Afirmou que só ficou sabendo das joias apreendidas um ano depois do ocorrido. Ajudante de ordem tentou livrar o chefe dizendo que ele não foi enfático quando mandou buscar as joias
Jair Bolsonaro afirmou em depoimento à Polícia Federal, nesta quarta-feira (5), que ficou sabendo da existência das joias sauditas milionárias em dezembro de 2022, mais de um ano após elas terem chegado ao país.
Um ofício do gabinete da Presidência da República, porém, desmente a declaração do “maníaco da joias”. Este documento foi enviado ao ministério de Minas e Energia apenas três dias depois da apreensão dos itens, solicitando que os objetos fossem encaminhados para que pudessem ser incorporadas ao “acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”.
Ele tentou ainda enrolar a PF dizendo também que não se lembra de quem o avisou da apreensão das joias pela Receita Federal.
O depoimento, na sede da PF em Brasília, durou cerca 3 horas. Ele foi chamado a se explicar sobre a tentativa de embolsar os três conjuntos de joias dados de presente pelo governo da Arábia Saudita a ele e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Um deles, no valor de R$ 16,5 milhões, foi apreendido no aeroporto de Guarulhos. Ele tentou introduzir as joias clandestinamente no país.
O conjunto retido pela Receita estava escondido na mochila de um assessor do Ministério de Minas e Energia, que voltava com uma comitiva da pasta de uma viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2021. O assessor, Marcos Soeiro, tentou passar pela alfândega sem declarar as joias, o que é irregular. Na ocasião, o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que também estava na comitiva, disse que as joias eram para Michelle.
O inquérito da PF apura se Bolsonaro cometeu o crime de peculato ao tentar ficar com as joias, em especial o conjunto, avaliado em R$ 16 milhões, que foi retido pela Receita Federal em outubro de 2021. Ele fez oito tentativas de retirar as joias retidas, inclusive na véspera de sair do governo. A pena para este tipo de crime varia de 2 a 12 anos de prisão, além do pagamento de multa.
Outros dois conjuntos de joias conseguiram entrar escondidos no país, também sem ser declarados. Esses dois foram parar nas mãos de Bolsonaro que foi obrigado a devolvê-los para o Poder Público. Após o caso se tornar público, em reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” em fevereiro deste ano, Bolsonaro foi obrigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a devolver para o Estado esses dois conjuntos.
O depoimento foi dado ao delegado Adalto Machado, titular da investigação que apura a tentativa de Bolsonaro de entrar no Brasil com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões. Além das joias, Bolsonaro também teve que responder a perguntas sobre o recebimento de armas, um fuzil e uma pistola, dos Emirados Árabes Unidos.
Foram dez depoimentos de todos os envolvidos, prestados ao mesmo tempo em Brasília, São Paulo e no Rio de Janeiro. O objetivo da polícia é confrontar informações e impedir compartilhamentos de estratégias de defesa. O ajudante de ordens do ex-chefe do Executivo, tenente-coronel Mauro Cid foi ouvido em São Paulo.
Ele era o homem de confiança de Bolsonaro, a quem era subordinado e cumpria determinações. Fontes próximas ao militar reforçaram que “Cid não dava um passo nem tomava um copo d’água sem autorização do ex-presidente”. No depoimento, segundo fontes da Polícia Federal, Mauro Cid afirmou que buscar presentes recebidos por Bolsonaro era algo “normal” na Ajudância de Ordens da Presidência.
No depoimento, o militar também tentou contemporizar a responsabilidade de Bolsonaro no caso. Mauro Cid afirmou que Bolsonaro não deu uma ordem enfática para que mandasse retirar as joias. O ex-ajudante de ordens disse que o chefe teria pedido para ele “verificar” a situação do conjunto de joias apreendido na alfândega. Essa tinha sido a oitava tentativa de Bolsonaro de mebolsar as joias milionárias.
Bolsonaro foi interrogado na sede da PF em Brasília. A mesma sede que, em dezembro de 2022, virou um cenário de guerra, após a sede da PF ser alvo de tentativa de invasão por apoiadores de Bolsonaro, em retaliação à prisão de Cacique Tserere, um pastor que se fazia passar por líder do grupo indígena Xavante.
O pastor era apoiador de Bolsonaro. Bastante conhecido entre aqueles que permaneceram acampados por cerca de três meses no QG do Exército pedindo intervenção militar, Tserere fez discursos mais inflamados contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.