Na busca de se livrar ou adiar o andamento do julgamento por corrupção em quatro processos por corrupção já enviados pela polícia às Cortes de Israel, Netanyahu monta maioria parlamentar – para chegar ao governo – com base em uma extrema direita judaico-supremacista que investe contra o que foi possível de manter em termos de democracia israelense que, diga-se de passagem, é já claramente impossível de ser plena com a manutenção da discriminação contra os árabes que vivem dentro das fronteiras israelenses, assim como contra os palestinos nos territórios ocupados por mais de 50 anos (desde a Guerra dos Seis Dias).
NETANYAHU INCENDIÁRIO
Não é à toa que em artigo desta semana o articulista Alon Pinkas, do jornal israelense Haaretz, diz que Netanyahu lembra o imperador romano Nero que incendiou Roma, uma vez que “ameaça incendiar Israel e reduzir o país a cinzas”, assim como suas “instituições e normas democráticas”.
Em declarações recentes, Lara Friedman, presidente da Fundação para a Paz no Oriente Médio, com sede nos Estados Unidos, deixou claro o perigo que está cada vez mais amplamente evidente: “É certo que a lista das escandalosas violações dos direitos palestinos e até de direitos de cidadãos norte-americanos de origem palestina vão continuar crescendo sob um governo de direita em Israel, cujos componentes expõem suas posições mais descaradamente racistas”.
FASCISTAS ELOGIAM ESPANCAMENTO DE MANIFESTANTES
O vídeo mostrando o espancamento de um ativista judeu israelense em ato contra a ocupação dos territórios palestinos na cidade palestina de Hebron, mostrou o quanto a coalizão que deve levar Bibi Netanyahu a um novo mandato de primeiro-ministro ameaça acabar com o que resta de democracia no Estado de Israel, em especial com a entrega de cargos ministeriais, que incluem os de atuação sobre os assentamentos (epíteto para unidades construídas sobre terras assaltadas aos palestinos) à tríade de alucinados racistas messiânicos, belicistas e extremistas de direita, Itzhaq Ben Gvir, Bezalel Smotrich e Arieh Deri.
O espancamento foi filmado por palestinos no local e divulgado via tweeter. A agressividade por parte do soldado israelense foi tão grande que ossos do rosto do ativista, também israelense, sofreram fraturas.
Veja vídeo divulgado por Hagar Shezaf:
O soldado identificado através do vídeo foi levado a julgamento em tribunal militar e condenado à branda pena de 10 dias de prisão, dois outros soldados presentes à agressão foram suspensos.
A advogada de defesa de dois outros ativistas árabes denuncia que a polícia está intimidando seus clientes apesar das evidências de sua ação pacífica e de serem os soldados os agressores:
“Apesar dos vídeos documentando quem é agressor e quem é vítima, os dois ativistas foram interrogados de forma extensiva. A polícia lhes faz acusações tentando inculpar as vítimas que estavam participando de uma luta não violenta. Um deles foi espancado pelos soldados e depois ainda colocado sob prisão domiciliar”.
“Aparentemente o espírito do ministro a ser designado já se faz sentir no terreno”, acrescentou a advogada, referindo-se à indicação do extremista Ben Gvir.
Em uma das filmagens na cena da altercação um soldado do mesmo esquadrão (Brigada Givati) é visto deblaterando: “Ben Gvir vai colocar as coisas no lugar certo. É isso aí…caras, vocês perderam, a diversão terminou”.
A coisa não parou por aí, mostrando o risco do que acontece no Israel de agora. O próprio Ben Gvir veio a público condenar não os agressores, mas os juízes que os proferiram a pena branda para os agressores e ainda fez questão de visitar o soldado na prisão.
“Não vejo nada de errado no comportamento do soldado diante das perturbações e lamento a punição desproporcional dirigida a ele”, disse Gvir.
O pai do soldado agressor assim defendeu a selvageria de seu filho e dos demais militares: “Todos os soldados presentes durante o incidente são heróis. Temos visto o que fazem diante dos ativistas em Hebron por mais de seis meses, testemunhando seus esforços. Infelizmente, anarquistas decidiram incomodá-los enquanto perfaziam o trabalho de Deus… vieram perturbá-los, mas isso não se vê nos vídeos”.
O tenente-coronel Aviran Alfasi, comandante que impôs a sentença de 10 dias de prisão sobre o soldado agressor, declara que tem sofrido ameaças e abuso tanto em seu celular como através das redes, desde que Gvir foi visitar o soldado e também seus familiares. “A liderança das forças armadas deve pensar duas vezes sobre essa punição contra nossos heróis”, disse então Gvir.
GENERAIS AMEAÇADOS SE PRONUNCIAM
O clima está ficando tão tenso que os integrantes do comando militar israelense, assim como oficiais da reserva, sentindo que o poder de comando começa a sair de suas mãos, decidiram se pronunciar.
“Estas são ofensas sérias”, declarou o major-general Israel Ziv, ex-chefe do setor de operações do exército de Israel [IDF, sigla em inglês], referindo-se à fala de Gvir. “Tais incidentes danificam o pilar mais significante do IDF. Uma vez de uniforme o cidadão deve fazer parte de uma entidade oficial, sujeita à autoridade e preencher seus deveres baseado em ordens e não as ultrapassar com base em julgamento pessoal”.
Até o chefe do Estado Maior do Exército de Israel, Avi Kochavi, se sentiu na necessidade de responder a Gvir: “Não permitiremos que nenhum político, nem da direita, nem da esquerda, interfira nas decisões de comando”.
“Os comandantes, e somente os comandantes”, prosseguiu, “determinam as normas e a forma como os incidentes são tratados em suas unidades. Difamar comandantes por interesses políticos é uma rampa escorregadia à qual nós, como sociedade, não podemos sucumbir”.
Sentindo-se empoderado, Gvir não recuou diante das declarações do chefe militar e redarguiu: “Os militares é que devem se abster de pronunciamentos políticos”.
“ESTAREI NAS RUAS CONTRA DESTRUIÇÃO DE NETANYAHU”, DIZ GENERAL
Neste momento, o ex-chefe do Estado Maior e atual deputado, Gadi Eisenkot, interviu para chamar o povo a tomar as ruas do país para salvar sua frágil e incompleta democracia, agora sob risco de aniquilação total, como declarou Eisenkot:
“Se Netanyahu danifica os interesses nacionais do Estado de Israel, a educação estatal, as forças armadas de seu povo, o caminho para tratar disso é que um milhão de pessoas tomem as ruas e eu estarei entre elas”, declarou o general da reserva.
“Eu condeno”, prosseguiu, “a exploração cínica por parte de Ben Gvir e sua laia. Estes que fazem um discurso político para obter ganhos no curto prazo enfraquecer o exército no longo termo”.
ATAQUES AO ESTADO DE DIREITO SE MULTIPLICAM
Dias antes do tenso debate em torno do espancamento de israelenses, em outro ataque aos direitos dos cidadãos, Bezalel Smotrich, outro líder do grupo fascista Sionismo Religioso, que conquistou 14 cadeiras no parlamento, declarou em palestra a correligionários em Tel Aviv que “as organizações de direitos humanos ameaçam a existência de Israel”.
Tais declarações levaram a líder do Partido Trabalhista, Merav Michaeli, a responder que é o governo prestes a assumir, liderado por Netanyahu, que é realmente uma ameaça à democracia de Israel.
Michaeli promoveu dentro do parlamento israelense uma “Conferência de Emergência para Salvar a Democracia”, onde declarou que “uma vez era dado que o Estado de Israel seria judeu e democrático. Hoje a parte democrática não pode ser vista como garantida e os ataques a ela são, genuninamente, uma luta existencial”.
ESPANTOSO MERGULHO NAS TREVAS?
Esse mergulho israelense nas trevas do fascismo seria, de fato, espantoso se não fosse uma tragédia fartamente anunciada. Seria mesmo o desdobramento histórico de uma sociedade fundada na limpeza étnica para deslocar um povo fruto de uma construção civilizacional de milênios, o povo palestino, não fosse o intuito desta limpeza étnica, como parte integrante e inseparável do projeto de fomento de uma maioria judaica de forma artificial e com base em um regime de fundações autocráticas e discriminatórias sem as quais a própria existência deste Estado/enclave colonial seria impossível.
Uma construção de Estado tendo como pré-condição o predomínio de uma mentalidade racista/discriminatória e só com base nela passível de concretização.
É um passo gravíssimo na direção da própria destruição do Estado de Israel nos termos vaticinados pelo pensador Yeshayahu Leibowitz de que a perpetuação da ocupação dos territórios palestinos após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, destruiria esta sociedade.
É um avanço da estrema direita que cresceu no caldo de cultura retratado acima, mas que também torna evidente a necessidade existencial, como destaca a trabalhista Merav Michaeli, de resistir a este avanço. Uma resistência que resgate a presença inesquecível do mais corajoso e consequente dos dirigentes israelenses em busca da paz, Itzhaq Rabin, assassinado a tiros por um fanático judeu cevado pelos fascistas que chegam agora ao poder entre eles Netanyahu que encabeçava marchas pela morte de Rabin carregando alça do que seria o seu caixão.
Uma resistência que também destacará e homenageará os judeus que desenvolvem esta luta antifascista em um dos terrenos mais difíceis e que não desistem dela, a exemplo do general Mattityahu Peled, do saudoso Uri Avneri, do premiado escritor Davi Grossman, do cineasta Amós Gitai, do poeta Dan Almagor, para citar alguns dos valiosos combatentes que nos dão esperança em uma vitória que não seja apenas a preservação da atual e incompleta democracia israelense, mas do surgimento de uma sociedade que acolha e abrigue todos os seus cidadãos sem qualquer distinção seja ela de credo, etnia ou origem, em convivência fraterna, respeitosa e produtiva com o principal de seus vizinhos, o Estado da Palestina.
NATHANIEL BRAIA
é mesmo esse povo, o escolhido de Deus??