“Elas foram instrumentalizadas e se permitiram instrumentalizar”. “A extrema-direita primeiro diagnosticou e depois capturou todas as redes sociais para atacar a democracia”, disse o ministro do STF em palestra na Fundação FHC
Em palestra na Fundação FHC, na última sexta-feira (31), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou a defender a regulação das redes sociais e afirmou que a extrema-direita capturou, no mundo todo, essas plataformas para atacar as democracias.
No evento, com o tema “O STF e a defesa da democracia”, Moraes manteve a defesa que tem feito pela punição das redes.
“Todos devem ser responsabilizados, todos, e nós temos que ver mecanismos para evitar que isso ocorra novamente. Inclusive, métodos de responsabilização das redes sociais. Elas foram instrumentalizadas e se permitiram instrumentalizar”, concluiu.
No Brasil, por meio do chamado bolsonarismo, portanto, a partir da eleição, em 2018, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os extremistas, sob a liderança do ex-chefe do Executivo, passaram a atacar a democracia e o Estado de Direito.
Foi assim durante todo o mandato presidencial de Bolsonaro.
“Nós tivemos, no mundo todo, uma captura das redes sociais pela extrema-direita com uma clara finalidade: de ataque à democracia, de quebra das regras democráticas. De forma absurdamente competente, e é necessário reconhecer isso, a extrema-direita primeiro diagnosticou e depois capturou todas as redes sociais”, afirmou.
Na avaliação dele, o sistema democrático foi “atacado por dentro”, e o primeiro alvo foi a imprensa.
“Como corroer por dentro a democracia? Porque é a grande diferença. A diferença não foi atacar de fora a democracia, com os tradicionais golpes, como golpe militar ou golpe de uma elite apoiada por militares”, chamou a atenção Moraes.
E completou: “Foi desgastar a democracia, atacar os três pilares básicos das democracias ocidentais: a liberdade de imprensa, eleições livres e Judiciário independente e autônomo”.
AMEAÇAS A MINISTROS DO STF
Moraes relatou como os bolsonaristas incitaram violência contra os ministros do STF que poderiam resultar em tragédia.
Ele disse que ao aliados de Bolsonaro passaram a divulgar na internet informações sobre a rotina dos magistrados, com estímulos a ataques.
“Nas redes sociais, havia endereço dos ministros, roteiro, horários, incentivando [a pessoa] a fingir que ia pedir autógrafo pra esfaquear em aeroporto. Tudo isso por rede social, em grupos. Tinha a planta do STF pra colocar bomba ali, bomba aqui. Ou seja, para amedrontar”, disse Moraes.
Segundo Moraes, essa “campanha de terrorismo” poderia ocasionar o surgimento de “lobos solitários”.
“Alguém que está nessa bolha acorda um dia e fala: ‘O STF precisa acabar, eu vou matar um ministro’. E todos que entendem de segurança sabem que o mais difícil de evitar é o lobo solitário”, declarou.
“No momento em que o STF abaixasse a cabeça, como o STF poderia exigir que o juiz de 1ª instância enfrentasse os políticos locais? Se a cúpula do poder Judiciário não enfrenta, você não pode exigir q um juiz enfrente. E a queda do STF seria a queda do poder judiciário brasileiro e a queda do estado democrático de direito”, afirmou.
O ministro denunciou as manobras torpes da campanha de Bolsonaro contra as eleições e a Justiça Eleitoral.
“[Houve] a grande e patética manobra do PL, depois das eleições, pedindo, numa terça-feira, a anulação. […] O que importa não é só o pedido, era a narrativa, a expectativa de que, ao instruir, ganhariam tempo para aumentar isso. E o que houve, imediatamente, isso não levou nem meia hora, o aditamento. Por que a urna do primeiro turno, que é igual à do segundo turno, é boa? ‘Porque eu ganhei’. E a segunda é ruim? ‘Porque eu perdi’. Não houve o aditamento, houve uma multa módica [ao partido] de R$ 22,7 milhões”, pontuou.
“A tentativa de melar as eleições na véspera – uma segunda-feira, o segundo turno era no domingo. Na segunda-feira, [a campanha] disse que 30 mil inserções de rádios de um dos candidatos tinham sido suprimidas, para o TSE determinar imediatamente o adiamento do segundo turno ou reposição das inserções. Um negócio patético, se não fosse agressivo à democracia”, sentenciou.
8 DE JANEIRO
O ministro do STF e presidente do TSE creditou os ataques do 8 de janeiro contra os Três Poderes, em Brasília, à lavagem cerebral praticada pelas milícias digitais através da internet.
“No fundo, ela [pessoa apoiadora de Bolsonaro] sabe que não tem fraude, que é um discurso, que foi uma lavagem cerebral. Tanto foi que, entre abstenção, voto nulo e voto em branco, somados, foi o menor número de pessoas das últimas 10 eleições, proporcionalmente. Em outras palavras: foi o maior número de votos em candidatos”.
“Não é fácil tentar atentar contra a democracia. Essas pessoas que depredaram as sedes dos 3 poderes, […] eu fui ao presídio com a ministra Rosa Weber, várias alienadas, acham que não fizeram nada, acham que foram se manifestar. Uma delas disse que estava passando por perto e Deus disse para ela se refugiar debaixo da mesa do presidente do Senado e que por isso ela entrou. É um negócio assustador o que essa lavagem cerebral das milícias digitais está fazendo com inúmeras pessoas”, acrescentou.
ARMADILHA
Moraes advertiu para discurso enganador da extrema-direita que apregoa uma falsa liberdade de expressão para seus atos criminosos.
“Não podemos cair na armadilha da extrema direita de achar que estamos regulando liberdade de expressão. Esta é a grande armadilha, o grande discurso e a narrativa que a extrema direita no mundo todo conseguiu construir. Tudo é ‘minha liberdade de expressão’. Isso foi pegando, as pessoas se sentiram à vontade para voltar a ser racistas, homofóbicas e nazistas. ‘Liberdade de expressão’. Pode no mundo real? […] Se pode no mundo real, pode aqui também. Não pode mundo real? É crime? É crime aqui também”.
FALÊNCIA DOS MODELOS DE REGULAÇÃO DAS PLATAFORMAS
Nesta semana, durante audiência pública no STF, na presença de representantes das plataformas responsáveis por redes e aplicativos, o ministro disse que o atual modelo de regulação era “falido” e havia “instrumentalizado” os ataques criminosos de 8 de janeiro.
Advogados de empresas negaram que as plataformas foram omissas na retirada de conteúdos ilegais.
Mas efetivamente foram. Até que, por iniciativa do TSE, começou-se a construir mecanismos de colaboração e atuação contra as ilegalidades cometidas nas redes sociais, por meio das plataformas.
A audiência foi convocada a partir de duas ações que tramitam na Corte. Nessas, o Supremo pode decidir em breve sobre nova legislação para a responsabilização das empresas de provedores sobre o conteúdo ilegal e ofensivo postado por usuários.
MARCO CIVIL DA INTERNET
Atualmente, a responsabilidade das redes está prevista no Marco Civil da Internet, mas as empresas só são punidas quando descumprem decisão judicial que determinou a retirada de determinado conteúdo do ar.