WALTER NEVES
MARIA HELENA SENGER
GABRIEL ROCHA
Núcleo de Popularização dos Conhecimentos
sobre Evolução Humana-IEA/USP
LINCOLN SUESDEK
Instituto Butantan
MARK HUBBE
Ohio State University
A evolução de nossa linhagem, a dos hominínios, iniciou-se por volta de 7 milhões de anos e até cerca de 2,5 milhões de anos se manteve restrita à África. Houve, nesse processo evolutivo, uma sucessão de gêneros, tais como Sahelanthropus, Orrorin, Ardipithecus, Australopithecus e Kenyanthropus. O gênero ao qual nossa espécie pertence, ou seja, o gênero Homo, surgiu apenas há 2,4 milhões de anos, sendo que os fósseis mais íntegros desses primeiros representantes do gênero são encontrados, apenas, a partir de 2,0 milhões de anos, tais como crânios completos de Homo habilis, Homo rudolfensis e Homo erectus.
Portanto, a maioria dos autores acredita que nosso gênero tenha surgido aí por volta de 2,5 milhões de anos, mas não mais que isso. Ocorre que, em 2013, foi encontrada em Ledi-Geraru, na região do Afar, Etiópia, uma mandíbula, conhecida como LD 350-1 que pode revolucionar esse quadro. Ela foi datada em 2,8 milhões de anos e de acordo com seus descobridores trata-se de uma mandíbula do gênero Homo, mas sem espécie ainda definida. Seria um representante mais antigo de Homo habilis? Ou uma espécie nova do gênero?
A classificação da mandíbula LD 350-1 não é, todavia, fácil de ser feita, nem apresenta consenso entre os especialistas. Muitos autores discordam dos seus descobridores, que a atribuem ao gênero Homo. Isso porque a mandíbula também apresenta traços primitivos, similares àqueles encontrados nos australopithecus, mais especificamente na espécie Australopithecus afarensis. Ocorre que os representantes mais recentes dessa espécie viveram por volta de 3,0 milhões de anos, portanto ela, em princípio, teria se extinguido 200 mil anos antes da mandíbula de Ledi-Geraru.
O que fazer então com a mandíbula LD 350-1? A resposta não é fácil. Nosso grupo de pesquisa está se debruçando sobre o assunto, mas até agora não chegamos a uma resposta definitiva, se é que algum dia chegaremos. Talvez a posição mais parcimoniosa seja interpretá-la como pertencente a uma espécie transicional entre o gênero Australopithecus e o gênero Homo, até que novos hominínios fósseis sejam encontrados nos mesmos estratos geológicos da região. Complica o quadro, o fato de Ledi-Geraru ser o único fóssil de nossa linhagem existente entre 3,0 e 2,4 milhões de anos. Qualquer coisa que venha a ser encontrada nesse intervalo de tempo no leste da África será mais que bem vinda.
Assumindo-se que LD 350-1 representa uma espécie transicional entre os australopithecus e os humanos, que forças seletivas teriam promovido essa transição? A grande diferença entre esses dois grupos é principalmente o tamanho do aparelho mastigador (maxilar e mandíbula) e o tamanho dos dentes. Os Homo apresentam uma redução significativa de tamanho de ambos os componentes, quando comparados aos australopithecus.
Muitos autores associam a origem dos Homo ao surgimento das primeiras ferramentas de pedra lascada, que teriam promovido maior acesso à carne, muito menos fibrosa que os vegetais e que, portanto, teria relaxado a pressão sobre mastigação pesada. Esse relaxamento teria levado a um aparelho mastigador menor e a dentes também menores.
O problema é precisar quando surgiram as primeiras ferramentas de pedra lascada no registro arqueológico. Em princípio, elas teriam surgido por volta de 2,6 milhões de anos, portanto 200 mil anos após a mandíbula de Ledi-Geraru. Entretanto, pesquisas recentes efetuadas no Quênia sugerem que essas ferramentas podem ter surgido muito antes, por volta de 3,3 milhões de anos. Mas, novamente, não há um consenso sobre se se trata mesmo de lascamento humano ou de lascamento fortuito efetuado pela natureza. Como as primeiras ferramentas de pedra lascada são muito simples e toscas, às vezes é muito difícil diferenciar entre as duas coisas.
Em síntese, é primordial avançar nas pesquisas no leste da África em estratos geológicos datados entre 3,0 e 2,5 milhões de anos, tanto para se encontrarem novos hominínios fósseis, quanto para desvendar a questão das primeiras ferramentas.