Em decisão no início da noite de domingo, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), desembargador Thompson Flores, desautorizou a tentativa do plantonista – e petista – Rogério Favreto, de soltar Lula, desrespeitando as decisões do próprio TRF-4 e do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não há negar a incompetência do órgão jurisdicional plantonista à análise do writ [ordem judicial, nesse caso, o habeas corpus]”, escreveu Thompson Flores, em sua decisão.
Os acontecimentos, que mobilizaram juízes, procuradores e a polícia em dois Estados – Paraná e Rio Grande do Sul, onde fica a sede do TRF-4 -, além da presidente do STF, Cármen Lúcia, em Brasília, são um modelo da falência moral do PT e do lulismo.
Depois das 19 horas de sábado, a bancada do PT na Câmara entrou, no TRF-4 – que está em recesso – com um pedido de habeas corpus para Lula. A hora e o dia esdrúxulo tinham o objetivo de que o pedido caísse em mãos do plantonista do domingo, no TRF-4, desembargador Rogério Favreto.
Esse desembargador, filiado ao PT desde 1991, foi, sucessivamente, procurador geral da Prefeitura de Porto Alegre na gestão petista do prefeito Tarso Genro (1997-2004); Assessor Especial da Subchefia Jurídica da Casa Civil da Presidência da República no governo Lula – tendo como chefes Dias Toffoli e José Dirceu (2005); chefe da Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2006); chefe da Assessoria Especial da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (2006); e Secretário Nacional de Reforma do Judiciário no Ministério da Justiça (2007-2010).
Depois de cinco anos no governo Lula, Favreto saiu formalmente do PT para ser nomeado desembargador no TRF-4 por Dilma, em 2011 (a lei proíbe que juízes e membros do Ministério Público sejam filiados a partidos).
Um jurista, ouvido pelo HP, declarou: “a suspeição e o impedimento, que constam do Código de Processo Penal, não deixaram de existir. O que deixou de existir foi a vergonha de certos cidadãos, como Toffoli, ex-subordinado de José Dirceu, e esse desembargador, que não têm qualquer carreira fora do PT, mas não se declaram suspeitos ou impedidos quando seus ex-chefes são réus, e os beneficiam sem qualquer tipo de pudor”.
Na manhã de domingo, Favreto, como plantonista, concedeu a soltura de Lula, alegando que “o recolhimento à prisão quando ainda cabe recurso do acórdão condenatório há que ser embasado em decisão judicial devidamente fundamentada”.
A 8ª Turma do TRF-4 fundamentara longamente a prisão de Lula, após sua condenação pelo colegiado. Favreto ignorou completamente a sentença, para “suspender a execução provisória da pena do paciente, até o efetivo trânsito em julgado”.
Que alguém possa fazer isso como plantonista, não é matéria de discussão, ao contrário do que apareceu em alguns órgãos de mídia.
Pelo contrário, é expressamente proibido que um plantonista decida sobre questões que já foram julgadas pelo Tribunal, como lembraram os desembargadores João Pedro Gebran Neto e Thompson Flores.
A questão da prisão de Lula foi julgada pelo TRF-4, pelo STJ – e três vezes o STF decidiu pela legalidade da prisão após condenação em segunda instância, pois, acima desta, nenhuma outra julga o mérito dos casos judiciais.
A decisão de Favreto como plantonista afrontava, então, o julgamento do TRF-4, que condenou Lula a 12 anos e um mês de cadeia, inicialmente em regime fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro roubado.
Afrontava, também, a jurisprudência do STF, que decidira não somente pela constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância, mas, especificamente, pela legalidade da prisão de Lula em duas votações, uma das quais por unanimidade.
Também afrontava a decisão do STJ, que negou habeas corpus para soltar Lula.
Favreto disse, explicitamente, que sua decisão de soltar Lula era contra a decisão do juiz Sérgio Fernando Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba.
O desembargador petista não sabia (?) que Lula está preso por determinação do TRF-4 e não do juiz Moro – ou sua fixação em Moro é tal, que esqueceu disso quando redigiu sua decisão.
O Ministério Público e os desembargadores João Pedro Gebran Neto e Thompson Flores apontaram o lapso de Favreto.
Quanto a Moro, em despacho, recusou-se a aceitar o ato ilegal e arbitrário de Favreto e emitir alvará de soltura para Lula. Também na manhã de domingo, Moro considerou:
“O Desembargador Federal plantonista, com todo respeito, é autoridade absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e ainda do Plenário do Supremo Tribunal Federal.”
Moro frisou que tanto ele quanto a Polícia Federal não podiam cumprir a decisão de Favreto porque estariam descumprindo a ordem de prisão para Lula, determinada pelo Colegiado da 8ª Turma do TRF-4.
Moro comunicou o fato ao presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, e ao relator dos processos da Lava Jato no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto.
Porém, em resposta a Moro, o desembargador petista determinou pela segunda vez a soltura de Lula.
No início da tarde do mesmo domingo, o procurador José Osmar Pumes, plantonista do Ministério Público, pediu ao desembargador Gebran que anulasse a decisão de soltar Lula.
Gebran, então, decidiu:
“DETERMINO que a autoridade coatora [Favreto] e a Polícia Federal do Paraná se abstenham de praticar qualquer ato que modifique a decisão colegiada da 8ª Turma.”
Parecia, como noticiamos, que o problema criado por Favreto havia terminado.
No entanto, Favreto deu outra ordem – a terceira – para soltar Lula, afrontando a decisão do relator do processo, para quem, legalmente, são remetidos os recursos dos processos da Operação Lava Jato. Favreto ainda disse que a soltura de Lula teria que se dar imediatamente.
Aliás, desde a primeira tentativa de soltar Lula, Favreto havia dispensado o condenado até mesmo das formalidades – como o exame de corpo delito – que são necessárias à soltura de qualquer preso. O negócio era soltar Lula na marra.
O motivo dessa terceira ordem para soltar Lula, disse Favreto, foi um “fato novo” que justificaria tal decisão.
Literalmente, escreveu ele:
“… a decisão decorre de fato novo (condição de pré-candidato do Paciente), conforme exaustivamente fundamentada. Em suma, a suspensão do cumprimento provisório se dá pelo fato novo.”
O “fato novo” de Favreto é que Lula é pré-candidato a presidente e teria o direito a participar da “pré-campanha”.
Por essa teoria, Fernandinho Beira-Mar somente precisa arrumar uma pré-candidatura para ser solto. Por que ele não teria o mesmo direito que Lula, condenado por crimes comuns, assim como Beira-Mar?
Porém, é ainda mais grave o que disse Favreto: todo mundo sabe, há muito, que Lula é candidato. Como disse, na TV, outro jurista: “é um fato novo que só tem oito anos – desde que Lula saiu do governo – ou, com boa vontade, mais de dois anos, desde que ele anunciou que era candidato, após a condução coercitiva, em março de 2016”.
Favreto estava zombando do TRF-4 e da inteligência do povo.
Nessa altura dos acontecimentos, ficou claro que o motivo dessa tentativa de golpe, além de soltar Lula, era desmoralizar a Justiça – porque era evidente que as decisões de Favreto eram insustentáveis.
Por que, então, o PT comemorava essas decisões, depois de tê-las provocado, se sabia que eram ilegais e depois que ficou claro que elas eram impossíveis de prevalecer?
Primeiro, porque não tem, realmente, nenhum respeito pela coletividade, incluindo, aqui, a Justiça. Daí, o circo aprontado pelo desembargador Favreto.
Segundo, porque sua expectativa de soltar um ladrão, um corrupto, reside na tentativa de desmoralizar aqueles que o condenaram.
Terceiro, por desespero – o que não é incompatível com as razões anteriores.
Entretanto, houve outra interpretação: a de que o plantonista não estava em seu estado normal, algo que foi expresso por um popular, entrevistado por uma rádio: “esse sujeito tá bêbado”.
Não acreditamos nessa hipótese, demasiado benigna para Favreto e para os lulistas.
A nova tentativa de Favreto – e o recurso contra ela, pelo Ministério Público – obrigou o presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, a sair do recesso para colocar ordem na casa, diante do golpismo do PT e seus “juristas”.
Thompson Flores considerou a atitude de Favreto totalmente imprópria para suas funções:
“… considerando que a matéria ventilada no habeas corpus não desafia análise em regime de plantão judiciário e presente o direito do Desembargador Federal Relator [Gebran Neto] para preservar competência que lhe é própria, determino o retorno dos autos ao Gabinete do Desembargador João Pedro Gebran Neto, bem como a manutenção da decisão por ele proferida.
“Os fundamentos que embasam o pedido de Habeas Corpus não diferem daqueles já submetidos e efetivamente analisados pelo Órgão Jurisdicional Natural da lide [o TRF-4]. Rigorosamente, a notícia da pré-candidatura eleitoral do paciente é fato público/notório do qual já se tinha notícia por ocasião do julgamento da lide pela 8ª Turma desta Corte. Nesse sentido, bem andou a decisão do Desembargador Federal Relator João Pedro Gebran Neto.”
Assim terminou o dia de domingo.
Com Lula na cadeia.
C.L.
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