Dono de locadora de veículos foi um dos principais doadores da campanha de Zema ao governo de Minas Gerais
O governo de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais atua pela aprovação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) de uma lei que perdoa parte das dívidas tributárias de locadoras de veículos e altera a lei para impedir novas cobranças.
Trata-se de uma tentativa de corte da tributação da venda de seminovos, hoje responsável pela maior parte das receitas destas empresas. Se aprovada, a mudança legislativa vai beneficiar centenas de empresas instaladas no estado, em especial o grupo Localiza, controlado pela família do bilionário empresário Salim Mattar, que é do partido Novo e financiou a campanha de Zema.
Ex-secretário de Desestatização e Privatização do governo de Jair Bolsonaro (PL), atualmente Mattar é consultor especial da gestão Zema, um cargo considerado estratégico, mas sem remuneração.
O empresário afirma ter deixado a iniciativa privada em 2018, na véspera de seu embarque no governo Bolsonaro, mas segue como um dos maiores acionistas individuais da Localiza. Ele detém 37,9 milhões de ações (3,88% da companhia), o que equivale a R$ 1,97 bilhão, levando em conta a cotação na tarde da última quarta (22).
A mudança na regra de tributação de locadoras foi proposta um projeto de lei em tramitação na ALMG que trata do compartilhamento com municípios de informações sobre frotas de carros no estado.
Por isso, é tratada pelos deputados mineiros como um “jabuti”. No jargão legislativo, “jabuti” é a inclusão de artigo em uma proposta legislativa sem relação com o texto original.
Esse “jabuti” foi chamado de “emenda Salim Mattar” por opositores e a manobra do aliado de Zema foi denunciada antes que siga para plenário, no segundo turno de votação, o projeto de lei 2803/2021, que tinha sido apresentado como uma medida para melhorar a transparência e a fiscalização na cobrança de IPVA.
Mas, com o jabuti, pode acabar privilegiando financeiramente locadoras de automóveis, ainda de acordo com a oposição.
Isso porque, depois de aprovado o texto do projeto em primeiro turno, o deputado Zé Guilherme (PP), o relator da proposta, apresentou um novo substitutivo com esse jabuti, uma emenda que mantém o IPVA reduzido a 1% do valor do veículo para empresas locadoras de automóveis, como a Localiza, e anula norma anterior para impedir a cobrança de uma diferença proporcional de alíquota no ano da venda dos veículos de locadoras.
Sem a redução, donos de carros pagam 4% de IPVA pela propriedade de automóveis de passeio em Minas Gerais. A revenda de semi-novos virou um dos principais filões da Localiza e de concorrentes. A redução no IPVA pode propiciar mais de R$ 1 bilhão em lucros para as locadoras e em perdas para a arrecadação estadual, acusa a oposição.
Isso porque, de quebra, o substitutivo também impõe que esse desconto no IPVA seja vigente a partir de 29 de dezembro de 2017, o que fez a oposição denunciar que, com essa retroatividade, poderia ser fabricada uma restituição do imposto pago por locadoras.
“Há, sim, perda de IPVA para o estado. O prejuízo imediato da medida é de cerca de R$ 1,1 bilhão por ser retroativa a 2017”, afirmou à coluna o deputado estadual professor Cleiton (PV), do bloco oposicionista.
“O projeto em si é positivo. O problema foi uma emenda ‘jabuti’, feita no substitutivo, que, ao nosso ver, está concedendo um verdadeiro privilégio para um setor bilionário que já possui vários benefícios”, acrescenta.
O líder da minoria, deputado Jean Freire (PT), quer impedir o avanço do “jabuti” com a realização de audiências públicas e manobras regimentais. “O estado precisa de recursos, então não se pode abrir mão assim de IPVA. Isso em um estado que vem pleiteando adesão ao regime de recuperação fiscal. A gente já achava estranha essa intenção de mudar a cobrança. Ficou pior ainda com esse efeito retroativo”, afirmou Freire.
Aliados de Zema dizem que o governo estadual nunca cobrou a diferença de IPVA (de 1% para 4%) das locadoras no momento da venda dos veículos, porque esse dispositivo legal nunca foi regulamentado. Por isso, esses aliados negam que a proposta tenha capacidade de restituir impostos pagos, se aprovada.
Ainda, O Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG) estima em cerca de R$ 600 milhões o valor devido pelo setor no estado em função desta cobrança complementar, cálculo que não considera juros e correção.
A conta deve ser vista com ressalva porque, de acordo com a lei, a complementação tributária deve ser calculada a partir da data de venda de cada veículo. Este dado não está disponível, por ser protegido por sigilo fiscal.
Apesar de valer desde 1º de janeiro de 2018, a cobrança complementar de IPVA não vinha ocorrendo por conta de dificuldades tecnológicas. O sistema de cobrança do estado não foi adaptado à dupla possibilidade de cobrança, em um ano, para um mesmo veículo, de acordo com auditores fiscais ouvidos pela reportagem.
Em 2021, o governo ingressou com uma ação contra a Assembleia de Minas denunciado suposta inconstitucionalidade da cobrança adicional às locadoras, mas o Tribunal de Justiça mineiro indeferiu o pedido liminar feito pelo estado.
Diante do risco de ser responsabilizado pela prescrição de crédito tributário do primeiro ano de vigência da lei (o prazo para cobrança é de cinco anos), no início de dezembro de 2022 a gestão Zema editou decreto determinando que a complementação do imposto de carros revendidos pelas locadoras em 2018 deveria ser paga até o fim daquele mês.
Dez dias depois, o juiz Marcelo da Cruz Trigueiro, da 3ª Vara de Feitos Tributários do Estado, concedeu liminar suspendendo os efeitos do decreto até que o assunto fosse discutido judicialmente. Ele atendeu a um pedido formulado por cinco locadoras mineiras, entre elas a Localiza.
DOAÇÕES
A oposição critica ainda o mérito da proposta porque Mattar foi um dos principais doadores de Zema nas eleições. No ano passado, Salim deu R$ 1,5 milhão para o Partido Novo, que foram usados na campanha de Zema. Seu irmão, Eugênio Mattar, também sócio da Localiza, doou igualmente R$ 1,5 milhão indiretamente para Zema.
Empresários costumam doar a partidos quando tentam ocultar vínculos com candidatos beneficiados. Outros sócios da dupla também fizeram contribuições eleitorais para Zema. Em 2018, Salim Mattar tinha doado diretamente R$ 700 mil para Zema.
A oposição também viu digitais do governador mineiro no jabuti porque o relator, Zé Guilherme, é pai do ex-deputado Marcelo Aro (PP), um dos principais articuladores políticos de Zema, que deve também virar secretário-chefe da Casa Civil, se a Assembleia Legislativa aprovar a criação da pasta.