A alardeada “eficiência” da iniciativa privada cada dia perde mais fôlego. “O problema não é o roubo, como alega a empresa. A explosão tarifária aconteceu no Brasil desde 1995. As famílias não conseguem mais pagar as contas”, denuncia o especialista, em entrevista ao HP
A Light do Rio de Janeiro informou ao governo que está em crise. Ela anunciou o pedido de uma liminar para suspender a cobrança de dívidas da companhia, como forma de se proteger de eventuais cobranças de credores, em especial debenturistas que buscam garantia de quitação dos respectivos títulos.
PRIVATIZAÇÃO EM 1996
A tão alardeada eficiência da iniciativa privada mais uma vez foi colocada em xeque. A empresa foi privatizada em 1996 com grande estardalhaço de que em mãos privadas ela iria deslanchar. O diretor do Instituto Ilumina, Roberto D’Araújo, contesta a alegação da direção da empresa de que os problemas seriam as perdas “não técnicas”, ou seja, furto de energia.
“A explosão tarifária que aconteceu no Brasil desde 1995, período em que as privatizações tiveram inicio, é a causa”, diz ele ao HP. “As famílias não conseguem mais pagar as contas. E a Aneel autorizou a Light, em 2022, a repassar para os demais consumidores 40% dessa perda. Em 2020, foram 36%”, apontou.
Um estudo produzido pelo Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que cerca de 10% do valor da conta paga por todos os consumidores vai para ressarcir a Light.
O autor alertou diversas vezes que o resultado das privatizações, ao contrário do que se alardeava, iria fazer subir as tarifas de energia e cair a qualidade do serviço. “A partir de uma certa data, os dados de tarifa média de 1995 até 2002 desapareceram da página da ANEEL. Hoje, só se consegue os números pós 2003. O Ilumina já questionou a agência sobre isso e não tivemos resposta. A nosso ver, a oclusão é tão bizarra que nem deveria ser alvo de questionamento”, observou o autor.
ALTA FOI O DOBRO DA INFLAÇÃO
“Desde a adoção do sistema mercantil que impôs um grande mimetismo de sistemas de base térmica, a evolução da tarifa de energia elétrica brasileira mostra um encarecimento que ultrapassa o dobro da inflação desde 1995, mesmo com o sacrifício da Eletrobrás na intervenção da Lei 12783/2013. Furtos de energia em ascensão mostram que a população mais pobre não está mais conseguindo encaixar e conta no orçamento doméstico”, denunciou D’Araújo.
Abaixo os gráficos divulgados por Roberto D’Araújo e que comprovam o que ele diz
Esses gráficos mostram a evolução das tarifas médias para o setor residencial e industrial. Comparamos a evolução de preços com a tarifa de 1995 sendo corrigida pelo IPCA.
Tarifas industriais
Tarifas Residenciais
O MUNDO REVÊ PRIVATIZAÇÕES
A privatização de áreas estratégicas tem sido revista em todo o mundo nos últimos anos. Pesquisa realizada pela empresa Transnational Institute (TNI), da Holanda, aponta que entre 2000 e 2017 houve pelo menos 884 casos de reestatização no mundo. Desse total, 835 empresas foram remunicipalizadas e 49 renacionalizadas.
D’Araújo acrescenta ainda que, além da alta das tarifas, há falta de investimentos em melhorias e ampliação do sistema.
“Há uma verdadeira bagunça dos postes. a manutenção fica cada vez mais complicada”, diz o especialista, acrescentando que isso é “um incentivo ao furto, pois a manutenção fica cada vez mais complicada”. “Essa confusão também causa perdas técnicas, pois os circuitos de 220 Volts, depois dos transformadores, correm em paralelo e muito próximos dos cabos de telecomunicações, o que causa perda por indução”, afirmou.
“Todos esses pontos mostram a ausência de fiscalização da ANEEL que nem tem funcionários suficientes para exercer esse controle”, denuncia o engenheiro. “Agora ainda estão tentando taxar as placas fotovoltaicas usando o argumento de que os outros pagam custos de distribuição e transmissão de uma energia excedente. Nada mais errado, pois o único prejuízo que a distribuidora tem é que o consumo do dono do telhado se reduz”, argumenta D’ Araújo.
“Quando há uma exportação de energia ela é mínima e quem consome esses kWh são os vizinhos, pois a corrente não sai do circuito de 220 volts. A Light não tem nenhum prejuízo com isso, pois a corrente não tem crachá de origem e a empresa cobra essa energia que vem da placa solar como se fosse adquirida pela empresa”, prosseguiu o diretor do Instituto Ilumina.
PRIVATIZAÇÕES E ESTAGNAÇÃO
O professor Roberto D’Araújo fez um artigo recente relacionando a era das privatizações no Brasil com a estagnação econômica e a desindustrialização do país. “Por mais de trinta anos, sem reconhecer que, de 1990 até 2022, o Brasil privatizou 150 empresas, sendo o recordista no mundo. Se há realmente um cuidado com os destinos do país, o mínimo que se pode fazer é examinar os resultados dessa longa experiência”, disse o autor.
A desconfiança na “eficiência” da gestão privada também foi colocada à prova quando se soube que Beto Sicupira, um dos três maiores acionistas das Americanas, empresa envolvida em um esquema de fraude bilionário, era um dos principais acionistas da Light. Além disso, somaram-se os juros criminosos praticados pelo Banco Central.
RETRAÇÃO DO MERCADO
Num cenário em que o crédito ficou mais caro e escasso este ano, em parte por conta dos problemas financeiros da Americanas, a distribuidora de energia vem também enfrentando dificuldades para rolar parte de seu passivo. No quarto trimestre, a dívida líquida era da ordem de R$ 9 bilhões, a um custo nominal de 14,4%. Afetada pela retração no mercado de crédito, a companhia viu, nos últimos dias, debenturistas pedirem vencimento antecipado dos títulos e o mais recente episódio foi a liminar obtida para suspender a cobrança de dívidas.
A Light tem área de concessão de 43.750 quilômetros quadrados (km²) que envolve 31 dos 92 municípios do Rio de Janeiro, inclusive a capital, com população de 17,5 milhão de habitantes. São 4,3 milhões de contratos ativos, fornecendo energia para cerca de 11,6 milhões de pessoas por meio de uma rede com 87.706 km de extensão, de acordo com informações disponíveis no site da companhia.
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