Desde o Consenso de Washington, com pequenos e raros interregnos, o país é vítima das restrições aos investimentos e, por isso, não sai da estagnação econômica
Durante os debates sobre a PEC da Transição, enviada pelo governo Lula ao Congresso Nacional para viabilizar o combate à fome, o que mais se ouviu de parte dos que se posicionaram contra a sua aprovação foram defesas enfáticas da permanência do teto de gastos na Constituição e ameaças de que a sua retirada significaria a volta da inflação, a elevação dos juros e um desastre para o país.
Precisou que um dos parlamentares presentes lembrasse aos bolsonaristas que o Brasil já tem a maior taxa de juros reais do mundo, mesmo estando este mecanismo de arrocho fiscal na Constituição desde 2016. E mais, que o Brasil é o único país do mundo a colocar na Constituição a política que impõe restrições orçamentárias aos investimentos. Todos os demais países do mundo regulamentam seu arcabouço fiscal em legislação infraconstitucional.
COMBATE À FOME
A autorização para as despesas extras da PEC para o combate à fome não seria motivo de tanta discussão não fosse a trava imposta pelo chamado “teto de gastos”, instituído pela Emenda Constitucional 95 desde 2016. Tal limitação, restrita para gastos e investimentos sociais e gastos com a estrutura do Estado, deixa de fora do teto os gastos com a chamada dívida pública, justamente onde se localiza o grande rombo das contas públicas.
“A chamada dívida pública é justamente onde se localiza o grande rombo das contas públicas”
Antes de entrar nos detalhes sobre as características nefastas deste instrumento fiscal, que está com os dias contados, já que a PEC determinou ao novo governo que envie ao Congresso até agosto de 2023, uma nova lei complementar sobre o tema, lembremos que o arrocho fiscal já vem desde muito antes do teto, mais precisamente desde o chamado Consenso de Washington de 1989.
A “ditadura fiscalista” foi um dos principais mecanismos usados pelo imperialismo para impor sua política rentista, de restrições sociais e de desenvolvimento aos países emergentes. O rentismo parasitário e a compra de ativos, enfaticamente preconizados pelo “Consenso de Washington”, foram os principais instrumentos da transferência de recursos da periferia para os centros financeiros do planeta. Foi também o que, em 2008, levou o mundo à maior crise econômica e financeira desde 1929.
O Brasil se mantém em estado crônico de estagnação econômica desde que iniciou a sua submissão a estes ditames forâneos que tiraram do Estado a sua capacidade – necessária, principalmente em países dependentes – de planejar, induzir e puxar o desenvolvimento nacional.
TRIPÉ MACROECONÔMICO
O primeiro desses ditames foi o chamado “tripé macroeconômico”, imposto em 1999, e que, com o câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, engessou a economia brasileira. Suas metas reais consistiam em subir juros, vender títulos e cortar gastos e investimentos para garantir a remuneração desses títulos. O câmbio flutuante serviu para atrair compradores para as nossas estatais, vendidas na bacia das almas.
Em seguida, no ano de 2000, implantou-se a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal” que se utilizou de um nome pomposo mas tinha, na realidade, como objetivo central restringir ainda mais os investimentos públicos e garantir mais recursos públicos para alimentar a ciranda financeira.
Desde então, excetuados alguns raros momentos em que o país, através, principalmente, de suas estatais, conseguiu levar adiante alguns projetos de investimento, os recursos destinados ao desenvolvimento do país vêm sendo reduzidos cada vez mais e chegam hoje aos níveis mais baixos da história. A taxa de investimento do Brasil prevista para 2022 é de 18,4% do PIB, nível muito abaixo do pico de 26,9% em 1989.
O teto de gastos, de 2016, significou apenas uma radicalização desta política restritiva. O governo Temer, com sua “ponte para abismo”, impôs um limite absurdo para os gastos sociais e os investimentos públicos e deixou completamente livre os gastos do governo com os juros e a rolagem da dívida pública. O resultado e os números falaram por si mesmos. O país está gastando por ano mais de meio trilhão de reais só para pagamento de juros da dívida.
TETO DE GASTOS RADICALIZOU RESTRIÇÕES
Dos R$ 5,3 trilhões previstos de receita no Orçamento proposto para o ano de 2023, os gastos com o refinanciamento da dívida consumirão R$ 3,33 trilhões, ou seja, 66% dos recursos orçamentários. Só de juros são previstos gastos de R$ 700 bilhões para 2022 e, com a Selic mantida nas alturas, podem chegar a R$ 800 bilhões em 2023.
Enquanto isso, o teto de gastos impõe para todo o restante da sociedade, leia-se para a Saúde, a Educação, a Ciência e Tecnologia, a Segurança, etc, o valor máximo de R$ 1,8 trilhão, ou seja, 33% do Orçamento Geral da União. É um estrangulamento geral do país em prol do rentismo.
“Só de juros são previstos gastos de R$ 700 bilhões para 2022 e, com a Selic mantida nas alturas, podem chegar a R$ 800 bilhões em 2023”
O que se conseguiu na realidade, com toda a discussão da PEC da Transição, foi retirar do teto de gastos o valor de R$ 145 bilhões que serão destinados ao combate emergencial da fome.
Obteve-se, também, com ela, a liberação de eventuais excessos de arrecadação, no limite de R$ 23 bilhões, para serem usados em investimentos. Esse é, sem dúvida, um montante que, apesar de reduzido, pode ajudar nos primeiros passos da retomada dos investimentos. Somado a eles, os R$ 24 bilhões de PIS/Pasep esquecidos nos bancos, também poderão ser importantes nessa retomada inicial do crescimento.
DESTRUIÇÃO DA INDÚSTRIA NACIONAL
O certo é que, para tirar definitivamente o país da camisa de força que vem destruindo a indústria brasileira, esterilizando a renda nacional e empobrecendo os brasileiros, o novo governo precisará romper com essas amarras fiscalistas que, desde o final dos anos 90 do século passado, vêm restringindo os investimentos públicos.
A retomada dos investimentos e a elevação do poder de compra dos salários são dois pilares fundamentais para que o país retome o seu rumo desenvolvimentista. Os investimentos do Estado são decisivos para atrair os investimentos privados e garantir o desenvolvimento nacional e o bem estar da população, teses defendidas enfaticamente por Lula durante sua campanha eleitoral.
“A retomada dos investimentos e a elevação do poder de compra dos salários são dois pilares fundamentais para que o país retome o seu rumo desenvolvimentista”
Qualquer novo arcabouço fiscal que venha a ser elaborado no país deverá levar em consideração a possibilidade da retomada dos investimentos públicos e o aumento real dos salários. A não observância destes quesitos no novo arcabouço fiscal em elaboração colocará em risco a tão desejada retomada do crescimento econômico e a melhoria da vida dos brasileiros, duas ideias defendidas energicamente por Lula na campanha que o elegeu para um novo mandato.
SÉRGIO CRUZ