(HP 11/05/2011)
A presidente Dilma anunciou que lançará ainda esta semana o programa “Brasil Sem Miséria”. Trata-se de um fato importante – e que corresponde a um compromisso de campanha, reafirmado no pronunciamento logo após a divulgação do resultado do primeiro turno: erradicar a miséria no Brasil.
No entanto, segundo a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, o limite para definir o alvo do programa será uma renda per capita de até R$ 70.
O economista Marcelo Neri, apontado como um dos responsáveis por esse limite, em sucessivos trabalhos, definiu um limite bem maior. Mas vamos, antes, definir o que é essa linha da miséria. Segundo Neri e a Fundação Getúlio Vargas, o limite da miséria é definido pelo rendimento necessário para garantir o consumo diário de uma cesta de alimentos correspondente a “2.288 calorias, nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”. Quem estiver abaixo disso, é considerado em situação de miséria. Note-se que é um limite bem estreito, mas aceitemo-lo, já que não temos outro.
Segundo Neri, em 2003 esse limite correspondia a R$ 108; em 2004, a R$ 115; em 2006, a R$ 121 (não encontramos, no trabalho de Neri do ano anterior, o valor correspondente a 2005); em 2007, a R$ 135 (outro trabalho, também da FGV, chegou, nesse mesmo ano, ao valor dr R$ 124,63); e para encurtar esse apanhado, em 2010 era de R$ 140.
Se esse valor era o suficiente para que um indivíduo consumisse as 2.288 calorias recomendadas pela OMS, como, agora, chegou-se a um valor que é a metade? A titular da Secretaria Extraordinária de Erradicação da Pobreza, Ana Fonseca, ao defender o valor de R$ 70, remeteu o problema à metodologia (“Ouvimos muitos pesquisadores e especialistas. As opiniões são muito variadas. Alguns chegam a trabalhar com 25 linhas de pobreza.”).
No entanto, o problema não é esse. Sucintamente, o problema é: qual a quantia necessária para que alguém consuma as 2.288 calorias diárias? Ou é R$ 140 ou R$ 70. Senão, seria necessário construir outra definição do limite da situação de miséria.
Em artigo escrito após o anúncio do limite de R$ 70 reais, Marcelo Neri, ao defendê-lo, reconhece que “de fato, a média da linha da FGV é pouco mais do que o dobro do valor oficial escolhido”. Então, por que ele defende esse valor de R$ 70, contra os seus próprios trabalhos anteriores? Meramente, em nome da economia do gasto público (“há uma hipersensibilidade do gasto público vis-à-vis a linha de pobreza traçada em torno de 500%. Isto é, se a linha dobrar, o custo mínimo da erradicação da pobreza é cinco vezes maior! Na linha da FGV, o custo mínimo seria de R$ 21,8 bilhões por ano a mais para chegar lá”).
Convenhamos, isso não é critério. O Estado brasileiro tem que gastar o que for necessário para resolver o problema – e não adaptar o problema a uma suposta “hipersensibilidade do gasto público”).
Por fim, a presidente Dilma Rousseff, em outubro de 2010, portanto, antes de ser eleita, em entrevista à revista Carta Capital, disse o seguinte:
“Miserável é quem tem renda de até um quarto do salário mínimo. Pobre é até meio salário mínimo. Em 2003, tínhamos um total de 77,8 milhões de pobres e passamos para 53 milhões no governo do presidente Lula. O contingente de miseráveis em 2003 era de 37,4 milhões e passou para 19,6 milhões. Então, a gente tem de buscar eliminar esses 19,6 milhões de miseráveis, mas acho que também temos de olhar os 24 milhões de pobres. (…) se você não colocar a meta clara e tornar isso um ponto político da pauta, passa batido. Erradicar a miséria está no centro da pauta do projeto de continuidade com avanço do governo Lula”.
Pelo menos quanto à miséria, o critério da nossa presidenta parecia mais correto.
C.L.