“Essas taxas de juros, que são as maiores taxas reais do mundo, podem ter um impacto forte sobre o mercado de crédito”, advertiu o professor da FGV. “Isso pode provocar um prejuízo significativo para as empresas e para as famílias”, denunciou o economista
O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Nelson Marconi afirmou nesta quinta-feira (3), em entrevista ao HP, que a atual taxa de juros do Banco Central – maior taxa real do mundo – “tem um impacto significativo no mercado de crédito”. Segundo ele, isso pode provocar uma crise grave.
ENDIVIDAMENTO ALTO
“A taxa de juros elevada, realmente ela tem um impacto significativo no mercado de crédito”, disse o economista, ao comentar a possibilidade do país estar à beira de uma crise de crédito. “Este impacto é tanto porque ele vai aumentando o crédito para quem capta recursos, como para quem já está endividado. De alguma forma a taxa de juros vai sendo corrigida´- a taxa de juros pós-fixada – e ela também impacta o aumento das dívidas privadas”, acrescentou Marconi.
“Muitas vezes”, prosseguiu o especialista, “as empresas e as próprias pessoas físicas, elas têm que rolar a dívida e, quando elas vão rolando a dívida, essa taxa de juros que se cobra sobre essa dívida é cada vez mais alta”. “Então, isso realmente pode ter um impacto forte sobre o mercado de crédito”, sentenciou o professor da FGV.
“Muitas vezes as empresas e as próprias pessoas físicas, elas têm que rolar a dívida e, quando elas vão rolando a dívida, essa taxa de juros que se cobra sobre essa dívida é cada vez mais alta”
“A manutenção dessas taxas de juros mais altas agrava a situação da população brasileira que já está endividada, das empresas brasileiras, que já estão muito endividadas e, quando o Banco Central pratica uma política como essa de juros elevados por muito tempo, isso pode logicamente provocar um prejuízo significativo para as empresas e para as próprias famílias”, denunciou o economista.
Ele chamou a atenção para o risco de um colapso. “Então, a continuidade dessas taxas de juros pode travar totalmente o mercado de crédito. E pode aumentar o número de endividados e o número de empresas que podem quebrar. Isso logicamente é um sinal muito ruim para a economia”, alertou.
“A continuidade dessas taxas de juros pode travar totalmente o mercado de crédito. E pode aumentar o número de endividados e o número de empresas que podem quebrar”
Nelson Marconi falou também da crise na Americanas. Ele disse que a situação geral e os juros altos podem ter agravado a situação da empresa, mas destaca que o que mas chama a atenção é o aspecto da fraude. “O caso da Americanas, ele já vem acontecendo há muito tempo me parece. Toda essa provisão que é feita no balanço dos bancos e tudo o mais de forma, foi feito errada. Então, não é uma coisa que é de hoje”, observou.
FRAUDE NA AMERICANA
“Agora, é lógico que nós não praticamos juros baixo de hoje. Me parece que é uma combinação de uma fraude com, logicamente, um agravamento causado pelo fato de nós termos juros mais altos”, disse Marconi. “Me parece muito mais sinal de fraude, porque outras empresas do ramo não usaram a mesma estratégia e não estão numa situação tão difícil como das Lojas Americanas”, afirmou. “Me parece então que a explicação é mais por uma tentativa de fraude mesmo. Pelo uso do mecanismo que seria indevido na apresentação dos balanços e nos lançamentos contábeis”, acrescentou.
Nelson Marconi criticou fortemente a política de juros do Banco Central. “Realmente a inflação brasileira ela é fundamentalmente uma inflação de custos e uma inflação causada pela política de preços dos combustíveis, que afeta de forma disseminada todos os outros preços da economia”, disse ele, contestando as alegações do BC para manter os juros altos.
O economista lembrou também a “falta de estoques reguladores de alimentos que logicamente poderiam atenuar essas oscilações muito grandes nos preço das commodities internacionais, principalmente aquelas relacionadas aos alimentos”. “Se tivéssemos estoques reguladores, os reflexos dessas oscilações sobre a inflação seriam muito melhores. Teriam efeitos que poderiam arrefecer o impacto sobre os preços, tanto dos alimentos brutos como das commodities, como dos alimentos industrializados, derivados dessas commodities”, explicou.
INFLAÇÃO DOS COMBUSTÍVEIS
Para Marconi as variações nos preços dos combustíveis foram decisivas na elevação da inflação no Brasil. “A gente vê a inflação brasileira, desde o ano passado, com essas oscilações para cima e para baixo, muito em função dos preços dos combustíveis”, disse o economista, que repetiu que “não é uma inflação de demanda, ainda que a taxa de desemprego tenha caído no ano passado”.
Ele observou que “existe um pequeno componente de demanda sim sobre os serviços, sobre os preços dos serviços, mas ela não é fundamentalmente uma inflação de demanda”, enfatizou. “Então, não existe uma demanda tão aquecida que justifique uma taxa de juros como essa, que é taxa de juros real mais alta do mundo”, afirmou Marconi. “Não tem lógica nenhuma. Não temos uma inflação de demanda significativa para justificar isso. Nós não temos uma situação fiscal desesperadora, que todo mundo esteja querendo tirar dinheiro do país para ter uma taxa de juros tão alta”.
“Não tem lógica nenhuma. Não temos uma inflação de demanda significativa para justificar isso. Nós não temos uma situação fiscal desesperadora, que todo mundo esteja querendo tirar dinheiro do país para ter uma taxa de juros tão alta”
“Enfim, do ponto de vista macroeconômico, nada justifica isso. O que me parece justificar essa taxa de juros alta é, no fundo, uma política que já vem sendo praticada há muito tempo no Brasil, onde tem o mercado financeiro muito concentrado tentando jogar sempre com esse argumento que a inflação é de demanda, que a situação fiscal está ruim, mostrando as suas previsões pessimistas em relação ao futuro dos preços e do quadro fiscal para tentar manter a taxa de juros num patamar alto”, alertou.
“Existe, portanto”, na opinião do professor de Economia da FGV, “uma pressão política do setor financeiro muito forte para manter essa taxa de juros elevada. Do ponto de vista macroeconômico não há nada que justifique a taxa nesse patamar”.