
Altamiro Perdoná, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário (CONTRICOM), em entrevista exclusiva ao HP, afirmou que “a prioridade dos trabalhadores, tanto aqueles que representamos, como os das demais categorias, é, sem dúvida alguma, o estabelecimento de uma política de valorização dos salários, que passa, primeiramente, pelo salário mínimo, que ainda remunera milhões e é referência para outros tantos milhões de aposentados e pensionistas”.
“Sem a recuperação na renda dos brasileiros, corroída nesses últimos anos, não haverá a retomada do consumo e da economia nacional”, disse o dirigente sindical, que acrescentou: “o movimento sindical deve estar unido em torno dessa bandeira, pois dela depende também a recuperação dos empregos que foram perdidos nas últimas décadas”.
Ao analisar a situação dos trabalhadores de sua base de representação, Altamiro lembrou que “tanto a indústria da construção, como os demais segmentos derivados dela, não interrompeu suas atividades, mesmo durante os mais de dois anos de pandemia, e, hoje, continuam exibindo importante desempenho econômico, no entanto, nossos sindicatos e federações continuam encontrando muita resistência nas negociações salariais”.
Perguntado sobre tais resistências, respondeu: “Resistência em garantir aumentos reais de salário e novas conquistas nas convenções coletivas, assim como reconhecer o papel dos sindicatos nessas negociações, permitindo o financiamento sindical”. E apresentou a causa dos problemas: “A perversa reforma trabalhista de 2017, um verdadeiro engodo, pois diziam que geraria milhões de empregos e não gerou, servindo, apenas, para retirar direitos, precarizar as relações de trabalho e esvaziar política e materialmente as entidades profissionais”.
COMBATE AOS CONTRATOS PRECÁRIOS DE TRABALHO
“Hoje, em nosso setor, enfrentamos a triste realidade herdada por essa reforma, que foi uma contrarreforma, com os contratos intermitentes e todo tipo de contrato precário. Muitos trabalhadores ficam à disposição da empresa, trabalham poucas horas por mês ou sequer trabalham, ganham uma ninharia e são considerados empregados, um verdadeiro absurdo”, denunciou.
E assinalou que “em outras situações, os empregados não são empregados, são contratados como empreendedores, ou seja, patrões de si mesmos, para que a empresa se livre dos encargos sociais, e esse trabalhador, por conta da grave crise que o país atravessa, acaba se submetendo a isso e fica sem FGTS e sem aposentadoria, uma lástima. O mais grave – continuou – é que promoveram esse retrocesso e, paralelamente, promoveram um verdadeiro desmonte na fiscalização do Trabalho que deve ser exercida pelas superintendências regionais e esvaziaram a Justiça do Trabalho com a imposição das custas ao trabalhador em caso de perda da causa trabalhista”.
“A estratégia dos que implantaram a reforma de 2017 foi muito clara e perversa: sobrepor os interesses do capital, principalmente do grande capital, aos interesses dos que vivem do seu trabalho. Milhões de trabalhadores foram empurrados para um sistema escravagista ou semi-escravagista, perderam abruptamente a renda e a relação capital/trabalho sofreu um desiquilíbrio monumental. É essa lógica que querem continuar impondo aos trabalhadores e é isso que precisamos reverter”, argumentou o dirigente.
O presidente da CONTRICOM disse acreditar “nas intenções e disposição do presidente Lula de mudar esse quadro, até pela sua origem de trabalhador e sindicalista”, destacando que “as recentes entrevistas do presidente sobre a necessidade do Estado olhar os que mais precisam, dos trabalhadores de baixa renda, dos aposentados, pois, ao valorizá-lo, o governo estimulará a economia, inclusive as regionais e das cidades pequenas que dependem dessas rendas para desenvolver o comércio local, etc.”
Altamiro fez alusão ao apoio “entusiástico” à candidatura de Lula no segundo turno das eleições presidenciais, pelo que representava “na defesa da democracia e contra o projeto trágico de Bolsonaro, demonstrado na pandemia e na política econômica”.
Ele lembrou também das recentes declarações de Lula sobre o chamado “mercado” e os “gastos governamentais”: “O presidente Lula está muito consciente do papel do Estado e dos investimentos públicos, que não são gastos e sim investimento, como saúde, educação, moradia, saneamento, e isso é muito importante para nós, trabalhadores, pois vai significar mais emprego, mais renda e crescimento econômico”.
“Os que vivem de renda e dos juros altos patrocinados pelo último governo, como os bancos, não tem qualquer sensibilidade com essa triste realidade deixada por Bolsonaro, Guedes, Temer, entre outros. Eles querem ganhar cada vez mais às custas da miséria do trabalhador e do povo. E isso tem que ter um freio e só o governo pode colocar esse freio. Estamos apostando muito na sensibilidade e no equilíbrio do presidente Lula e de seu governo para mudar o rumo da política econômica e colocar a prioridade no país e nos seus trabalhadores”, continuou Altamiro.
RECUPERAÇÃO, JÁ, DO PODER REAL DOS SALÁRIOS E COMBATE AO TRABALHO PRECÁRIO
Para ele, “a primeira e imediata medida deve ser o maior aumento possível do salário mínimo, pois, a partir daí, passaremos a ter uma referência e isso vai servir de estímulo para melhorar o resultado de nossas negociações salariais mesmo naqueles níveis acima do mínimo, isso terá efeito cascata”.
Altamiro destacou uma experiência, segundo ele, “amplamente exitosa”, do movimento sindical de Santa Catarina, cujas entidades que representam os trabalhadores de mais baixa renda negociam todos os anos com as respectivas entidades patronais o piso regional dessas categorias. “E o mais importante nisso tudo é que isso está previsto em lei, que deve ser obedecida anualmente a partir de mensagem que o governador encaminha à Assembleia Legislativa do Estado, após as negociações entre as partes”, explicou, salientando que “há anos, conseguimos sempre ficar entre 8% e 10% acima do piso mínimo nacional”.
O sindicalista falou também de outros desafios do movimento sindical e dos trabalhadores: “Em outro momento, teremos que discutir, como já discutimos no setor da moradia, a retomada dos investimentos públicos em habitação, saneamento e outras de infraestrutura”. Ele lembrou que o presidente Lula falou em retomar 14 mil obras paralisadas durante o governo anterior: “Isso, para nós da construção e demais categorias, é muito importante, pois vai representar a geração de empregos, de renda e de fomento às economias regionais e nacional”.
Mas, acrescentou, que “essa discussão deve ser feita de modo a não privilegiar alguns grupos econômicos que, na área da moradia popular, por exemplo, como no programa Minha Casa, Minha Vida, com o aval do governo, em suas linhas de financiamento, criaram verdadeiros monopólios, que, pela sua natureza, não valorizam os trabalhadores e menosprezam os seus direitos”, acrescentando que “o governo deve ter consciência dessa realidade e destinar os recursos de modo a garantir a concorrência e não a criação de monopólios”.
DEFESA DA UNICIDADE SINDICAL E RESGATE DOS SINDICATOS
Sobre uma possível reforma sindical, Altamiro considera que “embora essa não seja a prioridade do momento, é necessário que as diversas correntes sindicais do país, a começar pelas centrais e as confederações nacionais de trabalhadores, procurem encontrar um consenso sobre uma proposta que seja capaz de fortalecer a unidade sindical e não enfraquecê-la”.
“A CONTRICOM, por exemplo, defende o princípio da unicidade sindical, principalmente na base sindical, ou seja, nos sindicatos e, mesmo no plano das federações confederações, pois a realidade já demonstrou que a unidade é o instrumento mais eficiente para fortalecer a luta dos trabalhadores nas negociações coletivas. A unicidade fortalece a consciência de classe que os sindicatos laborais e os trabalhadores não podem perder, principalmente numa época em que tentam nos vender a falsa ideia de que o trabalhador, no sistema capitalista, pode virar patrão de si mesmo, e aí estimulam essa precarização, uberização dos trabalhadores sem limites, e são esses trabalhadores os primeiros a virarem miseráveis”, argumentou Altamiro.
E deu um exemplo, que, segundo ele, não contribui para a luta sindical: “recentemente, nós, da CONTRICOM, nos deparamos com um edital de convocação de uma assembleia para a fundação de uma outra confederação do mesmo setor, em Campo Grande, às vésperas do Natal, ou seja, ao invés dos responsáveis por essa convocação virem para dentro da CONTRICOM, preferiram fazer um movimento divisionista, que só foi abortado porque as federações representadas pela nossa Confederação marcaram presença na tal assembleia e demonstraram o interesse da maioria”.
“Acho que esse tipo de prática tem que acabar. Eu sei que nos últimos tempos essas coisas aconteceram muito e prejudicaram também muito o movimento sindical e os trabalhadores, pois são práticas que acabam favorecendo o setor patronal, mas temos que, pouco a pouco, discutir essas questões e mostrar que a unidade ainda é o melhor caminho. No caso das centrais, no Brasil, por razões históricas, as coisas caminharam numa outra direção, tudo bem, e, agora, temos que sempre buscar a unidade delas em torno das reivindicações mais importantes dos trabalhadores, como aconteceu na última CONCLAT, que foi muito importante”, acrescentou.
Altamiro afirmou, no entanto, que “existe uma questão mais urgente que tem que ser resolvida, que é o financiamento sindical, pois nossas entidades foram duramente atingidas pela reforma trabalhista que, em nome de uma suposta e falaciosa liberdade do trabalhador contribuir ou não com os sindicatos, esvaziou os cofres delas, enfraquecendo a sua luta, em favor, obviamente do segmento patronal, que continua se beneficiando as contribuições milionárias das empresas através do Sistema S. Temos que fazer, também, urgentemente, o resgate dos sindicatos e, consequentemente, de todo sistema confederativo”.
“Em Santa Catarina, por exemplo, eu recebi as chaves de vários sindicatos profissionais do nosso segmento que simplesmente fecharam as portas por absoluta impossibilidade de continuar atuando e representando os trabalhadores. Quem ganhou com essa política? É evidente que não foram os trabalhadores”, respondeu o dirigente, acrescentando que tem “a convicção de que o movimento sindical, através das centrais e das confederações, pode chegar a um entendimento sobre essa questão, sem necessidade de resgatar o antigo imposto sindical, mas, por exemplo, regulamentando a contribuição negocial definida em assembleia geral das categorias, estabelecendo limites nas cobranças, fixando a obrigatoriedade de repasse às entidades de nível superior – as federações, confederações e centrais – e permitindo a oposição dos trabalhadores nas assembleias. Isso é vital para que nossas entidades recuperem sua capacidade de lutar e de negociar pelos nossos representados”.
JOSÉ CALIXTO RAMOS
Altamiro Perdoná, que também é dirigente da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Santa Catarina (FETICOM-SC) e integrante do Movimento Trabalhista do PDT, fez questão, ao longo da entrevista, de lembrar “os ensinamentos do mestre José Calixto Ramos”, presidente da Nova Central e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), falecido durante a pandemia da Covid-19.
“Aprendemos muito com ele, desde o tempo em que tive a honra de dirigir o núcleo da construção civil no tempo em que nossa categoria era representada pela CNTI, e uma das principais lições foi a importância da unidade sindical do movimento sindical e dos trabalhadores para fortalecer a sua luta e suas reivindicações”.
Não por acaso, lembrou do busto de Getúlio Vargas que Calixto abrigava em sua sala na CNTI: “Ali, bastava você olhar para aquele busto para saber exatamente como Calixto agia e pensava”, finalizou Altamiro Perdoná.