A chanceler da Europa disse que o Acordo Nuclear com o Irã “não é bilateral” e não cabe aos EUA rescindi-lo. O secretário-geral da ONU, Rússia e China reafirmam defesa do Acordo
A pressão do presidente Donald Trump para rasgar o tratado nuclear com o Irã de 2015 – assinado também por Rússia, China, França, Inglaterra e Alemanha -, cujo cumprimento vem sendo atestado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) isolou os EUA no mundo inteiro, com Paris, Londres e Berlim em declaração conjunta se afirmando “comprometidos” com sua preservação, assim como Moscou, que considerou como “fora de questão” qualquer alteração, e Pequim, que o classificou de chave para “a não proliferação e a paz na região”. Também o secretário geral da ONU, Antonio Guterres, conclamou a que o acordo “seja mantido”.
Trump se recusou na sexta-feira (13) a recertificar que o Irã cumpre o acordo – conforme exige a cada três meses lei do congresso – e remeteu a questão ao Senado dos EUA, onde são necessários 60 votos para sua derrubada, sendo que os republicanos só detêm 52 cadeiras.
No comunicado europeu, Emmanuel Macron, Theresa May e Angela Merkel ressaltaram que a “preservação” do acordo é “um interesse compartilhado” de seus países e convocaram o governo dos EUA e o Congresso “a considerarem as implicações para a segurança do país e de seus aliados antes de tomarem qualquer medida que possa colocar em risco o acordo nuclear, inclusive a adoção de novas sanções ao Irã”. Os chefes de estado europeus assinalaram ainda que “o acordo nuclear foi a conclusão de 13 anos de diplomacia”, sendo “um passo enorme para garantir que o programa nuclear iraniano não seja desviado para fins militares”.
UNIÃO EUROPEIA
Por sua vez a chanceler da União Europeia, a italiana Federica Mogherini, afirmou que o acordo nuclear com o Irã “não é um acordo bilateral” e não cabe aos EUA rescindi-lo. Já o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, o socialdemocrata Sigmar Gabriel, classificou o anúncio de Trump “um sinal problemático e, a nosso ver, perigoso. O acordo com o Irã mostrou pela primeira vez que é possível evitar a guerra através de negociações e, acima de tudo, impedir que um país adquira armas nucleares”. Uma rescisão do acordo iraniano “transformaria o Oriente Médio em um viveiro de crise”, acrescentou. Pelo acordo, O Irã reduziu praticamente pela metade o número de centrífugas para produção de combustível nuclear, aceitou mudanças no reator a água pesada de Arak e inspeções da AIEA, em troca do levantamento das sanções e do quase banimento de sua exportação de petróleo.
O New York Times relatou como a ação de Trump teve, como de hábito, um aspecto de encenação. Segundo o NYT, foi procurada “uma solução que permitisse a Mr. Trump sinalizar sua desaprovação do acordo [tema constante da sua campanha presidencial] sem colocar os EUA na posição de ser o primeiro signatário a violá-lo”. Essa solução, prossegue o jornal, “foi declarar que a suspensão das sanções não era ‘apropriada e proporcional’ às medidas que o Irã tomou para encerrar suas atividades nucleares ilícitas”. Na verdade, a isso se somou a provocação de colocar sob novas sanções [que não se relacionam com o acordo] a unidade de elite do exército iraniano, a Guarda Revolucionária.
Com seu governo em crise aberta, cerco da mídia e popularidade em queda, a cada semana Trump busca algum bode expiatório para desviar a atenção sobre seu fracasso, o que vai da polêmica sobre o ajoelhar nos jogos até o acordo com o Irã, que sempre chamou de “maior fracasso” de Obama.
A questão não passou despercebida à chancelaria russa, cujo vice responsável, Sergey Ryabkov, advertiu que o acordo não deveria se tornar uma “moeda de barganha” na luta política doméstica dos EUA. “Para muitos [nos EUA] e particularmente no Congresso, a crítica do JCPOA [iniciais do acordo em inglês] se tornou um instrumento para manobrar problemas que estão muito longe do propósito do documento”, afirmou, acrescentando que um acordo internacional tão importante “merece uma atitude inteiramente diferente” e “deveria não ser tratada como moeda de barganha”.
“Nosso objetivo permanece o mesmo: devemos preservar essa importante conquista diplomática em um campo tão importante como a não-proliferação nuclear global”, destacou o diplomata russo. Quanto a isso, é importante ressaltar a posição do chefe da diplomacia alemã, Gabriel, apontando que é preciso dizer aos americanos “que seu comportamento traz os europeus para uma posição comum com a Rússia e a China contra os EUA na questão do Irã”.
DIPLOMACIA ALEMÃ
Gabriel chamou a atenção para outra questão – sumamente importante no atual momento -, ao ser indagado em entrevista se Trump “estava brincando com a paz mundial em relação ao Irã”. “Seria um golpe devastador para o desarmamento nuclear. Alguns estados poderiam ver a ruptura do acordo no Irã como um sinal de que eles deveriam adquirir armas nucleares o mais rápido possível”, afirmou. O que diz respeito “muito mais do que ao Irã”, acrescentou. “Seria completamente inútil empurrar a Coréia do Norte para a adoção de um tratado de segurança se o acordo do Irã cair”.
Enorme risco também percebido pelo chefe do Departamento de Não-Proliferação e Controle de Armas da chancelaria russa, Mikhail Ulyanov. “Tal política voltada para erodir o acordo [com o Irã] e sua credibilidade de fato desfere um pesado golpe nos esforços globais de não-proliferação”. “Tais atitudes de Washington apenas reforçam a crença de outros países, como a Coreia do Norte, de que ‘não faz sentido negociações com os EUA’, já que qualquer acordo internacional, mesmo aqueles bancados pelo Conselho de Segurança da ONU, podem ser facilmente terminados”, ressaltou Ulyanov.
JOHN KERRY
A manutenção do acordo também foi defendida enfaticamente pelo ex-secretário de Estado John Kerry, que passou vários anos negociando o que agora Trump cuida de rasgar. Kerry afirmou que “não se pode redefinir unilateralmente” os termos do acordo que, afiançou, “nos dá um quarto de século de responsabilidade absoluta” [quanto às armas nucleares]. “Se você quiser ter sua guerra, Donald Trump, você pode ter isso daqui a 20 anos”.
“Os EUA ficarão mais isolados do que nunca”, afirmou o presidente Hassan Rouhani em resposta ao discurso de Trump – considerado pelo NYT como “talvez o mais hostil de qualquer líder americano em relação ao Irã desde que o presidente George W. Bush colocou o país em seu ‘eixo do mal’ em 2002”. “O discurso [de Trump] mostrou que o acordo nuclear é muito mais forte do que esse senhor imaginou durante sua campanha eleitoral. Esse é um acordo internacional e multilateral. Não se trata de um documento assinado somente entre Irã e EUA, que ele possa tratar da maneira que bem entende”.
ANTONIO PIMENTA