Terceirização da atividade-fim, jornada até 12 horas, esvaziamento da negociação coletiva, descanso diário de até meia hora, pagamento ao trabalhador somente pelo tempo em que estiver produzindo na máquina, morte por asfixia financeira das entidades sindicais…
A reforma trabalhista teve como objetivo subtrair, aliviar, desfalcar, ou, no popular, meter a mão em mais de uma centena de direitos dos trabalhadores. Não estou forçando a barra: foram modificados 103 artigos na CLT. Entre as mudanças estão: terceirização da atividade-fim, esvaziamento das negociações coletivas, jornada de até 12 horas, descanso diário de até meia hora, o trabalhador só receber pelo tempo em que estiver produzindo na máquina (trabalho intermitente), período de locomoção dentro do ônibus da empresa não contar na jornada, ou definir que a única contribuição (imposto) que deve ser autorizada pelo contribuinte seja a do sindicato.
Manteve-se a arrecadação das entidades patronais. A saber, a bagatela de 2,5%, em geral, da folha de pagamento, obrigatória para o Sistema “S”, que custeia o sistema confederativo dos empresários. Segundo a Agência Brasil, o total arrecadado foi 17,9 bilhões de reais em 2021, enquanto a Contribuição Sindical laboral caiu 97%, de 3 bilhões de reais para 65 milhões de reais. O resultado é a agonia por asfixia das entidades sindicais.
“Negociado acima do legislado” – pérola da modernidade neoliberal
As mudanças contêm requintes de crueldades, como permitir que mulher grávida possa trabalhar em local insalubre, desde que com autorização do médico da própria empresa.
Mas a cereja do bolo está no “negociado acima do legislado”, pérola da modernidade neoliberal. Ou seja, mesmo nessa mal denominada reforma, mesmo esses arremedos de direitos – se é que é possível serem chamados de direitos – podem ser desrespeitados à vontade dos patrões, evidentemente para menos, mediante convenção ou acordo coletivo.
O espírito da CLT é que, por negociação, se possa melhorar a lei (a lei é a garantia do mínimo a ser respeitado). Em outras palavras, a negociação é para ampliar os direitos, e isso ter valor de lei. Colocaram a coisa de ponta cabeça: a “negociação” passou a ser para retirar direitos. É a institucionalização da chantagem.
A reforma criou ainda a “negociação individual”. Funciona mais ou menos assim: fecha-se um cercado e coloca-se a raposa para negociar com a galinha, na hora do almoço. Mas, se apesar disso tudo sobrar alguma coisa, não precisa se preocupar porque, como garantia, o trabalhador, geralmente demitido, é quem irá arcar com as custas do processo caso perca a reclamação na Justiça do Trabalho.
Isso não é reforma, é passaporte para escravidão
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada em 1943 para fortalecer o poder de compra dos trabalhadores, o mercado consumidor interno e para sustentar a produção da indústria ligeira. Significou um espetacular salto nas relações do trabalho, num país que durante 400 anos viveu do trabalho escravo e da exportação da cana de açúcar, do café e de matérias primas, da importação de quase tudo e do financiamento do sistema financeiro internacional, que deixou o país endividado em moeda estrangeira até os cueiros.
Por ignorância ou sem-vergonhice, alguns economistas argumentam que “a supressão de direitos vem para modernizar as relações do trabalho, já que a CLT tem 80 anos. Vem para criar empregos e deixar o país mais competitivo”.
Conversa fiada. Sem direitos, não tem poder de compra. Sem consumo, não tem indústria, sem indústria, só tem atraso, retrocesso, desemprego, fome e miséria. E isso não tem nada de moderno.
As primeiras vítimas do governo Bolsonaro foram os trabalhadores, depois os aposentados. A reforma foi o esquenta do governo fascista de Bolsonaro, aprovada durante o governo Temer. A seguir, foram as indústrias, depois o comércio. E, se matar a galinha dos ovos de ouro, os próximos serão os senhores do agronegócio e até os banqueiros.
Prometeram milhões de empregos, o crescimento econômico do país e a prosperidade. O que veio foi a destruição nacional. Só os exportadores de commodities e os banqueiros lucraram às custas do povo. Os três maiores bancos privados (Itaú, Bradesco e Santander) lucraram 16 bilhões de reais no 3º trimestre do ano, enquanto 33 milhões de brasileiros não têm o que comer.
Foram 700 mil mortos na pandemia por falta de assistência, desmonte da saúde pública, quase 14 milhões de desempregados e desalentados, 40 milhões na informalidade, liquidação de bilhões de reais das estatais para acionistas estrangeiros, desindustrialização e crescimento astronômico da dívida pública, apesar dos 600 bilhões pagos só de juros este ano.
A salvação nacional começa pelo combate à fome, pelo auxílio emergencial de 600 reais, mais 150 reais por criança até 6 anos, pelo aumento real do salário mínimo, pela liberação do pagamento do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mínimos e pela retomada das 14 mil obras, com a criação de milhões de postos de trabalho.
A segunda urgência é a devolução de todos os direitos assaltados da classe operária, reposição dos salários e do sistema de custeio dos sindicatos.
No governo Lula, os empresários de verdade serão os principais beneficiados, porque poderão voltar a ser empresários. Outra verdade é que poderão aumentar a produtividade. Vai-se ocupar a capacidade ociosa, hoje em 30%. Será possível e necessário usar de novas tecnologias; vão ter para quem produzir, sem depender principalmente do mercado externo. Contarão com o apoio do Estado, com as compras e encomendas, com financiamento público e juros baixos.
O dinheiro do investimento público virá da redução dos juros, do fim da renúncia fiscal injustificada, da renda do petróleo, do lucro das estatais e do apoio e financiamento externo.
Por fim, só um lembrete: ninguém tem o direito de falar em nome dos trabalhadores sem ao menos levar em conta suas reivindicações mais imediatas.
CARLOS PEREIRA