Economistas de diversas correntes de pensamento e autoridades foram unânimes em condenar a manutenção das altas taxas de juros que estão estrangulando a economia brasileira
O seminário “Estratégias do Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”, realizado pelo BNDES, no Rio de Janeiro, entre os dias 21 e 22 de março, revelou o maior consenso já visto até hoje no Brasil, entre as mais diversas correntes econômicas contra a manutenção das atuais taxas de juros pelo Banco Central, considerada alta por todos os participantes. As opiniões dos participantes do seminário do BNDES também estão e linha com dezenas de outros economistas brasileiros que vêm denunciado os juros extorsivos do BC.
O seminário aconteceu na véspera da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, que decide nesta quarta-feira (22) se reduz a taxa Selic, taxa básica da economia, que está em 13,75%, ou retira o país da camisa de força da taxa mais alta taxa de juros do mundo. Foi unânime entre economistas, empresários, especialistas e membros do governo Lula de que a taxa de juros está excessivamente alta e precisa ser revista, junto com uma política de investimento que propicie a reindustrialização do país.
O evento reuniu, além do presidente do BNDES, Aloysio Mercadante, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, o presidente da FIESP, Josué Gomes da Silva, o economista e ex-presidente do BNDES, André Lara Resende, o Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, o professor James Gailbraith (Lyndon B Johnson School of Public Affairs), o economista e professor da Universidade de Columbia e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável, Jeffrey Sachs, Jayati Ghosh da Universidade de Massachusetts Amherst e o professor Leonardo Burlamarqui, do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Resumimos abaixo o que cada um defendeu neste importante seminário:
JOSUÉ GOMES
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, classificou como ‘pornográficas as taxas de juros praticadas no Brasil’. O empresário afirmou que “é inconcebível” a Selic em 13,75% ao ano e criticou o argumento de que o Brasil esteja sob risco fiscal.
“É inconcebível a atual taxa de juros no Brasil, muitos querem associá-la a um problema fiscal. Eu não posso acreditar que um país com a riqueza do Brasil, que tem uma dívida bruta de 72, 73% do PIB, que tem reservas cambiais da ordem de 18%, 19%. Reservas essas que foram muito criticadas pelo mercado quando o presidente Lula no seu primeiro e segundo mandato acumulou essas reservas e chegamos aos US$ 370 bilhões, sem as quais hoje nós estaríamos naquela política de ‘stop and go’, que tínhamos com restrições externas”, ressaltou. “Se não baixarmos essas taxas de juros, de nada adiantará fazermos políticas industriais”, afirmou o presidente da Fiesp.
GERALDO ALCKMIN
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, afirmou que “não há nada que justifique 8% de juros reais acima da inflação quando não há demanda explodindo e quando o mundo inteiro tem praticamente juros negativos”, afirmou Alckmin. “Juros altos dificultam o consumo, atrasam os investimentos, encarece a dívida do governo e oneram o fiscal”. “Acreditamos no bom senso de que vamos ter redução da taxa de juros”, disse Alckmin.
FERNANDO HADDAD
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou sobre o novo arcabouço fiscal e disse que o governo considera que os juros estão excessivamente altos. “Nossa inflação está mais controlada que no resto do mundo. Nossa taxa de juros está exageradamente elevada, o que significa espaço para cortes no momento em que a economia brasileira pode e deve decolar. Não temos porque temer no Brasil tomar as decisões corretas tanto do ponto de vista do arcabouço fiscal quanto monetário, porque há espaço para isso”, declarou Haddad.
ALOYSIO MERCADANTE
Aloysio Mercadante, presidente do BNDES, criticou não só a taxa Selic definidas pelo BC, quanto as taxas de longo prazo que, segundo ele, impedem a reindustrialização do país. “Nós tivemos um crescimento em 2022 de 2,9% do PIB. No último trimestre do ano foi menos 0,2%. A perspectiva de crescimento para este ano é muito baixa, abaixo de 1%. Nós não podemos aceitar que continue assim”, declarou o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, na segunda-feira (20), na abertura do seminário “Estratégias de Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”, promovido pelo banco de fomento.
Ao afirmar que “nós não podemos aceitar a tese de que o país não tem como se reindustrializar”, Mercadante defendeu a retomada do investimento que “o Brasil espera para geração de emprego e produção”. E, para isso, “nós vamos ter que enfrentar alguns temas sensíveis”, disse o presidente do BNDES, referindo-se às altas taxas de juros do país. “Nós estamos com uma taxa básica de juros e também do BNDES, com a TLP, numa situação de um custo muito elevado e pouco competitivo”.
JOSEPH STIGLITZ
O vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor da Universidade de Columbia (EUA), Joseph Stiglitz, definiu a taxa básica de juros no Brasil como “chocante”. “É tipo de taxa de juros que vai matar qualquer economia”. Para Joseph Stiglitz, “juros altos são contraproducentes, pois podem levar a mais inflação, aumentam o custo da dívida pública e reduzem os recursos do governo para investimentos necessários ao crescimento econômico”, afirmou.
“A taxa de juros de vocês é de fato chocante. Os números que vocês estão falando é de 13,75%, ou 8% (de juros) real, é tipo de taxa de juros que vai matar qualquer economia. Eu acho impressionante que o Brasil tenha sobrevivido, o que seria de fato uma pena de morte. Eu acho que vocês têm conseguido sobreviver a esse tipo de alta taxa de juros é porque vocês têm bancos de desenvolvimento estatais.
“As ideias econômicas centrais nos últimos 40 anos estão sendo revistas e desacreditadas. A razão é que o crescimento esteve lento na era neoliberal e todos os benefícios gerados foram para as elites econômicas. Há 40 anos de evidências de que o neoliberalismo é segregador de riqueza. O crescimento da desigualdade torna óbvio que é necessário alternativas às políticas monetárias. O Brasil tem sobrevivido apesar da sentença de morte. Isso porque o Brasil tem bancos de desenvolvimento que proveram juros baixos”, explicou o economista.
“A justificativas para as altas taxas de juros e tudo fica por conta da inflação, mas mesmo nos Estados Unidos, em que as taxas de juros são muito mais baixas que as de vocês, há uma grande discussão dessas altas taxas de juros não serem justificadas pela inflação que estamos vivendo. Na verdade, essas altas taxas de juros são contraprodutivas. Elas, na verdade, estão exacerbando a inflação”, ressaltou o economista.
Sobre o papel dos bancos centrais, Stiglitz ressaltou que BCs independentes não podem operar afastados de seus compromissos democráticos com a sociedade. Paul Volker, ex-presidente do FED (governos Carter e Reagan), dizia que o congresso americano criou o FED da mesma forma que poderia fechá-lo, segundo Stiglitz, numa demonstração de compromisso com o poder eleito. “Mesmo BCs independentes precisam ser mais representativos. Na Suécia, eles têm um membro representante dos trabalhadores. Aqui na América Latina, há exemplos do impedimento de pessoas do mercado financeiro serem membros da diretoria dos BCs, por conflito de interesses”, declarou.
LARA RESENDE
O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, abriu o painel sobre a experiência internacional ao destacar que, a crise das economias avançadas em 2008 e, também, o pós-pandemia forçaram a revisão das teorias macroeconômicas. As políticas fiscal e monetária não podem mais ser concebidas como independentes. “Para retirar o país da estagnação, é necessário conceber que o Estado é parte do projeto, não há como suprimir o Estado, não existe capitalismo sem o Estado competente”, defendeu Lara Resende.
JAMES GAILBRAITH
O professor James Kenneth Gailbraith, economista norte-americano, da Universidade do Texas, que escreveu junto com seu pai, John Kenneth Gailbraith, umm dos maiores estudos sobre a crise de 1929, destacou que a questão principal do Brasil, hoje, são os juros altos. “A maior taxa do mundo, para uma economia grande como essa, tem profundo efeito sobre a desigualdade, pois a agrava”, alertou, acrescentando que uma política de juros excessivos tende a represar investimentos privados e aumentar o desemprego, o que acaba por desestimular o consumo.
Para Gailbraith, o desenvolvimento socioeconômico pode ser promovido no médio prazo com juros mais baixos, mas não apenas. Citando os exemplos do New Deal americano e da economia planejada da China, Gailbraith descreveu como os chineses concentraram investimentos em educação, saúde e infraestrutura, como forma de garantir urbanização de qualidade, com produtividade e preços baixos. “A China converteu a prosperidade do estado socialista em mercado de consumo, mas também, trouxe muitas ideias do Brasil. O Brasil poderia ter avançado mais com juros baixos, investimento alto e tributação mais justa”, disse o professor da Lyndon B Johnson School of Public Affairs.
“O Brasil é um dos lugares mais seguros do mundo para o investimento estar, pois está melhor que muitos países da Europa. Tem uma estrutura financeira sólida, que protegeu bem o país na crise de 2008. Mas a política atual de juros altos precisa ser abandonada pois é insustentável, principalmente, com a crise climática”, afirmou.
JEFFREY SACHS
O economista e professor da Universidade de Columbia (EUA), Jeffrey Sachs, afirmou que “o Brasil é punido por taxas de juros altíssimas, por políticas de juros altos do Banco Central, muito difíceis de explicar”, acrescentando que a “situação fiscal do Brasil é totalmente distorcida através de juros extraordinariamente altos”. Sachs foi um dos palestrantes do seminário “Estratégias de desenvolvimento sustentável para o século XXI”, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), promovido na segunda e última terça-feira (21), no Rio de Janeiro.
“Não é o momento para austeridade fiscal”, ressaltou o professor da Universidade de Columbia, acrescentando que o momento atual pede o “aumento dos investimentos públicos, significativo, principalmente com infraestrutura e capital humano”. “Juros altos é um dos impedimentos ao investimento público porque o financiamento está indo para o pagamento de juros em vez de infraestrutura, saneamento, habitação, energia verde ou outros investimentos públicos de alta prioridade”, alertou Sachs.
JAYATI GHOSH
Para a doutora pela Universidade de Massachusetts Amherst, Jayati Ghosh, “mesmo em países com orçamentos baixos não investir na capacidade do Estado tem como consequência o enfraquecimento da economia. E os juros altos, claro, inibem esses investimentos”.
Segundo a especialista, juros altos obedecem a uma questão essencialmente política, o que fica claro pela obsessão no superávit. “Isso não tem base econômica, beira o masoquismo. Bancos centrais e autônomos são suscetíveis a capturas políticas. O débito público brasileiro está sob controle. Então faria muito mais sentido expandir o produto interno bruto do que implantar esta austeridade fiscal”, completou Ghosh.
ESTHER DWECK
Para Esther Dweck, a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do governo Lula, “estamos em um momento novo, de reconstrução e união. “O BNDES também é uma das grandes instituições brasileiras sendo reconstruída”. “Nunca entendi por que o BNDES não teve uma participação ainda mais relevante durante a crise da pandemia”, declarou. Segundo a ministra, o Banco será um dos grandes motores do desenvolvimento brasileiro.
LEONARDO BURLAMARQUI
Na vez do professor do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Leonardo Burlamarqui, houve a apresentação de um gráfico com o comparativo histórico do crescimento dos países ditos emergentes dos anos 60 até os dias atuais. Os números evidenciam um crescimento paritário do Brasil com os demais países entre os anos 60 e 70, mas com a deterioração a partir dos anos 80. “Nós já fomos uma China, nós já fomos uma Coreia do Sul, mas nos desenvolvemos sob uma arquitetura financeira frágil, que teve um fim, e que até hoje não foi rediscutida”, explicou.
De acordo com Bulamarqui, a ideia de se pensar a economia sem a presença do Estado levou ao desaparecimento das estratégias de crescimento robustas e de longo prazo. ”Crescimento tem a ver com mudanças estruturais, e o equilíbrio geral não propicia esse fenômeno”, explicou. “Nós precisamos retomar a questão do Estado como indutor de crescimento, como organizador da ação coletiva empresarial”.
O professor concluiu o debate com uma provocação à plateia. “Pergunta que deixo aqui é se o fim do estado desenvolvimentista e o fim do crescimento são apenas correlação ou possuem elementos de causalidade?”
TEREZA CAMPELLO
A diretora do BNDES, Tereza Campello, foi outra a defender o protagonismo do setor público no estabelecimento das agendas e diretrizes econômicas. “Quando a gente pensa no futuro, três dimensões precisam constar neste debate: a superação das amarras coloniais, a reconstrução do Brasil e, indo além, a transformação das estruturas produtivas e sócias do país. E em todas estas etapas, o Estado deve se postar como indutor do desenvolvimento”, analisou.
Tereza enfatizou que a transição econômica do Brasil deve ter como fundamentos modelos produtivos sustentáveis, responsabilidade climática, empregos verdes e a redução das desigualdades. “A agenda social e ambiental precisam definitivamente ser incorporada também à lógica econômica”, explicou. A diretora do BNDES citou a própria instituição como exemplo deste novo paradigma, em que a preocupação com a sustentabilidade socioambiental “perpassa o conjunto de negócios do BNDES como elemento central”.