Os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, donos da 3G, controladora da Americanas, esconderam um rombo de R$ 20 bilhões no balanço da empresa. Prejuízos podem chegar a R$ 40 bilhões
A Americanas, empresa controlada pelos três homens mais ricos do Brasil, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, sócios do 3G Capital, acaba de anunciar que foi pega numa fraude contábil ao esconder um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço. O rombo, somado às dívidas da empresa, pode chegar a R$ 40 bilhões. Os papéis da companhia apresentaram desvalorização de mais de 90% desde a revelação do rombo.
PASSIVOS OCULTOS
Os donos da Americanas esconderam passivos equivalentes à metade do seu patrimônio. É o maior escândalo do mercado de capitais brasileiro. O rombo é arrasador para os defensores das privatizações de empresas públicas com o argumento de que o mundo das empresas privadas é mais transparente e seguro do que as empresas públicas.
A maracutaia se deu através da ocultação pela empresa das operações em que ela se beneficia de financiamento com um banco para a compra de material de fornecedores. O banco antecipa os recursos para o fornecedor. Na sequência, a varejista quita a dívida com a instituição financeira pagando juros pelo prazo do empréstimo. Essas operações foram cuidadosamente mantidas fora do balanço.
Compras em valores da ordem de R$ 20 bilhões, nas quais a empresa é devedora perante instituições financeiras, não foram encontradas na conta fornecedores nas demonstrações financeiras de 30 de setembro do ano passado. Esse é o famoso calote, que, caso fosse dado por um trabalhador, ele já estaria devidamente enquadrado, cercado pelos credores e respondendo nos tribunais.
CRONOLOGIA
Em agosto, a Americanas anunciou que o banqueiro Sergio Rial assumiria o comando da empresa a partir de janeiro. O nome do executivo atraiu investidores que apostavam suas fichas para que, durante a nova gestão, a companhia pudesse dar uma guinada nos negócios.
Mas, Sergio Rial anunciou o rombo na noite de quarta-feira (11) e, em seguida, renunciou ao cargo apenas nove dias depois de assumir. Numa decisão no mínimo suspeita o banqueiro passou a trabalhar como assessor do trio de controladores da Americanas, os bilionários da 3G Capital, que são os responsáveis, em última instância, pelo rombo.
A Associação Brasileira de Investidores (Abradin), que entrou com uma denúncia na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), afirmou também que não entende como um rombo desse porte possa ter passado desapercebido pela empresa americana de auditoria PWC (PricewaterhouseCoopers), que atestou os balanços da Americanas.
Aurélio Valporto, presidente da entidade, alertou também para a possibilidade de que especuladores possam ter obtido informações sigilosas e terem ganho com a queda das ações da empresa, assim que o rombo foi revelado. Ele disse que isso deve estar no rol das investigações.
DONOS CALADOS
Portadores de ações da empresa começaram a cobrar que a empresa passe por uma capitalização. Isso poderia ser feito por meio de uma oferta subsequente de ações com garantia de compra dos papéis a ser dada pelo trio da 3G, que tem fatia de 31,13% no negócio. A questão é definir qual seria o tamanho do aporte considerado satisfatório para acionistas e credores.
Na sexta-feira (13), os credores da Americanas se reuniram com a direção da empresa para cobrar explicações e providências. Eles estavam indignados com a falta de disposição dos principais acionistas da varejista em anunciar uma capitalização na empresa. O BTG, um dos credores, tentou antecipar R$ 1,9 bilhão a receber da companhia, precipitando o pedido de proteção da Americanas.
A empresa mais que depressa sacou o recurso que tinha à mão: entrou na noite da sexta (13) com pedido de tutela de urgência cautelar junto à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Com isso, a companhia consegue impedir que seus ativos sejam bloqueados a pedido de credores. Na prática, a Americanas prepara um pedido de recuperação judicial, iniciativa que pode ser tomada dentro de 30 dias, de acordo com a decisão da Justiça.
Nos argumentos apresentados à Justiça, a Americanas afirma que as “inconsistências contábeis” poderiam alterar seu grau de endividamento e acarretar o vencimento antecipado de R$ 40 bilhões em dívidas.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A decisão cautelar obtida obrigou o BTG a estornar à Americanas R$ 1,2 bilhão. Ou seja, além de blindar a empresa de execuções antecipadas de dívida após a decisão, ela fez com que vencimentos antecipados e compensações feitas a partir do dia 11, quando a empresa informou sobre as inconsistências contábeis, fossem devolvidos.
No pedido apresentado ao Tribunal de Justiça do Rio, a Americanas afirma contar com 146 mil acionistas e mais de cem mil empregos diretos e indiretos. Ao fim do período de proteção dado pela Justiça, a empresa tem a opção de entrar com um pedido de recuperação judicial ou a decisão perde a eficácia.
A empresa nega a intenção de entrar com pedido de recuperação judicial. Caso não se mostre viável chegar a um acordo, o caminho deverá ser a recuperação judicial ou extrajudicial. Se optar pela recuperação judicial, a empresa terá execuções de dívidas suspensas por mais tempo. Os caloteiros bilionários não parecem dispostos a botar a mão no bolso para ressarcir os investidores que acreditaram neles.