“O problema brasileiro não está só na manutenção da Selic em 13,75%, mas sobretudo na intensidade e na rapidez com as quais os juros foram levados a esse patamar — foi esse o erro de política monetária”, afirmou a economista Monica de Bolle, ex-diretora ex-diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica (IEPE/Casa das Garças), membro sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins (EUA), em artigo, ao analisar o resultado da decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central que manteve a taxa básica de juros em 13,75%, na quarta-feira (23).
“Apesar de afirmar que há riscos em ambas as direções, isto é, riscos de inflação mais alta e riscos de inflação mais baixa, não há um julgamento sobre qual o cenário mais provável. Tampouco há um julgamento sobre qual das duas possibilidades traria maiores danos à economia brasileira. Ou seja, o Banco Central cita os resultados de seus modelos, mas não os interpreta à luz da decisão sobre a política monetária”, diz a economista.
“Apesar de todas as considerações tecidas e apresentadas, inclusive a avaliação de que há riscos de desinflação adicionais condicionados ao já elevado patamar dos juros, estão descartadas as possibilidades de redução da Selic. Não há nexo. A impressão que dá é a de que o Banco Central está monitorando duas linhas do tempo distintas no multiverso, mas apenas se importa com uma delas”, argumentou a economista.
Reproduzimos a seguir a íntegra do artigo.
O BANCO CENTRAL NO MULTIVERSO
MONICA DE BOLLE*
Ontem o Fed aumentou os juros. Ontem o Banco Central do Brasil manteve os juros. Hoje o Banco da Inglaterra aumentou os juros. Hoje o Banco da Suíça aumentou os juros. Estão todos errados? Devemos julgá-los e condená-los à revelia, sem ao menos tentar entender que a política monetária não é assunto fácil? Vale fazer briga de torcida no Twitter e nos jornais por causa das decisões dos bancos centrais quando a meioria não entende o que são os juros, o que determina a inflação, como os bancos centrais tomam decisões? Para quê tanto ruído?
Comecemos pelo caso da Suíça. Segundo os dados de fevereiro, o país está com uma inflação de 3,4% e, nessa manhã, anunciou um aumento de juros de 50 pontos-base. Maior do que o do Fed, maior do que o do Banco da Inglaterra. A Suíça acaba de enfrentar uma turbulência bancária de grande magnitude com a compra do Credit Suisse pelo banco UBS. O Credit Suisse era o segundo maior banco da Suíça. O UBS era o maior, agora é o único. Mesmo diante dessa situação e dos riscos a ela atrelados, o julgamento da autoridade monetária foi o de que os riscos inflacionários ainda são mais danosos do que qualquer outro. Guardem a palavra “julgamento”. Ela importa.
No Brasil, atacam e defendem o Banco Central devido à decisão do COPOM pela manutenção dos juros. Contudo, o problema brasileiro não pode ser reduzido à decisão de um dia. O problema brasileiro não está só na manutenção da Selic em 13,75%, mas sobretudo na intensidade e na rapidez com as quais os juros foram levados a esse patamar — foi esse o erro de política monetária. Quantos dos que agora gritam se manifestaram quando estava o ciclo de alta de juros em andamento? Basta procurar no Twitter para responder a essa pergunta. Assim como basta observar a dinâmica do Twitter para ver o quão descompensadas estão as pessoas.
Tratemos do tema com a devida seriedade. Primeiramente, enfrentemos o fato concreto: a trajetória equivocada dos juros são favas contadas. Como, então, devemos entender a decisão do COPOM? Há um comunicado que tenta explicar os motivos e os julgamentos — notem a palavra — que levaram o colegiado a votar pela manutenção da Selic nos atuais 13,75%. Essa taxa é demasiado elevada? É. O Banco Central sabe disso? Em alguma medida, sim. Entretanto, o comunicado oferece pistas sugestivas de que a autoridade monetária brasileira esteja com mais dificuldades para interpretar os sinais de um cenário global complexo do que outros bancos centrais ao redor do mundo. O comunicado publicado é confuso, de difícil interpretação, e não fornece qualquer visão clara sobre o julgamento dos membros do colegiado. Trata-se de um comunicado fraco, ruim, o que é apenas parcialmente justificado pelas dificuldades do momento. O cuidado com a comunicação é de extrema importância na condução da política monetária.
Teria sido mais fácil de compreender a manutenção da Selic caso o Banco Central tivesse exposto com a devida clareza o seu julgamento a respeito dos riscos que aponta. O comunicado apresenta a seguinte leitura dos cenários:
“O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública; e (iii) uma desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação para prazos mais longos. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global; e (iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.”
Contudo, apesar de afirmar que há riscos em ambas as direções, isto é, riscos de inflação mais alta e riscos de inflação mais baixa, não há um julgamento sobre qual o cenário mais provável. Tampouco há um julgamento sobre qual das duas possibilidades traria maiores danos à economia brasileira. Ou seja, o Banco Central cita os resultados de seus modelos, mas não os interpreta à luz da decisão sobre a política monetária. Em contrapartida, os comunicados dos demais bancos centrais que tomaram decisões sobre os juros entre ontem e hoje são bastante claros em suas considerações e julgamentos.
Para justificar a manutenção dos juros, o Banco Central se limita ao mantra das expectativas desancoradas. Ora, expectativas desancoradas são endógenas aos momentos de turbulência. E, há turbulência no mundo, conforme a avaliação geral, inclusive a do próprio COPOM. Além do mais, as formas de medir expectativas no Brasil são demasiado frágeis e suscetíveis a grandes erros. Portanto, fundamentar a decisão nas expectativas não demonstra o rigor necessário, tampouco convence. Não à toa, surgem as especulações de que a decisão do COPOM tenha sido motivada por “teimosia”, ou por razões políticas, dando continuidade ao embate com o Presidente da República. Ressalto que essas são leituras especulativas dos acontecimentos feitas por muitos. Leituras especulativas não são análise.
De todos, o parágrafo mais dissonante do comunicado é o último:
“Considerando a incerteza ao redor de seus cenários, o Comitê segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional, especialmente em prazos mais longos. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.”
Esse parágrafo afirma que, apesar de todas as considerações tecidas e apresentadas, inclusive a avaliação de que há riscos de desinflação adicionais condicionados ao já elevado patamar dos juros, estão descartadas as possibilidades de redução da Selic. Não há nexo. A impressão que dá é a de que o Banco Central está monitorando duas linhas do tempo distintas no multiverso, mas apenas se importa com uma delas.
Se há uma crítica contundente a ser feita sobre o Banco Central, esta é: esse não é um comunicado condizente com um Banco Central que compreende seus dilemas. É difícil imaginar algo pior no quadro delicado em que está o país.
*Monica de Bolle, economista, professora da Johns Hopkins University, em Washington
Reproduzido do Monica’s Newsletter