“É uma conta que será herdada não só por esse governo, mas pelos próximos”, disse Maurício Tolmasquim, coordenador do GT. “Herança foi deixada para o consumidor, que já paga as maiores tarifas do mundo”, acrescentou. O representante do setor elétrico afirmou que o novo governo vai tomar medidas para reverter esta situação
O coordenador do grupo de Minas e Energia da transição do governo Lula, Mauricio Tolmasquim, apresentou nesta quinta-feira (8) o diagnóstico do setor elétrico e afirmou que o governo Bolsonaro deixa uma conta de R$ 500 bilhões para ser paga pelo consumidor de energia elétrica.
“Vimos que uma série de ações feitas nesse governo vai deixar uma herança para os próximos governos, que terá de ser paga pelo consumidor de energia elétrica. Tentamos somar todo esse custo a ser pago nos próximos anos e atinge R$ 500 bilhões se trouxermos tudo para hoje em termos nominais”, afirmou Tolmasquim. Ele enumerou os pontos do impacto fiscal, como o uso de termoelétricas, escassez hídrica e a privatização da Eletrobras. “É uma conta que será herdada não só por esse governo, mas pelos próximos”, disse.
ALTA NAS TARIFAS
O integrante da transição admitiu que, apesar do custo de produção de energia no país ser relativamente baixo, os brasileiros já pagam as maiores tarifas do mundo. “É uma questão muito grave, pois o custo de gerar energia é muito barato. Porque nossas fontes são baratas, temos bons recursos naturais, agora a tarifa que o consumidor paga é exorbitante, uma das mais caras do mundo. O que estamos vendo agora é mais pressão sobre as tarifas ao consumidor e temos de agir para evitar isso”.
A conta, segundo Tolmasquim, inclui a Conta-Covid – um empréstimo feito ao setor elétrico durante a pandemia de Covid-19; a Conta Escassez-Hídrica – novo empréstimo feito ao setor elétrico para cobrir os rombos da crise energética de 2021; e a contratação emergencial de usinas termelétricas, realizada em outubro do ano passado pelo governo. Tudo isso será repassado para o conta dos brasileiros. O representante do setor elétrico afirmou que o novo governo vai tomar medidas para reverter essa situação.
“Além disso”, prosseguiu o coordenador, “é necessário pagar também a contratação de Pequenas Centras Hidrelétricas (PCHs), por meio de uma reserva de mercado nos leilões de energia”. Trata-se de uma contrapartida exigida pelo Congresso Nacional no projeto que autorizou a privatização da Eletrobras, assim como a obrigação de contratar usinas termelétricas em regiões em que não há escoamento de gás natural.
De acordo com Tolmasquim e com o coordenador do subgrupo de energia do governo de transição, Nelson Hubner, a equipe já trabalha em alternativas para reduzir a conta. “Uma das propostas será a rescisão dos contratos das usinas termelétricas contratadas no leilão emergencial realizado no ano passado. Esses contratos somam R$ 39 bilhões”, diz Hubner.
O governo eleito ainda “vai buscar rever, junto ao Congresso Nacional, a necessidade de contratação de usinas termelétricas em lugares distantes, sem escoamento de gás natural. É uma conta de R$ 368 bilhões, porque terá de ser feita toda a infraestrutura para levar gás a essas térmicas, os chamados gasodutos”.
Tolmasquim classificou como “inaceitável” a “irracionalidade energética, construir usinas longe do suprimento de gás e do centro de consumo, vai construir gasodutos, linhas de transmissão caríssima. (…) Isso vai passar pelo Congresso, mas acreditamos que o novo Congresso será sensível e isso e reverter esse processo danoso ao meio ambiente e ao consumidor”.
O prejuízo bilionário ao país e ao povo brasileiro, apontado pelos membros do grupo de transição, no setor elétrico brasileiro é fruto da modelagem de mercado que foi implantada no setor elétrico e da privatização da Eletrobras. Apesar de não ter sido tratada nesta entrevista do GT de Minas e Energia, a discussão sobre a reestatização da Eletrobras está sendo feita por membros do grupo de transição e por especialistas da área.
NEM EUA VENDEU USINAS HÍDRICAS
Nelson Hubner, integrante do grupo de transição, falou sobre o papel das usinas hídricas que, segundo ele, devem funcionar como segurança energética, e que, por isso, não podiam ter sido vendidas. “A única pauta do governo atual foi privatizar. Nenhum país do mundo fez isso, e eu não estou falando em países comunistas, estou falando de países como os Estados Unidos, com uma economia liberal, que é vender usinas hídricas amortizadas, que não injetam um centavo na economia e, ao mesmo tempo, coloca um poder absurdo nos grupos privados.
Nos EUA, todas as usinas hídricas estão nas mãos do Estado e nós entregamos isso para um monopólio privado que vai operar tudo com absoluto poder de mercado”, denunciou.
Para o professor Roberto D´Araujo, diretor do Ilumina, “além de reestatizar a Eletrobras, é preciso estar atento aos defeitos da modelagem de mercado adotada no setor elétrico, pois, foi ela que produziu as duas vítimas: o consumidor e a Eletrobras”. De acordo com o especialista, esse processo ocorreu com a privatização de empresas com usinas prontas, sem a exigência de construção de novas usinas.
“Na década de 90, além de mais de 80 estatais privatizadas com financiamento do BNDES, a Eletrobras também foi posta à venda. Evidentemente, o capital tem seus próprios limites e, ao perceber que haveria uma verdadeira liquidação de usinas, os investidores se desinteressaram por novos desafios. Na realidade, o racionamento de 2001 ocorreu por conta do déficit de mais de 8.000 MW médios de oferta. Praticamente uma usina de Itaipu era esperada e não ocorreu. São Pedro não foi o culpado”, explicou Roberto D’Áraújo.
Com a preponderância do modelo privatista, que sempre permaneceu dominante, para garantir o aproveitamento de potenciais conhecidos, a Eletrobras foi obrigada a formar parcerias com o setor privado onde ela é minoritária, com mais de 16 GW construídos sob esse esquema.
D’Araujo defende que é necessário mudar a lógica desse sistema ou podemos repetir os erros do passado. “Se a pretensão é reestatizar a Eletrobras, tirando o Brasil da vergonhosa situação de ser o único país de base hidroelétrica majoritariamente privado, é preciso estar atento aos defeitos da modelagem de mercado adotada, pois foi ela que produziu as duas vítimas: O consumidor e a Eletrobras”, conclui.
O engenheiro eletricista da Eletronorte e diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás (Aesel), Ikaro Chaves, membro do grupo de transição no setor energético afirmou recentemente, em entrevista, que a reversão da privatização é possível por ser a empresa constitucionalmente um serviço público. “É um serviço público de eletricidade respaldado na Constituição e de competência da União, sendo as hidrelétricas bens públicos. Isso é o que determina a Constituição. Então as condições de a gente fazer a reversão da privatização da Eletrobrás são totais do ponto de vista técnico, jurídico e econômico”, disse Chaves.
PETRÓLEO
O senador Jean Paul Prates (coordenador do subgrupo Petróleo) denunciou o desmonte da Petrobrás e das empresas do setor e afirmou que a petroleira reduziu de tamanho em relação ao efeito multiplicador que tem na economia. A Petrobrás chegou a movimentar 13% do PIB em 2014 e caiu para menos de 4%. em termos de formação de capital, ela caiu de 7,6% para menos de 3% no mesmo período.
Ele informou que o grupo fez uma solicitação expressa para que fossem suspensos, mesmo, segundo ele, que possam ser, eventualmente retomados, os processo de desinvestimentos em curso e que não se iniciassem novos processos. Prates afirmou que é natural que essas informações sejam passadas e que sabe que alguns ativos podem ser vendidos, se não forem importantes para o funcionamento da empresa, mas que não deveriam ter continuidade os novos processos.
O senador criticou o fato da Petrobrás “ter se tornado uma empresa que apenas distribui dividendos, tirando recursos sabidamente não renováveis do solo, apenas lucrando e tirando isso para distribuir, para quem quer que seja, projeta um futuro nebuloso sem que se saiba para onde a empresa está indo. “Todas as empresas de energia, aliás, todas as empresas de petróleo estão se tornando empresas de energia, mas essa visão está apenas no papel. Não há projetos neste sentido”, afirmou.
O parlamentar alertou para o estado de penúria em que vivem os órgãos de controle do setor. A ANP, a PPSA e a EPE vivem estados calamitosos em termos financeiros. “E isso é surpreendente e lamentável porque não se tratam de órgãos que puxam do orçamento público, são órgãos que geram receitas, e receitas bilionárias para o Estado brasileiro. O mínimo é uma estrutura para funcionar e nós tivemos informações que não havia dinheiro para pagar os salários do mês que vem”, observou. “Uma empresa como a PPSA movimenta bilhões porque comercializa o óleo da União, obtido com a partilha, que é o óleo que o Estado recebe, e não tem dinheiro para administrar essa situação”, acrescentou.
Segundo o relato de Prates, a EPE, responsável por todo o planejamento do setor energético, teve uma perda de um terço do seu pessoal. A ANP, segundo o senador, não tem recursos nem para pagar o aluguel da área, que deveria ser pago, pela lei, pelos concessionários e nem isso foi feito, afirmou. Ele destacou que “órgãos como estes não podem ficar na fila de pedintes do orçamento, até porque eles têm fontes definidas”.
Participaram do encontro Aloizio Mercadante (coordenador dos Grupos Técnicos da Transição), Mauricio Tolmasquim (coordenador executivo do grupo técnico de Minas e Energia), senador Jean Paul Prates (coordenador do subgrupo Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Giles Azevedo (coordenador do subgrupo de Mineração), Nelson Hubner (coordenador do subgrupo de Energia) e Magda Chambriard (ex-diretora da ANP).