Presidente da Rússia anuncia suspensão do Acordo de Limitação Nuclear Start III diante da ameaça existencial à Rússia encabeçada por Washington
Em seu discurso anual à nação russa, às vésperas de se completar um ano da operação militar especial para desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, o presidente Putin na terça-feira (21) responsabilizou o Ocidente e o regime de Kiev por “começarem a guerra” em 2014 enquanto o uso da força pela Rússia é “para encerrá-la”; salientou que as sanções “não alcançaram nada e não alcançarão nada”, apontando que a economia russa vai se desenvolver no rumo da indústria e alta tecnologia, desdolarização e novos parceiros; advertiu que o Ocidente quer transformar a guerra na Ucrânia em uma “conflagração global” para manter sua dominação e criar uma “ameaça existencial à Rússia”; e anunciou a suspensão – não o cancelamento – do Tratado Start III de limitação de armas nucleares com os EUA.
Como Putin chamou a atenção, antes da decisão agora anunciada a Rússia já vinha tendo negado, pelos EUA, seus “repetidos pedidos de inspeção de certos objetos” e “não podemos realmente verificar nada do outro lado”.
O mandatário russo observou, ainda, que o Ocidente “está implicado nas tentativas de ataque a bases da aviação estratégica russa”, uma vez que os drones utilizados nestes ataques foram equipados com a ajuda de instrutores da Otan.
Nesse sentido, o presidente russo descreveu as exigências da Otan para retomada das inspeções como “teatro do absurdo”. Ele acrescentou que o Start III foi assinado quando Moscou e Washington não se consideravam adversários, mas “tudo isso pertence ao passado”.
As agências de notícias imperiais fizeram um enorme alarido, o que soa mais cínico quando se sabe que a arquitetura internacional de segurança foi quase totalmente destruída pelos EUA a partir de 2002, tratado por tratado, até apenas restar o Start III – que aliás só foi prorrogado na undécima hora, pois o governo Trump se recusara, o que Biden reverteu, e cuja data de expiração é 2026.
O acordo Start EUA-Rússia limita em 1550 o total de ogivas nucleares ativas de cada lado e em 700 os portadores, entre mísseis intercontinentais, submarinos e bombardeiros estratégicos. Foi assinado por Barak Obama e Dmitry Medvedev em 2010. A Rússia esclareceu que vai continuar respeitando os limites determinados pelo Salt III.
Putin também ordenou ao Ministério da Defesa e à agência de energia nuclear Rosatom prontidão para o desenvolvimento de testes nucleares, caso Washington venha a abolir a proibição de realização de testes de novas armas nucleares, como é insistente vazado na mídia norte-americana. “Não seremos os primeiros a fazê-lo, mas a paridade estratégica nuclear global não será destruída”.
“As elites ocidentais não estão tentando esconder seus objetivos, para infligir uma ‘derrota estratégica’ à Rússia”, disse Putin no discurso transmitido pela TV estatal. “Elas pretendem transformar o conflito local em um confronto global.” Ele acrescentou que a Rússia está preparada para responder, pois estará em questão “a existência de nosso país”. Ele descreveu repetidamente a expansão da OTAN até às portas da Rússia como uma ameaça existencial ao país.
DESMILITARIZAR E DESNAZIFICAR KIEV
“Há um ano, foi tomada a decisão de realizar a operação militar especial para proteger a população de nossas terras históricas, garantir a segurança de nosso país e eliminar a ameaça do regime neonazista de Kiev”, declarou Putin, destacando que Moscou resolve as tarefas concernentes “passo a passo, com cuidado e consistência”.
“Gostaria de lembrar que, nos anos 1930, o Ocidente virtualmente pavimentou o caminho ao poder dos nazistas na Alemanha. Em nosso tempo eles começaram a buscar tornar a Ucrânia em uma ‘anti-Rússia”, destacou Putin.
“A Rússia não está em guerra com o povo ucraniano, que se tornou refém do regime de Kiev e dos amos ocidentais que ocuparam o país no sentido político, militar e econômico, destruíram a indústria ucraniana por décadas e saquearam os recursos naturais”, o que resultou na “degradação social e aumento colossal da pobreza e da desigualdade”.
“A responsabilidade por incitar o conflito ucraniano, pela escalada, pelo aumento do número de suas vítimas é inteiramente das elites ocidentais. E, claro, do atual regime de Kiev. O Ocidente está usando a Ucrânia tanto como aríete contra a Rússia quanto como campo de treinamento”, afirmou Putin.
“Não vou me alongar sobre as tentativas do Ocidente de virar a maré das hostilidades, mas uma circunstância deve ser clara para todos – quanto mais sistemas ocidentais de longo alcance chegarem à Ucrânia, mais seremos forçados a afastar a ameaça de nossas fronteiras”, advertiu.
Putin destacou que anteriormente a Rússia fez “todo o possível para resolver pacificamente a crise ucraniana, mas pelas costas um cenário completamente diferente estava sendo preparado”.
TRAPAÇA REPUGNANTE CONTRA O DONBASS
“A partir de 2014, o Donbass lutou, defendeu o direito de viver em sua própria terra, falar sua língua nativa, lutou e não desistiu sob o bloqueio e bombardeio constante, ódio indisfarçável do regime de Kiev, acreditou e esperou que a Rússia chegasse para o resgate. Fizemos todo o possível, realmente todo o possível para resolver esse problema por meios pacíficos, negociamos pacientemente uma saída pacífica para esse conflito tão difícil’.
“As promessas dos governantes ocidentais, suas garantias sobre o desejo de paz no Donbass acabaram sendo, como vemos agora, uma falsificação, uma mentira cruel. Eles simplesmente ganharam tempo, se envolveram em trapaças, fecharam os olhos para os assassinatos políticos e a repressão do regime de Kiev, para a zombaria dos crentes e cada vez mais encorajaram os neonazistas ucranianos a realizar ações terroristas no Donbass”.
“Os Estados Unidos e a Otan rapidamente implantaram suas bases militares e laboratórios biológicos secretos perto das fronteiras de nosso país, dominaram o teatro de futuras operações militares no curso de manobras, prepararam o regime de Kiev a eles submetido, a Ucrânia que eles escravizaram, para uma grande guerra”.
“E hoje eles admitem – eles admitem abertamente, sem hesitação. Chamam os acordos de Minsk e o formato da Normandia de encenação diplomática, blefe. O tempo todo quando o Donbass estava pegando fogo, quando sangue foi derramado, quando a Rússia estava sinceramente – quero enfatizar isso – estava sinceramente se esforçando por uma solução pacífica, eles estavam brincando com a vida das pessoas, eles estavam jogando, na verdade, como dizem nos círculos conhecidos, com cartas marcadas”.
NEONAZISTAS A SOLDO DOS EUA
Putin se referiu à desfaçatez com que o Ocidente faz uso contra a Rússia dos neonazistas ucranianos, que não escondem de quem se consideram os herdeiros. O escândalo mais recente – assinalou o líder russo – é que uma das brigadas das forças armadas da Ucrânia acaba de ser batizada de “Edelweiss”, o nome da divisão nazista que participou da deportação de judeus, da execução de prisioneiros de guerra, em operações punitivas contra os guerrilheiros da Iugoslávia, Itália, Tchecoslováquia e Grécia.
Unidades ucranianas homenageiam notórias unidades das SS, como a Galizia. Marcas de identificação da Wehrmacht da Alemanha nazista são aplicadas aos veículos blindados ucranianos. Ao Ocidente, nada disso importa: “não dão a mínima em quem apostar na luta contra nós, na luta contra a Rússia, de terroristas a neonazistas”.
“IUGOSLÁVIA, IRAQUE, LÍBIA E SÍRIA”
“Este método repugnante de engano foi tentado muitas vezes antes. Eles se comportaram de forma tão desavergonhada e dúbia, destruindo a Iugoslávia, Iraque, Líbia, Síria. Dessa vergonha, eles nunca serão lavados. Os conceitos de honra, confiança, decência não são para eles”, apontou Putin.
“Ao longo dos longos séculos de colonialismo, diktat, hegemonia, eles se acostumaram a tudo ser permitido, se acostumaram a cuspir no mundo inteiro. Acontece que eles tratam os povos de seus próprios países com o mesmo desdém, como um amo – afinal, eles também os enganaram cinicamente com fábulas sobre a busca pela paz, sobre o cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre Donbass. De fato, as elites ocidentais se tornaram um símbolo de mentiras totalmente sem princípios”.
“Defendemos firmemente não apenas nossos interesses, mas também nossa posição de que no mundo moderno não deve haver divisão entre os chamados países civilizados e ‘todo o resto’, que é necessária uma parceria honesta, negando em princípio qualquer excepcionalidade, especialmente agressiva”. “Estávamos abertos, sinceramente prontos para um diálogo construtivo com o Ocidente, dissemos e insistimos que tanto a Europa quanto o mundo inteiro precisavam de um sistema de segurança indivisível igual para todos os estados”. O que teve como resposta declarações hipócritas em paralelo com a expansão da Otan e a criação de novas áreas posicionais para antimísseis na Europa e na Ásia, acrescentou Putin.
“Quero enfatizar, sim, de fato, é bem conhecido de todos: nenhum outro país do mundo possui tantas bases militares no exterior quanto os Estados Unidos da América. São centenas, quero enfatizar isso, centenas de bases ao redor do mundo, o planeta inteiro está cheio, basta olhar o mapa”.
“Finalmente, em dezembro de 2021, apresentamos oficialmente os projetos de acordos de garantia de segurança aos EUA e à Otan. Mas todas as posições-chave e fundamentais para nós receberam, de fato, uma recusa direta. Então finalmente ficou claro que o sinal verde para a implementação de planos agressivos fora dado e eles não iriam parar”.
“Aqueles que planejaram um novo ataque a Donetsk, Donbass e Lugansk entenderam claramente que o próximo alvo era um ataque à Crimeia e Sevastopol, e nós sabíamos e entendíamos isso. E agora esses planos de longo alcance também são falados abertamente em Kiev – eles revelaram o que já sabíamos tão bem”.
“Em uma conferência recente em Munique, houve inúmeras acusações contra a Rússia. Tem-se a impressão de que isso foi feito apenas para que todos se esqueçam do que o chamado Ocidente fez nas últimas décadas. E foram eles que deixaram o gênio sair da garrafa, mergulharam regiões inteiras no caos”, sublinhou Putin.
“Segundo os próprios especialistas americanos, em decorrência das guerras – quero chamar a atenção para isso: não inventamos esses números, os próprios americanos os dão – em decorrência das guerras que os Estados Unidos desencadearam depois de 2001, quase 900 mil pessoas morreram, mais de 38 milhões tornaram-se refugiados. Agora eles só querem apagar tudo isso da memória da humanidade, fingem que nada aconteceu. Mas ninguém no mundo esqueceu isso e não vai esquecer”.
MUNDO UNIPOLAR
“Foram eles que, após o colapso da União Soviética, começaram a revisar os resultados da Segunda Guerra Mundial, a construir um mundo ao estilo americano, no qual só existe um dono, um mestre. Para fazer isso, eles começaram a destruir rudemente todos os fundamentos da ordem mundial, estabelecidos após a Segunda Guerra Mundial, a fim de riscar o legado de Yalta e Potsdam”, destacou Putin.
“Passo a passo, eles começaram a revisar a ordem mundial existente, desmantelar os sistemas de segurança e controle de armas, planejaram e realizaram toda uma série de guerras em todo o mundo. E tudo, repito, com um objetivo – quebrar a arquitetura das relações internacionais criada após a Segunda Guerra Mundial”.
“Após o colapso da URSS, eles sempre se esforçam para concertar seu domínio global, independentemente dos interesses da Rússia moderna e também dos interesses de outros países”.
“Claro, a situação no mundo depois de 1945 mudou. Novos centros de desenvolvimento e influência foram formados e estão se desenvolvendo rapidamente. Este é um processo natural. Mas é inaceitável que os Estados Unidos tenham começado a remodelar a ordem mundial apenas para si, exclusivamente em seus próprios interesses egoístas”.
“Agora, por meio dos representantes da Otan, eles estão dando sinais e, de fato, apresentando um ultimato: você, Rússia, cumpra tudo o que concordou, inclusive o Tratado Start, sem questionar, e nos comportaremos como quisermos. Tipo, não há conexão entre a questão do Start e, digamos, o conflito na Ucrânia, outras ações hostis do Ocidente contra nosso país, assim como não há declarações em voz alta de que eles querem nos infligir uma derrota estratégica. Isso é o cúmulo da hipocrisia ou da estupidez, mas você não pode chamá-los de idiotas”.
SANÇÕES FRACASSARAM
Putin assinalou ainda que o Ocidente – entenda-se Washington e seus vassalos -desencadeou contra a Rússia não apenas uma confrontação militar, mas também econômica. Suas sanções “não alcançaram nada e não alcançarão nada”, afirmou, apontando que estas, como bumerangue, causaram inflação, demissões, fechamento de fábricas e crise energética nos países que as decretaram, e que tentam jogar a culpa sobre os russos.
“Que meios foram usados contra nós nesta agressão de sanções? Eles tentaram cortar os laços econômicos com as empresas russas, desconectar o sistema financeiro dos canais de comunicação para esmagar nossa economia, nos privar do acesso aos mercados de exportação para atingir as receitas. E o roubo – não há outra maneira de chamar – nossas reservas cambiais, tentativas de derrubar o rublo e de provocar uma inflação destrutiva”.
“As sanções antirrussas são apenas um meio para um fim, o objetivo é fazer o povo russo sofrer, mas os cálculos desses ‘humanistas’ ocidentais falharam.” Ele observou que a economia e a administração governamental do país da Eurásia “provaram ser muito mais robustas do que se esperava no Ocidente”.
“Repito, as sanções antirrussas são apenas um meio. E o objetivo, como declaram os próprios líderes ocidentais – uma citação direta – é ‘causar sofrimento’ a nossos cidadãos. “Faça sofrer” – [convocam] tais humanistas. Eles querem fazer o povo sofrer, desestabilizando nossa sociedade por dentro”.
SOBERANIA E DESDOLARIZAÇÃO
“Mas o cálculo deles não se concretizou – a economia russa e o sistema de gestão revelaram-se muito mais fortes do que o Ocidente acreditava”, sublinhou Putin.
“Graças ao trabalho conjunto do Governo, Parlamento, Banco da Rússia, entidades constituintes da Federação e, claro, da comunidade empresarial e coletivos de trabalho, garantimos a estabilidade da situação econômica, protegemos os cidadãos, salvamos empregos, evitamos a escassez no mercado, incluindo bens essenciais, apoiamos o sistema financeiro e o desenvolvimento do país”.
“Previram uma recessão de 20%-25% em fevereiro-março e colapso da economia para nós”.
“O PIB caiu 2,1% em 2022, pelos dados mais recentes. Os negócios russos reconstruíram a logística, fortaleceram os laços com parceiros responsáveis e previsíveis – e existem muitos deles, a maioria deles no mundo”.
“A participação do rublo russo em nossos acordos internacionais” dobrou em relação a dezembro de 2021 e chegou a um terço e, junto com as moedas de países amigos, já é mais da metade”.
“Juntamente com nossos parceiros, continuaremos a trabalhar na formação de um sistema estável e seguro de acordos internacionais, independente do dólar e de outras moedas de reserva ocidentais, que, com tal política das elites e governantes ocidentais, inevitavelmente perderão seu caráter universal. Eles fazem tudo com as próprias mãos. Não somos nós que reduzimos os pagamentos em dólares ou em outras chamadas moedas universais – eles fazem tudo com as próprias mãos”.
“Novos e promissores mercados globais estão surgindo” – Putin acrescentou -, “incluindo a Ásia-Pacífico, nosso próprio mercado doméstico, recursos científicos, tecnológicos, humanos: não o fornecimento de matérias-primas no exterior, mas a produção de mercadorias de alto valor agregado. Isso permite liberar o enorme potencial da Rússia em todas as esferas e áreas”.
A Rússia não está apenas se adaptando às novas realidades, mas está levando sua economia para novas fronteiras visando “um desenvolvimento constante, progressivo e soberano, apesar de todas as pressões e ameaças externas”, completou.