Alguns dos participantes do Roda Viva ficaram na dúvida se era só cinismo ou se ele estaria se referindo a algum banco batizado com o nome de “Social”
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou na segunda-feira (13), durante o programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, que mantém os juros mais altos do mundo sempre “pensando no social”. Alguns ficaram na dúvida se era só cinismo ou se ele estaria se referindo a algum banco batizado com o nome de “Social”.
“A nossa agenda toda do Banco Central é [pensando] no social. Então, a gente acredita que é possível fazer fiscal junto com o bem-estar social. Mas a gente acredita que é muito difícil ter bem-estar social e inflação descontrolada porque a inflação é um imposto que afeta muito a classe média baixa”, argumentou Campos Neto, tentando justificar seus juros lunáticos.
INFLAÇÃO NÃO É DE DEMANDA
A atual inflação brasileira não é uma inflação de demanda. Ela foi causada por elevações de preços de combustíveis e alimentos, impulsionadas por fatores conjunturais externos, como a pandemia e a guerra na Ucrânia. Elevar juros, como se a inflação fosse de demanda, “é não só lamentável, como criminosa”, alertou Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores.
A entrevista, onde Campos Neto defende a manutenção da taxa Selic de 13,75% e a meta de inflação de de 3,25% para este ano, e 3% para 2024, se deu depois que o presidente Lula questionou a manutenção das atuais taxas de juros no país. “Não existe nenhuma justificativa para que a taxa de juros esteja em 13,75%. É só a gente ver a carta do Copom para ver que é uma vergonha esse aumento de juro e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, afirmou Lula.
“Nós fizemos uma meta de 4,5% com menos 2 e mais 2. Eu estou dizendo que o Brasil não precisava disso [da atual meta de 3,25%]. Ora, este país, com 4% de inflação, com a economia crescendo, esse país vai embora, esse país cresce. É que o presidente do Banco Central nunca viveu a inflação que eu vivi de 80% ao mês. Nunca viveu”, prosseguiu Lula.
“Então ele quer chegar à inflação padrão europeu, e não, nós temos que chegar à inflação padrão Brasil. Uma inflação de 4,5% no Brasil, de 4%, é de bom tamanho se a economia crescer. Você, com 4% de inflação, com 4,5, com a economia crescendo, é uma coisa extraordinária. Agora, você faz uma meta que é ilusória, você não a cumpre e, por conta disso você fica prejudicado”, acrescentou o presidente.
CONGRESSO QUER OUVI-LO
Campos Neto manteve-se inflexível em sua teimosia, apesar do fracasso de sua política. Fracasso este que levou o partido do presidente Lula a solicitar a presença dele no Congresso Nacional para se explicar.
Mas o indicado de Bolsonaro segue dizendo que votará contra a mudanças na meta de inflação, o que mantém implícita a aposta na manutenção da taxa de juros de 13,75% ao ano. A decisão sobre a meta de inflação não é tomada pelo presidente do BC, ela é tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é formado pelo ministro da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. A reunião do CMN está prevista para os próximos dias.
Economistas renomados, como André Lara Resende, Bresser Pereira, Nelson Marconi e outros, criticam a decisão de Campos Neto de manter as atuais taxas de juros. Lara Resende afirmou que a taxa alta, combinada com balanços negativos dos bancos, pode colocar, sim, o país em recessão. “O fato de que tivemos quebras no varejo leva os bancos a retraírem drasticamente o crédito. Assim, você agrava o processo de desaquecimento da economia e coloca o país em uma possível recessão muito séria”, diz o economista, que criou o Plano Real e que assumiu uma função estratégica no comando do BNDES a convite de Aloysio Mercadante.
Sobre o chamado risco fiscal, alardeado por Campos Neto, Lara Resende rebateu dizendo que ele não existe. “Pera aí, me explica o que quer dizer risco fiscal? Risco de sustentabilidade? É a dívida.
“Se você olha as contas brasileiras, os números brasileiros e pergunta sobre o país, falam que o país está perfeitamente bem, com a economia em ordem. Há um endividamento muito inferior ao de todos os países desenvolvidos, em linha com os países em desenvolvimento. E a dívida brasileira é integralmente em moeda nacional”, argumentou o economista.
R$ 790 BILHÕES SÓ DE JUROS
Tanto Resende quanto Mônica de Bolle apontam que os verdadeiros riscos fiscais estão nos gastos financeiros, que sobem com a elevação dos juros. Em 2023 o Brasil gastará nada menos que R$ 790 bilhões com os juros da dívida interna, R$ 203 bilhões acima do montante registrado em 2022, que já havia sido recorde.
Só esta diferença seria suficiente para bancar todos os programas sociais do governo federal e os investimentos para a retomada das milhares de obras paradas. Mas, Campos Neto insiste em ampliar os gastos financeiros com seus juros extorsivos e afirmou na entrevista do Roda Viva que não pretende arredar pé. Disse que é contra mudar a meta de inflação e que não vai renunciar ao cargo.
Questionado por ter votado com uma camisa de campanha de Bolsonaro e de participar de grupos de WhatsApp bolsonaristas, Campos Neto tentou desconversar. “É óbvio que a gente está num sistema muito polarizado. Eu acho que está todo mundo aprendendo”, afirmou.
“A autonomia do Banco Central é nova. Eu vim indicado por um governo. Também estou aprendendo. Mas é importante enfatizar: esse governo é de coalizão. Há pessoas que estão no governo e votaram contra o governo no passado, que vieram de outros lugares. Acho que agora é hora de a gente se unir, fazer um projeto pelo país e esquecer dessas coisas pequenas”, prosseguiu.
Ele disse que fez amigos no governo passado e que pretende fazer amigos no atual governo. Ou seja, para defender a manutenção dos juros altos e seguir favorecendo os bancos, ele finge que pode ser bonzinho. Diz até que esses juros altos visam “atender o social”.
A questão é que sua política impede o desenvolvimento do país e se mostrou desastrosa, como apontou Lula. A política de Campos Neto é incompatível com o crescimento econômico, a geração de empregos, a harmonia social e o próprio equilíbrio fiscal. É por isso, e não por outro motivo, que Lula argumentou que ela precisa mudar já.
High Society