Parecer apresentado na Câmara permite a dupla porta no SUS, o aumento das mensalidades para os maiores de 59 anos e multas irrisórias para operadoras de planos
O projeto de lei que muda as regras atuais dos planos de saúde no país teve seu parecer apresentado na última quarta-feira (18), pelo relator Rogério Marinho (PSDB/RN). A proposta sede a pressão das operadoras de saúde, após queda no número de beneficiários, e propõe diversas mudanças que prejudicam os consumidores. O projeto, que já foi aprovado no Senado, tramita agora em regime de urgência na Câmara, e reflete o alinhamento do ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP) e do governo Temer com as operadoras.
Entre as alterações propostas estão o fim da lei proíbe reajuste por idade após os 60 anos, a redução no rol de procedimentos cobertos obrigatoriamente pelos planos de saúde, cobertura apenas regional, aumento da participação do usuário no pagamento de procedimentos, liberação de aumentos para planos individuais, até a impossibilidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A urgência na Câmara impede que seja apresentado pedido de visto ao texto, o que significa que possíveis mudanças terão que ser negociadas com Marinho para serem por ele inclusas. Já o presidente da comissão, deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), marcou a votação para o dia 8 de novembro.
Para os órgãos de defesa do consumidor, a maior parte das mudanças só retira direitos dos usuários de planos de saúde. A Coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública, Patrícia Cardoso, destacou que “uma mudança na lei dessa magnitude, com mais de uma centena de projetos apensados, não devia tramitar em regime de urgência. A Defensoria, que atende diariamente milhares de consumidores que trazem seus problemas com planos de saúde, devia ser ouvida. A nossa experiência deveria ser levada em conta, assim como a do Ministério Público. Esse processo não está sendo nada democrático”.
IDOSOS
Proibido pelo estatuto do idoso, o aumento por faixa etária está sendo tratado como uma forma de “proteger o idoso”, para Barros os percentuais de aumento são “geralmente baixos”, e por isso as operadoras a deixaram de ofertar planos para idosos, e garantiu que essa proposta vai melhorar as condições de acesso aos planos para esta faixa etária. O ministro destaca ainda que “a regra foi criada para proteger, mas na prática, acaba expulsando o idoso”.
Hoje, para essa faixa etária, são permitidos os reajustes no aniversário do plano e proibidos os reajustes por faixa etária, a nova proposta pretende permitir também os aumentos por faixa etária.
Já para Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a mudança trás mais insegurança para os idosos e deve aumentar o volume de processos judiciais, já que a maioria dos reajustes é tido como abusivo, “depois dos 60 anos, as pessoas perdem rendimentos e aumentam os gastos em saúde”. Para ele, é preciso conter os reajustes abusivos, ao invés de deixar as operadoras regularem a situação.
“POPULARES”
O relator da reforma da Lei dos Planos de Saúde, assim como o governo, propõe a criação de planos de saúde mais baratos, mas com coberturas reduzidas.
A proposta prevê que os planos tenham como carro chefe o Plano simplificado, que inclui atenção primária (atendimento não-especializado), consultas com especialistas e exames de diagnóstico de baixa e média complexidade. Não estando inclusos atendimentos de urgência e emergência, internação, terapias ou exames de alta complexidade.
O que para as entidades médicas não resolve o problema, já que segundo dados do ministério da Saúde, o gasto do governo com a atenção básica (equivalente a este Plano simplificado) representou, em 2015, 13,7% do orçamento do ministério, enquanto as despesas com procedimentos de média e alta complexidade consumiram 42,1%.
MULTAS
O projeto também propõe uma drástica redução no valor das multas pagas pelas operadoras por abusos, erros e descumprimento de contrato. Pela lei atual, operadoras que negam atendimento ou descumprem prazos fixados estão sujeitas a multas entre R$ 5 mil e R$ 1 milhão. O parecer retira o valor mínimo e propõe que as multas não ultrapassem dez vezes o valor do procedimento. Assim, se uma consulta custa R$ 70, o valor da multa seria de até R$ 700. Para o relator da proposta, medida garantiria a “sobrevivência” dos planos.
Além disso, a proposta prevê que cooperativas, como a Unimed, e planos de autogestão tenham parte das regras flexibilizadas, como, por exemplo, exigência de caixa suficiente para gerenciar suas dívidas.
Já para Mário Scheffer, a proposta vai estimular o descumprimento dos prazos, “a multa tem que ser alta para que os planos não pratiquem mais o abuso. Da forma como ficou, é um bom negócio para as operadoras”, destacou.
RESSARCIMENTO
O projeto também altera a forma como é recolhido o ressarcimento ao SUS, feito quando uma operadora reembolsa a União por um usuário conveniado ter utilizado o serviço público. Esta cobrança visa evitar que as operadoras deixem de ofertar ao seu usuário os serviços que estavam contratados, obrigando o paciente a recorrer ao SUS. Atualmente, os valores são direcionados ao Fundo Nacional de Saúde, mas a proposta é que os recursos sejam pagos diretamente pelas operadoras aos estados ou municípios.
Para Scheffer, a negociação dos planos diretamente com os governos estaduais tende a enfraquecer o SUS, abrindo “espaço para a dupla porta”. Isso significa que os governos terão mais liberdade para negociar com as operadoras parte dos hospitais públicos para atendimento privado com o objetivo de aumentar a arrecadação.
A dupla porta é apresentada como ressarcimento ao SUS, mas na verdade, é uma política de “cotas invertida”. A lógica nos hospitais públicos passa a ser particulares e conveniados, primeiro, e os usuários do SUS, depois.
CAMILA SEVERO