Resultado de juros altos, investimentos em queda livre, inflação e desemprego elevados
A economia brasileira variou 0,4% no terceiro trimestre de 2022, na comparação com o trimestre anterior, deixando à mostra que a retomada econômica propalada pelo governo Bolsonaro não passa de um voo de galinha. Os dados sobre o resultado do terceiro trimestre de 2022 do Produto Interno Bruto (PIB) foram divulgados nesta quinta-feira (1º) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O PIB, soma dos bens e serviços finais produzidos no país, totalizou R$ 2,544 trilhões em valores correntes de julho a setembro.
As variações positivas da economia brasileira vistos nos dois primeiros trimestres deste ano, de 1,3% e 1,0%, respectivamente, estavam ancorados na normalização das atividades econômicas afetadas pelas medidas de contenção da pandemia da Covid-19. Com o esgotamento dessas medidas, o efeito maléfico dos juros elevados, os mais altos do mundo, pesando sobre o setor produtivo, travando os investimentos, inibindo o crédito e o consumo das famílias, levou a economia brasileira a retomar a trajetória da recessão.
O pacote pró-reeleição de Bolsonaro injetado na economia (liberação de saques do FGTS, antecipação do 13º dos beneficiários do INSS e servidores, a turbinagem no valor do Auxílio Brasil, que passou de R$ 400 para R$ 600 até o final deste ano, o auxílio temporário para taxistas e caminhoneiros, cortes de impostos, entre outras medidas desarranjadas, foram insuficientes para evitar a desaceleração da economia brasileira.
De acordo com IBGE, o setor de Serviços avançou 1,1%, a Indústria cresceu 0,8%, a Agropecuária recuou 0,9%, nas comparações do terceiro trimestre contra o segundo trimestre deste ano. Neste mesmo intervalo, a Despesa de Consumo das Famílias variou +1,0% e a Despesa de Consumo do Governo +1,3%. Já a Formação Bruta de Capital Fixo, que mede o que investe o país em bens de capital, máquinas, equipamentos e material de construção e outros, teve alta de 2,8% em relação ao trimestre anterior.
O Banco Central (BC) elevou a taxa de juros (Selic), que passou de 2% em março do ano passado para 13,75% em agosto, a pretexto de conter a inflação, que no Brasil não ocorre por excesso de demanda, mas decorre do aumento dos preços internos de energia e de algumas commodities produzidas no país que são atrelados ao dólar e aos preços no mercado internacional. Nesse caso, a elevação dos juros nada poderia fazer para derrubar a inflação.
A redução na inflação que foi vista nos meses de julho a setembro foi resultado da redução artificial nos preços dos combustíveis por meio de cortes de impostos federais e do ICMS, além da queda dos preços do petróleo nas bolsas internacionais. Mesmo assim, a deflação só atingiu as classes sociais com maior poder aquisitivo, enquanto os mais pobres sofreram todo o peso da carestia dos alimentos, que acumula em 12 meses até outubro uma alta de 11,21%.
Em outubro, “a deflação fake” de Bolsonaro se desmascarou com alta de 0,59% no mês e, em novembro, a inflação deve continuar avançando, como apontou a prévia da inflação oficial (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15), divulgado pelo IBGE, que subiu 0,53%, puxado pelos preços dos alimentos e dos combustíveis.
Com o Brasil no topo do ranking mundial de juros reais e a inflação elevada, as expectativas para o quarto trimestre são de crescimento nulo (zero). Os brasileiros chegaram ao final deste ano mais endividados, com os salários arrochados. Dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostram que o número de famílias endividadas atingiu 79,2% do total de lares no país em outubro. A proporção de famílias inadimplentes chegou a 30,3%, o maior nível desde o início da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da CNC, iniciada em janeiro de 2010. No país, 6,3 milhões de empresas, na maioria micro e pequenas empresas, estão inadimplentes, segundo Serasa Experian.
Com o esmagamento sobre a renda, o crédito que era habitualmente usado para obter bens de consumo, se tornou uma válvula de escape para os trabalhadores cobrir as compras de supermercado. Esse movimento foi sentido nas Black Friday de 2022, por exemplo, em que pesquisas preliminares indicaram retração inédita nas vendas, com volumes 20% menores, em relação às promoções do ano anterior. No Natal, a situação não deve ser diferente.
Não é à toa que o Comércio ficou negativo em -0,1% no terceiro trimestre. “Esse é um cenário que já vínhamos observando na Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do IBGE. O resultado reflete a realocação do consumo das famílias dos bens para os serviços”, diz a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
“Há vários sinais de que o cenário está pior, e o terceiro trimestre está no meio do caminho”, afirma a economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), Silvia Matos, ao destacar que está claro que o cenário econômico deste segundo semestre é pior do que o primeiro. “Todos os indicadores de alta frequência mostram perda de impulso no crescimento econômico”, disse, citando os dados sobre geração de empregos formais de outubro, registrados no Caged, e os indicadores de confiança do empresariado, calculados pela FGV, que deterioraram em outubro e novembro.
O nível de desemprego no país continua elevado, com mais de 9 milhões de brasileiros em busca de emprego no trimestre móvel de agosto a outubro de 2022. Nesse período, 4,2 milhões de pessoas desistiram de procurar emprego por não acreditar que há oportunidades ou por outros motivos (chamada de população desalentada) e outros 6,0 milhões estão subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Esse números que forma a “força de trabalho subutilizada” está estimada em 22,7 milhões de pessoas. Já a taxa de informalidade, que inclui os que trabalham sem carteira e os que exercem atividades consideradas “bicos”, foi de 39,1%, o que corresponde a 39 milhões de pessoas.