Nos dias que se sucederam ao comunicado de “fato relevante” anunciado pela Americanas em 11 de janeiro, dando conhecimento do rombo de mais de R$ 20 bilhões de dívidas vencidas e de outros R$ 23 bilhões de dívidas a vencer, uma névoa de suspeição de fraude aos credores esteve o tempo todo presente. O fato tornou-se ainda mais preocupante diante da aprovação da Recuperação Judicial (RJ) pela Justiça, em 19 de janeiro e da suspensão do mandato de seis diretores, na última sexta-feira (3).
O BTG Pactual classificou a divulgação de inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões no balanço financeiro da empresa como “a maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país” ao se manifestar um pouco antes da autorização da RJ.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) colocou os e-mails da varejista sob sigilo e autorizou o compartilhamento dessas informações com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A Justiça havia determinado o recolhimento das conversas digitais do alto escalão da companhia após um pedido do Bradesco.
No epicentro da crise, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, três dos homens mais ricos do Brasil, com suposto patrimônio de R$ 180 bilhões, controladores da 3G Capital, uma empresa brasileira-estadunidense de “private equity”, fundada em 2004, com sede em Nova York e quem detém o controle acionário da Americanas.
São aplicadores notabilizados pela operação através da qual juntaram-se Brahma e Antártica para a criação da Ambev em 1999, e alegam que, assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditaram firmemente que tudo estava absolutamente correto.
Elementos que estão vindo ao conhecimento do grande público vão dando consistência às evidências de fraude. Há quase unanimidade de opiniões de que a situação quase falimentar a que chegou a empresa acontece porque o expediente de postergar quitação de dívidas nas compras das mercadorias comercializadas pela varejista e fazer novas compras, numa administração temerária, chegou a uma dimensão que não poderia ser mais mantida.
Conseguindo esconder passivos equivalentes à metade do seu patrimônio, através de artifícios contábeis, chegou-se a um limite em que a manobra não tinha mais como ser escondida e os seguidos anos, especula-se em torno de oito anos, de sua realização não tinham mais condições se sustentarem.
Os donos da Americanas sacaram contra o futuro, mas os lucros não foram suficientes para cobrir os juros e a amortização do principal do capital tomado de terceiros.
O rápido e grande crescimento da Americanas, em mais de uma década, têm todas as possiblidades, também, ter se valido do esquema fraudulento, confirmando o velho ditado que “nem tudo que reluz é ouro”.
Logo após o comunicado relevante de 11 de janeiro, os portadores de ações da empresa começaram a cobrar que a companhia passasse por uma capitalização. Isso poderia ser feito por mecanismo de mercado de capitais pelo trio da 3G que tem fatia de 31,13% no negócio. A holding, no entanto, entrou com pedido de tutela de urgência cautelar, impedindo o resgate imediato de dívidas, obtendo-a junto à Justiça, até conseguir a RJ na sequência.
Eles estavam indignados com a falta de disposição dos principais acionistas da varejista em anunciar uma capitalização na empresa.
Agora, já em RJ, o patrimônio pessoal dos sócios pode responder por dívidas, se, no caso do rombo da Americanas, decorrer de atos ilícitos e ações de má-fé na administração da sociedade. Mais exatamente, sócios e administradores societários, três entre o recém suspensos.
Um elemento fundamental para a consecução do recurso de alavancagem financeira, que funcionou ao contrário, no final, ao longo dos anos, resultando em saldo negativo, precisaria ter um forte grau de coesão da direção da companhia.
Os diretores afastados no dia 3 têm esse indicativo e reforçam as suspeitas de conduta de práticas corruptas.
O Conselho de Administração da Americanas decidiu nesta 6ª feira (3) afastar 3 diretores estatutários e 3 executivos. São eles: Anna Christina Ramos Saicali, José Timotheo de Barros, Márcio Cruz Meirelles. Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
Eles pertencem à gestão de Miguel Gutierrez, que ficou na varejista os últimos 20 anos como CEO, além de outros 10 anos antes, que até agora não se manifestou e não forneceu nenhuma explicação. Todos com anos de casa, alguns com década de atuação na companhia.
O Conselho de Administração da Americanas, que suspendeu os diretores citados, tem a presença de um acionista majoritário, Carlos Alberto Sicupira, e de Paulo Alberto Lemann, filho de Jorge Paulo, outro sócio majoritário.
Integram ainda o órgão Eduardo Garcia, Claudio Garcia, Mauro Not, Sidney da Costa e Vanessa Claro Lopes, totalizando sete membros.
No imbróglio da manobra contábil alegam que “Contávamos com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC”. Parece, então, ter havido cumplicidade para geração desse tsunami.
O jogo de empurra já começou. A varejista e a Pwc dizem que os bancos não detalhavam os apontamentos, como a auditoria solicitava e argumentam que os dados estavam em contratos e no sistema do Bacen, não cabendo a eles unilateralmente essa prestação de contas.
Resta acompanhar a execução da Recuperação Judicial (RJ), cujo sucesso é esperado na manutenção da empresa, garantia em boa medida dos empregos e direitos dos funcionários, o recolhimento de impostos e o resgate da dívida junto aos credores, especialmente ao grande número de pequenos fornecedores.
A recuperação judicial da Americanas é a 4ª maior do Brasil com R$ 80 bilhões em dívidas. A Odebrecht lidera o RJ com maior valor envolvido. O 2º lugar fica com a Oi (R$ 65 bi) e, o 3º, com a Samarco (R$ 55 bi). Os dados foram levantados pela Lara Martins Advogados e Mingrone e Brandariz, conforme matéria do Poder 360.
J,AMARO