CARLOS LOPES
Em outro trabalho, registramos como o discurso de Foucault (pois, nesse caso, é difícil falar em “obra”), quando apareceu no Brasil, era tratado como pertencente ao campo da “esquerda”. Por mais que essa expressão seja imprecisa – ou, até, signifique pouco para a maioria das pessoas -, seu sentido, nesse caso, era claro: esse discurso era identificado como portador de um conteúdo progressista.
Por mais que houvesse dúvidas a respeito (por exemplo, em relação à teoria exposta em “As Palavras e as Coisas”, onde as configurações ideológicas – “epistemes”, na expressão de Foucault – se sucedem sem que haja ligação – explicação de mudança – entre uma e outra; ou em relação à sua abordagem em “História da Loucura na Idade Clássica”, onde a doença mental é criada pelo conceito de doença mental de Pinel e outros pensadores iluministas), essa falsa localização ideológica da obra de Foucault permaneceu durante anos – ainda que, muitas vezes, como uma espécie de sombra, dessas que contornam algumas letras em um anúncio publicitário (para essas questões, v. nosso trabalho “O manicômio antimanicomial e o espírito de Juliano Moreira”).
Poderia se pensar que tal equívoco se deu, no Brasil, devido à existência de uma ditadura sobre o país, no período 1964-1985.
Mas não é verdade. Primeiro, porque isso aconteceu em outros países do mundo – inclusive em sua origem, na França.
Segundo, porque a ditadura nunca impediu alguém de pensar. E não houve restrição alguma a que Foucault fizesse o seu discurso, em várias conferências no Brasil – sob a ditadura. Talvez, se ele fosse marxista… Lembro bem de uma dessas conferências, diante de uma plateia embasbacada, em que Foucault disse o que quis e entendeu que deveria dizer – e seu assunto era o sistema prisional, o discurso de um livro que acabara de lançar: “Vigiar e Punir: nascimento da prisão”.
Foucault, aliás, se adaptou muito bem à ditadura – que, por sua vez, sabia melhor do que a intelectualidade que se extasiava com o seu discurso, quem ele era, como mostram os relatórios do SNI sobre suas visitas ao Brasil, onde se insiste que ele “pertence à corrente anti-marxista”, “não é comunista”, etc. (cf. o artigo de uma foucaultiana, que estranha esses relatórios do SNI que sempre “inocentam” Foucault: Heliana de Barros Conde Rodrigues, “Um Foucault desconhecido? Viagem ao Norte-Nordeste brasileiro em tempos (ainda) sombrios”, História Oral, v. 15, nº 2, jul.-dez. 2012, pp. 152-153).
Alguns idólatras – não há como usar outra palavra – de Foucault, inclusive a que acabamos de citar, levantaram, posteriormente, que ele suspendeu seu curso na USP, após o assassinato de Vladimir Herzog, como prova de sua não-compactuação com a ditadura, em suas viagens ao Brasil.
Não foi uma grande façanha. Até o general Geisel, que era presidente, ficou incomodado com o assassinato de Herzog (a instauração do inquérito sobre esse crime foi uma decisão de Geisel, contra o então ministro do Exército, Sílvio Frota, e o comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Mello).
Além disso, após o assassinato de Herzog, a USP entrou em greve – o que fazia difícil a continuação do curso de Foucault. Este, por sinal, esteve no Brasil por mais 18 dias após o assassinato de Herzog, proferindo conferências e dando entrevistas, sem que fosse incomodado.
SEM ESTRUTURAS
O que mais chama atenção, externamente, nos adeptos de Foucault, é que eles constituem uma religião – mais propriamente, uma seita das mais fanáticas, ou, para usar um termo mais à moda, das mais fundamentalistas.
Não existe discussão possível com os foucaultianos, sobretudo porque seu discurso é arbitrário, não depende de qualquer teste de realidade, ou seja, de provas, exceto alguma coisa ou outra pinçada para, supostamente, confirmar sua crença – seu discurso apriorístico.
Nessa religião, qualquer coisa em relação a Foucault não pode ser questionada – sob o risco de provocar ataques histéricos, furores e descarregos furibundos.
Que esse culto tenha tomado os departamentos de “humanas” das universidades, a começar pela Sorbonne, é uma característica específica de uma época em que o capitalismo monopolista nada tem a oferecer, senão mediocridade, miséria e misticismo de baixa qualidade.
Logo, não há surpresa na adesão de Foucault ao neoliberalismo – pode-se mesmo dizer, do ponto de vista puramente ideológico, que o discurso foucaultiano é uma embalagem “filosófica” do neoliberalismo.
Com certeza, do ponto de vista histórico, o discurso de Foucault não foi uma construção, desde o início, dentro do neoliberalismo. Mas as premissas sociais e econômicas de um e de outro são as mesmas – daí sua confluência final – assim como sua amoralidade.
(Sobre a adesão de Foucault ao neoliberalismo, cf. Michel Foucault, Naissance de la Biopolitique – Cours au Collège de France 1978-1979, Seuil/Gallimard, 2004, p. 224 e segs; essas aulas não são notáveis apenas pelo nauseante servilismo em relação ao establishment norte-americano; são, também, notáveis pela ignorância que o autor revela sobre a história do imperialismo, com seu “método” de pinçar apenas o que interessa ao seu discurso – e, sistematicamente, deformando o objeto desse pinçamento.)
Como esse discurso foi considerado “de esquerda”, não apenas aqui, é, precisamente, o nosso tema.
Mas é forçoso – e justo – reconhecer que nem todos se enganaram com o discurso de Foucault.
Por exemplo, escreveu um historiador brasileiro:
“… o ‘estruturalismo sem estruturas’ (expressão de Piaget para referir-se a Foucault) … é uma corrente idealista altamente reacionária, resultante do exagero extremo de elementos já presentes em Lévi-Strauss, Althusser ou Lacan. O sistema de Foucault, seu ‘método arqueológico’, são simplesmente mais uma tentativa de negar certos princípios básicos, não somente do marxismo, mas de qualquer visão racionalista da História e da sociedade: totalidade do sócio-histórico, cognoscibilidade desta totalidade, humanismo” (cf. Ciro Flamarion Cardoso, Ensaios Racionalistas, Campus, 1988, p. 79).
Quando publicamos, em 2016, o trabalho que citamos acima, não havíamos lido, ainda, o livro de Ciro Flamarion Cardoso, apesar de publicado em 1988 – 25 anos antes do falecimento do historiador, em 2013. Porém, a análise da “teoria da história” (ou coisa parecida) de Foucault é, como seria inevitável, basicamente a mesma. Diz Ciro Flamarion Cardoso:
“No centro das concepções do Autor (…) está a noção de epistemes (campos epistemológicos) que se sucedem no tempo, as quais constituem configurações que, segundo Foucault, mais do que uma história do saber, constituem sua ‘arqueologia’. A ‘episteme’ do Renascimento baseava o saber na semelhança entre as palavras e as coisas; a dos séculos XVII e XVIII dava ênfase à teoria da representação, à classificação generalizada, garantida pela linguagem ou discurso; o século XIX caracterizava-se por ser a fase do ingresso do homem no campo do saber ocidental, numa posição ambígua (como sujeito e como objeto concomitantemente); e a episteme atual, basicamente anti-antropológica e anti-humanista, é ‘formalista’. Nesta perspectiva, os códigos e mensagens de todo tipo que têm vigência em cada época dependeriam da respectiva episteme, que os organizaria na sua totalidade.
“Para o Autor, cada período admite uma única episteme. Disto resulta, em seus escritos, um notável trabalho de simplificação, mas também de falsificação e desfiguração de muitas correntes intelectuais (além do que se permite ignorar outras), no intuito de preservar a aparente homogeneidade de algo que é na verdade profundamente heterogêneo, contraditório, conflitivo, estruturado em múltiplos níveis.
“Um segundo problema consiste em saber como se passa de uma episteme para a seguinte. Sendo a História, para Foucault, mera ‘doxologia’ (isto é, uma ‘opinião’ desprovida de base científica), não se pode esperar explicar a sucessão das epistemes partindo de suas relações com os diversos níveis do social, com a práxis concreta dos homens; nem partindo de desenvolvimentos anteriores.
“De fato, os estádios do intelecto, segundo Foucault, para imitar uma expressão de Sartre, se sucedem como numa projeção de diapositivos, e não como num filme de cinema. Ele registra a sucessão de ‘momentos’ imóveis da organização dos códigos sociais, do saber: mas se lhe pedíssemos para explicar por que se sucedem as epistemes, a única resposta possível seria que a mutação é um ‘acontecimento um tanto enigmático’, um ‘acontecimento subterrâneo’. Tem de ser, sem dúvida, já que foram jogados pela janela todos os elementos de uma possível explicação…” (Ciro Flamarion Cardoso, op. cit., p. 79; no original, este trecho, assim como a citação mais abaixo, pertencem ao mesmo parágrafo; aqui, dividimos em quatro parágrafos, para facilitar a compreensão, sobretudo considerando a publicação em jornal).
“Mutação epistemológica” é como Foucault chama a passagem misteriosa de uma episteme (configuração ideológica) para outra. O recurso ao termo “mutação”, expõe a falta de explicação para essa passagem de uma configuração para outra.
Aqui, o historiador acrescenta um exemplo bastante importante, porque se trata de uma conduta que é reiterativa, nos foucaultianos:
“… esta atitude é seguida fielmente pelos discípulos de Foucault: as muitas obras já existentes de ‘História da sexualidade’ constatam muito mais do que explicam. E Paul Veyne, numa entrevista acerca de uma coleção que está sendo publicada, da qual dirigiu a parte relativa à Antiguidade, respondeu assim à pergunta sobre quais relações existiriam entre tal coleção e a História das Mentalidades (eu sublinho):
‘Se por História das Mentalidades entendermos uma História que deixou de tratar os problemas em termos de infra e superestrutura, então se trata de uma História das Mentalidades. Na medida em que se deixa de explicar tudo, é História das mentalidades — tudo é arbítrio histórico’.” (idem, pp. 79-80, grifo no original).
MICRO
Foucault e seus acólitos não estão interessados em explicar nada – nem em compreender. Não querem investigar as causas (“explicação”) seja lá do que for, ou em inserir determinado acontecimento em uma cadeia de relações reais, ainda que sem explicação causal (“compreensão”).
Seu negócio (bastante rentável) é comprazer-se com o próprio discurso, conformista e reacionário – voltado, em especial, contra a tradição iluminista, não somente a do século XVIII, mas contra os seus maiores expoentes posteriores, Karl Marx e Sigmund Freud.
Quanto à sua “micro-contestação” (uma “microfísica do poder”, para usar o título de um livro de entrevistas de Foucault, só pode redundar, no máximo, em uma “micro-contestação”), ela é inteiramente absorvível pelo neoliberalismo vigente, até porque está voltada, no final das contas, contra o que é público (por exemplo, no Brasil, os neoliberais que estavam no poder – Fernando Henrique et caterva – ficaram muito satisfeitos em deixar de gastar dinheiro com a área de saúde mental; um projeto, por sinal, oriundo do PT).
Aliás, esse livro de entrevistas (“Microfísica do Poder”) é altamente revelador, não somente do anticomunismo de Foucault, mas da forma como ele apresenta seu reacionarismo sob uma embalagem “de esquerda”. Por exemplo:
“… me parece que, entre todas as condições que se deve reunir para não recomeçar a experiência soviética, para que o processo revolucionário não seja interrompido, uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados” (grifos nossos).
Ou seja, a condição para “que o processo revolucionário não seja interrompido” é ignorar o próprio centro de qualquer revolução: o Estado. Porque “o poder não está localizado no aparelho de Estado”.
A consequência, evidentemente, é abandonar qualquer luta real pelo poder e deixar o Estado para as classes reacionárias – de preferência, para os monopolistas financeiros. Enquanto isso, os “revolucionários” ocupam seu tempo lutando “contra o poder” na escola, na medicina, na família, etc.
Portanto, a condição para ser revolucionário é desistir da revolução.
A ojeriza à “experiência soviética” é, na verdade, uma ojeriza à revolução em geral – e a qualquer mudança que não seja cosmética, pois qualquer mudança real e importante, implica, hoje mais que nunca, na ação do Estado.
A “micro-contestação” que passa ao largo do Estado – ou seja, do problema da revolução (alguns outros pós-modernos, como Baudrillard, chegaram à conclusão que a revolução, nos dias de hoje, tornou-se impossível; Foucault, porém, é mais tortuoso) – é a mãe da “pauta identitária” de certos ramos da pseudo-esquerda: basta ser a favor da liberação das drogas, do homossexualismo (e outras “orientações sexuais” diferentes do heterossexualismo) e do aborto, para ser de “esquerda”.
Naturalmente, essa pauta em nada se choca com a do imperialismo – ou, por exemplo, com a pauta das novelas da Globo.
CONHECIMENTO
Porém, vejamos a questão do ponto de vista, como se diz, epistemológico (ou seja, do ponto de vista da teoria do conhecimento).
Alguns anos atrás, em uma exposição que fazíamos sobre a “Psicopatologia Geral”, de Karl Jaspers – uma obra clássica da psiquiatria, publicada em 1910 pelo futuro filósofo, que seria, na Alemanha, o opositor de Heidegger, quando este aderiu ao nazismo – houve a contestação de um foucaultiano, desses que possuem mestrado e doutorado em uma prestigiosa universidade paulista, com extensão na França.
Ele contestava duas coisas: 1) a existência de causas para os fenômenos; 2) que existisse a distinção entre aparência e essência.
A primeira dessas supostas polêmicas foi encerrada na segunda metade do século XVIII, na réplica de Kant a Hume.
A segunda, exceto alguns excêntricos ou habitantes do submundo dos espíritos decaídos, nem chegou a existir no mundo moderno, pois:
“… toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas” (Karl Marx, O Capital, Livro 3, trad. Reginaldo Sant’Anna, ed. Civ. Bras., vol. 6, p. 939).
No entanto, é exatamente à liquidação da ciência – e do conhecimento humano em geral – que conduz o discurso de Foucault e seus possuídos. Outra vez, é mais uma degeneração que uma regressão.
Para que existir ciência, se considerarmos que os fenômenos não têm causas ou que eles são imediatamente como se apresentam, com uma perfeita identidade entre sua aparência e sua essência?
Mas, se as coisas não têm causas, e se a sua essência é a sua aparência, o próprio pensamento racional torna-se dispensável.
Portanto, se isso fosse verdade, deixaria de existir a própria humanidade, o próprio conteúdo humano, pois o ser humano somente se constitui – somente se torna realmente humano – através do conhecimento e do desenvolvimento da sensibilidade legados pelo trabalho, pela prática, que, nos humanos, é sempre social, é sempre coletiva.
Se a reflexão sobre a prática deixa de existir – pois essa reflexão é sempre uma busca de causas e de essências por trás das aparências – a ação especificamente humana (a “práxis”) deixa, também, de existir, portanto, é a humanização do ser humano que deixa de existir.
Poderia se concluir que essa é a origem do anti-humanismo de Foucault.
Pelo contrário: o anti-humanismo é, aqui, como em Nietzsche – herói de Foucault – a causa dessa abolição fantasmagórica da causa e da essência.
Obviamente, isso vai desaguar no niilismo ético e moral. A negação da práxis, do humano, necessariamente desemboca na negação da ética – não de uma ética específica, não de uma determinada ética de classe, mas em uma negação da ética em geral, necessária ao homem social, ao ser humano que vive em sociedade – e não existe outro modo de viver que seja viável ao ser humano – para que possa minimamente conviver com outros seres humanos:
“… um dos mais poderosos fatores que estão por trás do interesse atual por temáticas ligadas ao quotidiano, ao sexo, à família, às diferentes formas de infração às normas (variadas manifestações de ‘marginalidade’) é a falência dos sistemas éticos tradicionais, que se consumou mais claramente e de maneira mais inelutável nesta segunda metade do século XX. (…) os pilares ideológicos em que, no mundo ocidental, assentavam-se os dois principais sistemas de valores éticos que definiam as formas adequadas, ou assim consideradas, do comportamento dos indivíduos para consigo mesmo, entre eles, e em relação à sociedade e à política – a ética cristã, por um lado, e a ética revolucionária (marxista), por outro, sofreram uma perda de credibilidade muito profunda; sem que, entretanto, fossem realmente substituídos por outros sistemas de referência. A crise resultante é facilmente constatável, hoje em dia, em todos os níveis do convívio social e em todos os países do Ocidente. O que não quer dizer, é óbvio, que no passado aqueles sistemas éticos de referência principais não sofressem ataques ou não fossem postos em dúvida: mas o grau de aceitação dos mesmos era forte o suficiente para que constituíssem pontos de referência de ampla aceitação” (Ciro Flamarion Cardoso, op. cit., p. 109).
Sobre isso, o historiador brasileiro transcreve um trecho do francês Paul Veyne, um levita foucaultiano – um daqueles sujeitos que conseguiu ir do Partido Comunista até o grupo ultrarreacionário de Raymond Aron, e, daí, para a capela de Foucault:
“… Paul Veyne tem razão ao constatar, por trás do projeto de Michel Foucault ou do interesse atual pelo quotidiano em todos os seus aspectos, a busca da formulação do que ele chama de uma moral pós-cristã, que ‘toma corpo a partir de 1968’. É notável, outrossim, que ele o diga de um modo transparente, que permite em parte entrever, no caso francês, o caráter reacionário, direitista, da corrente em que, a respeito, se insere o seu próprio trabalho:
A ideia de vida privada já estava evidenciada, até certo ponto, na conjuntura dos anos 1980, e isto por três razões: para começar, a desagregação da paixão pela política; também pelo cansaço que se sente diante de uma direita e de uma esquerda que se caracterizam pela pouca criatividade; e finalmente, por uma certa nostalgia de direita pela família no sentido de trabalho-famlia-pátria e de uma visão Orleanista que, concedendo maior importância aos notáveis do que às autoridades políticas, desejaria confiar aos primeiros o governo.
Mas a ideia de vida privada achou também o seu sentido nesta espécie de ‘pulsão’ de que Michel Foucault é o melhor representante, ideia que vai no sentido do descobrimento de uma moral. Para exprimi-lo com a força que merece, eu diria que vivemos pela primeira vez, há pouco tempo, uma ‘idade pós-cristã’. (…)
As pessoas buscam desesperadamente, não ter uma moral — que de fato praticam —, e sim, precisá-la em sua cabeça, formulá-la por si mesmas.”
O comentário de Ciro Flamarion Cardoso sobre essa profissão de fé foucaultiana é, a meu ver, ainda mais exato hoje do que quando ele o escreveu, há 30 anos:
“Duvido, porém, que seja justificado este seu sentimento de que uma nova moral já exista, no sentido de que já esteja sendo praticada: parece-me que o que as práticas revelam, hoje em dia, a esse nível, é uma tremenda perplexidade, a ausência de sistemas de referência, entre os destroços ainda sobreviventes das éticas tradicionais e a ausência de uma ética nova claramente formulada (ou mais de uma). Pode um sistema ético não formulado de fato organizar com coerência os comportamentos?” (idem, pp. 109-110).
(CONTINUA)