a invadir a TI Vale do Javari. “Essa foi a primeira vez, depois da morte do Bruno e do Dom, que um pescador teve coragem de chegar na gente assim”.
As lideranças Kanamari ameaçadas de morte fizeram uma denúncia nesta quarta-feira na sede da Polícia Federal, no município de Tabatinga, vizinha de Atalaia do Norte. O deslocamento até a cidade exige uma viagem via terrestre e via fluvial, atravessando duas cidades (Atalaia do Norte e Benjamin Constant). As lideranças viajaram acompanhadas apenas de um policial militar, cuja segurança foi paga com recursos próprios dos indígenas.
“A gente faz essas viagens com medo de morrer. Não sabemos se os criminosos podem nos encontrar”, disse Higson Kanamari, uma das lideranças ameaçadas de morte.
Na PF, segundo os Kanamari, os depoimentos foram dados a um escrivão. O delegado não os atendeu. Os indígenas apresentaram fotografias que mostram o momento em que os pescadores ilegais fazem uma abordagem aos Kanamari.