
A destruição da Amazônia por criminosos que se sentem referendados por Bolsonaro tem se agravado e avançado sob as áreas de proteção e territórios indígenas que deveriam ser protegidos pelo governo. Operações da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro de Recursos Renováveis (Ibama) em sete terras indígenas ou TI’s na Amazônia Brasileira, realizadas ao longo de 2022, revelaram como os traficantes agem para legalizar a madeira ilegal.
Reportagem do Fantástico da Rede Globo, veiculada no domingo (20), mostrou os bastidores dessas operações. A equipe acompanhou durante nove meses as investigações dos dois órgãos nas TI’s para conhecer e mostrar como são flagrados e combatidos os invasores dessas áreas protegidas.
Os repórteres usaram tecnologia de rastreamento por satélite e celular e câmeras acionadas por movimento para seguir o caminho da madeira e assim revelar um esquema que movimenta milhões na Amazônia. As operações se estenderam por mais de três mil quilômetros dentro das áreas protegidas, entre os estados de Mato grosso e Amazonas.
A equipe mostrou também como os criminosos agem para certificar a madeira extraída ilegalmente, as ações da PF e do Ibama para destruir as estruturas montadas dentro dos territórios indígenas para a derrubada de árvores.
As terras indígenas, que ocupam quase 14% do território brasileiro e totalizam 610 TI’s, são consideradas bastiões de resistência à destruição da floresta. Nos últimos três anos, enquanto a devastação florestal cresceu 138%, as áreas protegidas foram impactadas em 3% no triênio, segundo o MapBiomas.
“Os indícios de proteção são superiores dentro das terras indígenas quando vai se comparar às (áreas) que ficam fora das TI’s”, diz Antonio Oviedo, pesquisador do Instituto Socioambiental, órgão que monitora a região.
“A Amazônia brasileira já perdeu perto de 20% da cobertura florestal nos últimos 30 anos. Já as terras indígenas, as perdas no período registram um pouco mais de 1%’, o que mostra as TI’s como um potencial muito importante para a proteção da natureza e para o cumprimento dos acordos globais que o Brasil tem assumido”, afirma Oviedo.
AÇÃO PREDATÓRIA
Apesar disso, os territórios indígenas não têm escapado da ação predadora de madeireiros, grileiros e garimpeiros nesses anos de governo de Jair Bolsonaro. O afrouxamento da fiscalização, o aparelhamento de órgãos de proteção e fiscalização como a Funai e o Ibama, além de mudanças na legislação por parte do atual governo, têm funcionando como uma espécie de sinal verde do Planalto para à prática de crimes ambientais na Amazônia.
Somado a isso, o abandono das populações indígenas, com a falta de alimentos, remédios e uma política de atendimento à saúde, moradores acabam sendo aliciados por muitos dos destruidores que lhes repassam migalhas para que esses autorizem a suas entradas nas áreas protegidas.
Seguindo a operação, a reportagem mostrou a destruição de uma estrutura montada pelos devastadores para extração de madeira dentro do Parque Nacional do Xingu. No local, a polícia encontrou alimentos, colchões e maquinários que foram queimados para coibir a ação dos criminosos.
“Essa situação já havia sido cessada, mas voltou com tudo nos últimos três anos, a exploração de madeira ilegalmente dentro do Parque do Xingu”, disse um dos agentes policiais que atuou nas operações.
No território indígena Apiaká-Kaiaby, no Mato Grosso, a polícia e o Ibama localizaram um carregamento de madeira pronto para ser transportado. À distância, é possível observar a clareira que a derrubada da árvore abriu na floresta, explica o representante do Ibama. Ainda no MT, na TI Menkü, dois caminhões carregados de toras de madeiras e um trator são apreendidos pela polícia. A madeira foi doada à prefeitura de Brasnorte, no estado mato-grossense.
O motorista José Wilson de Andrade disse que fez acordo com os indígenas para entrar na terra. Segundo ele, são pagos RS 1.500 por cada viagem a quem autorizou o acesso. Disse também, questionando pela fiscalização, que tinha feito “umas vinte viagens”.
“Quando tem esses ilícitos dentro das terras indígenas, em sua maioria, não é com a autorização da comunidade”, afirma Toya Manchinari, coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. “Porque a terra indígena é um bem comum”, completa.
“É claro que esses grupos de invasores tentam a todo momento, não só continuar com as suas invasões, mas também de tentar coagir, cooptar (…). O próprio discurso do atual governo é nesse sentido, da exploração econômica das terras indígenas”, analisa Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Na TI Roosevelt, divisa de Rondônia com Mato Grosso, dois homens foram detidos dentro da mata. No local, uma moto e um trator foram embargados. “Os coitados (indígenas) morrem de fome. Eles recebem por metro. Vocês acham que nós ia (sic) entrar aqui sem eles deixar (sic)? (Nós) entra (sic) porque eles deixa”, diz um dos homens.
Os dois foram ouvidos e liberados. O trator e a moto, queimados pelos policiais. “Eles demoram um tempo para conseguir se articularem, trazer novas máquinas e voltam”, explica o delegado responsável pelas ações.
“Pagam barato para os indígenas e depois vendem por dez vezes mais”, diz Evandro Carlos Seiva, coordenador de Operações do Ibama-MT.
Na TI Aripuanã, os criminosos usam as próprias árvores como armas, colocando toras de madeiras para bloquear as estradas e com isso impedir as investigações. Foi nessa área que o delegado Roberto Moreira da Silva Filho, que coordenava as operações há 1 ano e meio, foi morto em agosto de 2022. Ele tentava parar um caminhão, cujo motorista investia contra os policiais no intuito de atropelá-los.
Os agentes atiram para proteger o colega, mas um tiro disparado por um dos deles atingiu a cabeça do delegado, que morreu no local. As investigações confirmaram que o disparo ocorreu acidentalmente. O motorista está preso e foi indiciado por tentativa de homicídio, associação criminosa e crime ambiental.
“Esse evento (…) ocorrido com o delegado Roberto só vem corroborar que a gente definitivamente não tá lidando com qualquer tipo de pessoa. A gente tá combatendo o crime organizado”, diz Felipe Finger, coordenador do Grupo Especial de Fiscalização do Ibama. (…) O aumento desses eventos críticos estão diretamente relacionados com esse discurso contrário à fiscalização, contrário a proteger à natureza”, analisa o agente.
Já o coordenador das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira diz que “a gente vê no cenário atual um certo discurso de incentivo que empondera esses invasores localmente a entrarem nos territórios indígenas para cometer esses indícios”. É necessária a retomada da política de proteção, de vigilância das TI’s, defende Karipuna.
Durante as investigações, também foi identificado um esquema para certificação da madeira obtida de forma criminosa. A Madeira Madereira Medfaca, em Juína, foi multada em R$ 20 mil e seu proprietário ficou preso por um dia. Já a Madereira Vila Rica, foi autuada em 600 mil reais e que teve suas máquinas apreendidas. Nessa última, o Ibama e a PF interrogaram Jaílson Gonçalves, caminhoneiro, que admitiu ter transportado madeira ilegal.
Uma fábrica de “créditos falsos” também foi identificada pelas operações por meio de uma falha no Sisflora – Sistema de Comercialização e Transportes de Produtos Florestais da Secretaria de Meio Ambiente de MT. Segundo a secretaria, as empresas envolvidas foram bloqueadas.
As mais de 10 operações desencadeadas no período e acompanhadas pelo Fantástico, resultaram em R$ 37 milhões em multas, 29 autos de infrações lavrados, R$ 3 milhões em prejuízos em função dos equipamentos apreendidos ou destruídos e dez madeireiras embargadas.
Foi identificado também o equivalente a 4 mil toras de madeiras “esquentadas” em créditos fictícios. Quarenta pessoas foram indiciadas e as investigações de outros suspeitos seguem em curso. Três indígenas são investigados e 8 foram indiciados por crimes ambientais.
Com o uso de rastreadores, “essas ações resultaram em aproximadamente vinte inquéritos com o indiciamento de mais ou menos quarenta pessoas e alguns processos seguem em investigação”, informa o delegado da PF Jorge Gabira.