Estudo comandado por Paulo César Lima e Livi Gerbase mostra que a fatia do leão da renda do petróleo brasileiro está indo para fora do país. A nota técnica conclui que o principal problema é a estrutura de incentivos fiscais à renda das empresas petrolíferas que atuam no Brasil
Neste momento em que o Brasil se livrou de um governo fascista que, como todo fascismo da periferia, teve, e tem, um comportamento caninamente submisso aos interesses dos monopólios estrangeiros – apesar das aparências em contrário -, é hora de uma ampla discussão sobre os potenciais do país para a retomada do desenvolvimento nacional autônomo.
Entre os grandes potenciais para o crescimento da economia brasileira está o bom uso da riqueza petrolífera do país. A maneira como a enorme renda petroleira do Brasil – que pode ser uma grande impulsionadora do desenvolvimento das forças produtivas do país – vem sendo dividida atualmente não atende aos interesses nacionais. Ela vem servindo basicamente à ganância dos acionistas das petroleiras – inclusive da Petrobrás – na sua maioria estrangeiros.
É isso o que mostra o estudo do engenheiro Paulo Cesar Ribeiro Lima, ex-pesquisador da Petrobrás, ex-professor da Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-consultor Legislativo da Câmara dos Deputados na área de Minas e Energia, e de Livi Gerbase, assessora política do Inesc, coautora do documento, junto com o engenheiro. O estudo foi divulgado em artigo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que, por sua importância, reproduzimos nesta edição.
Leia aqui a nota técnica na íntegra
Os privatistas alegam que a Petrobrás teria transferido R$ 202,9 bilhões à União de rendas governamentais, quando, na realidade, foram R$ 66,6 bilhões”, afirma Paulo César. “Isso ocorre, pois, a Petrobrás adiciona impostos pagos por consumidores e por terceiros na sua conta, quando deveria considerar apenas os royalties e a participação especial (R$ 54,7 bilhões), além do valor dos tributos próprios da operação (IRPJ + CSLL + outros impostos e contribuições), de R$ 12,2 bilhões. Isso tudo resulta em R$ 66,6 bilhões, valor 67,1% menor do que diz em sua prestação de contas”, destaca o autor do estudo.
O estudo elaborado pelo engenheiro Paulo César Ribeiro Lima e por Livi Gerbase, cujos principais trechos apresentamos a seguir, mostra que o Brasil não está se aproveitando das riquezas petrolíferas do país que, pela Constituição, pertencem ao povo, da melhor maneira possível e que, por isso, ocupa hoje a décima sétima posição entre 19 países produtores de petróleo em relação à participação governamental na renda petroleira.
O estudo diz que seu objetivo é estimar essa participação governamental efetiva da Petrobrás na arrecadação federal, apontar as implicações sobre a participação governamental efetiva das outras empresas petrolíferas que atuam no país; e explicar um motivo-chave para uma participação governamental baixa quando comparada com outros países produtores de petróleo. A nota técnica conclui que o principal problema é a estrutura de incentivos fiscais à renda das empresas petrolíferas que atuam no Brasil. Confira.
S.C.
PETROBRÁS SUPERESTIMA RECURSOS DESTINADOS AOS COFRES PÚBLICOS
A empresa diz que pagou, em 2021, R$ 202,9 bilhões à União de rendas governamentais, quando, na realidade, foram R$ 66,6 bilhões; participação governamental é uma das menores do mundo entre os países produtores
Do total da rentabilidade da Petrobrás em 2021 com a produção de petróleo, menos da metade (47,1%) foi entregue, de fato, aos cofres públicos. Esse percentual foi calculado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) na mais nova análise intitulada “Petróleo: participação governamental, subsídios e injustiça fiscal” e vai de encontro às estimativas realizadas pela Petrobrás de quanto é sua contribuição ao governo brasileiro.
Por ser um país produtor, a União tem o direito de receber do setor petrolífero rendas governamentais: royalties, bônus de assinatura, o pagamento de tributos, e, no caso específico da Petrobras, os dividendos, por ser acionista da companhia. Ao dividir as rendas governamentais pela rentabilidade da empresa, tem-se o percentual de participação governamental – que, para 2021, foi de 47,1%.
Dado que as outras empresas petrolíferas não pagam dividendos, o percentual do retorno que as empresas estrangeiras (como Shell, Petrogal, Repsol Sinopec e Total) geram para o Brasil, ao explorar o petróleo do País, se reduz para um terço (33,5%), informa o Inesc. Trata-se de um valor aproximado, pois as exploradoras de petróleo internacionais não divulgam as informações fiscais publicamente, a despeito da atuação em solo brasileiro.
Para 2021, a empresa diz que pagou R$ 202,9 bilhões à União de rendas governamentais, quando, na realidade, foram R$ 66,6 bilhões. Isso ocorre pois a Petrobras adiciona impostos pagos por consumidores e por terceiros na sua conta, quando deveria considerar apenas os royalties e a participação especial (R$ 54,7 bilhões), além do valor dos tributos próprios da operação (IRPJ + CSLL + outros impostos e contribuições), de R$ 12,2 bilhões.
Isso tudo resulta em R$ 66,6 bilhões, valor 67,1% menor do que diz em sua prestação de contas. Se a empresa de fato contribuísse com R$ 202,9 bilhões, a participação governamental seria acima de 100%, isso é, ela estaria passando ao governo mais do que toda a sua rentabilidade com a venda de barris de petróleo.
Até 2014, a Petrobrás reconhecia explicitamente em seus relatórios fiscais que parte dos impostos por ela recolhidos eram pagos pelos consumidores e por empresas terceiras (na forma de substituição tributária). Nos últimos anos, porém, a estatal passou a contabilizar todos os valores recolhidos dos seus fornecedores e consumidores no valor global que ela gera para o governo brasileiro.
Apesar da superestimação, a principal razão para números tão baixos não está nas rendas governamentais, e sim na estrutura de subsídios ao setor, que penaliza o pagamento de tributos. Desde a aprovação da Lei 13.586/2017, conhecida na época como MP do Trilhão, as empresas do setor podem deduzir dos cálculos de determinação do lucro real, para fins de apuração do IRPJ e CSLL, importâncias aplicadas nas atividades de exploração e de produção de jazidas de petróleo e de gás natural, o que inclui também valores pagos como royalties e bônus de assinatura.
Em 2021, a Petrobrás pagou apenas R$ 10,4 bilhões em impostos sobre a renda. Enquanto isso, o consumidor brasileiro paga 10 vezes mais tributos sobre a gasolina, gás natural, diesel e outros subprodutos do petróleo, totalizando R$ 117 bilhões em 2021 (soma ICMS, Cide e PIS/COFINS).
“Por causa dos subsídios bilionários a esse setor, o governo não se apropria da riqueza gerada pela indústria petrolífera, deixando-a aos acionistas privados”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc, co-autora do documento, junto com o engenheiro Paulo Cesar Ribeiro Lima, ex-pesquisador da Petrobras, ex-professor da Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na área de Minas e Energia.
“Esses números são de extrema relevância frente ao debate sobre a crise climática global, já que esses subsídios incentivam a poluição sem o retorno vultuoso que é anunciado pela Petrobrás”, acrescenta Livi. “Além de penalizar o orçamento público e aumentar as injustiças do sistema tributário brasileiro, esse tipo de benefício não evita o aumento do preço da gasolina e pior: agrava ainda mais a crise climática global”, lembra a pesquisadora do Inesc.
Dados do Boston Consulting Group (BCG) mostram que, no ranking dos 19 maiores produtores mundiais, o Brasil amarga o 17º lugar entre as nações petrolíferas que mais conseguem retornos da indústria petrolífera no seu território. O mais recente levantamento sobre esse tema data de 2015, quando a parte que cabia ao País ainda era de 56%. Mesmo os Estados Unidos, onde a produção interna não é estatal, o retorno era de 67%, o que equivale a 10ª posição. Apesar de o BCG usar uma metodologia diferente, é possível ter uma ideia do quanto o Brasil cairia ainda mais nesse ranking se os números fossem atualizados para 2021.
Como recomendações do Instituto para diminuir a conta paga pelo consumidor, reduzir a injustiça fiscal e caminhar em prol da superação da crise climática, estão: exigir do governo brasileiro uma estimativa oficial de quanto o setor petrolífero contribui para a sociedade brasileira, aumentar a participação governamental efetiva e retomar os investimentos da Petrobrás em energias renováveis, direcionando as rendas petrolíferas em prol da transição energética com justiça social.
Para saber mais:
O barril internacional Brent chegou a US$ 88 em 2022, o valor mais alto em sete anos. No Brasil, esse impacto foi sentido fortemente, com os preços da gasolina na bomba saindo de uma média de R$ 3,00/L em 2014 para R$ 6,50/L em 2022. Com esse aumento, o lucro líquido da Petrobras em 2021 foi de R$ 106,7 bilhões, alta expressiva, quando comparada aos R$ 7,1 bilhões registrados em 2020.
O Brasil oferta hoje ao sistema global de consumo de energia fóssil um milhão a mais de barris por dia do que ofertava há 10 anos. De acordo com o Plano Decenal de Energia, o objetivo é chegar a 5,2 milhões de barris por dia na próxima década, podendo sair da nona posição para o quarto maior produtor mundial de petróleo, contribuindo para o aumento das emissões globais de gases do efeito estufa.
Fonte: INESC