Mesmo assim, ele admitiu que conversou pessoalmente sobre o assunto com ex-chefe da Receita Federal
O ex-presidente Jair Bolsonaro admitiu à Polícia Federal que conversou pessoalmente com o ex-chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, sobre o pacote de joias de R$ 16,5 milhões que lhe foram enviadas de “presente” pelo governo da Arábia Saudita, mas ficaram retidas pela alfândega de Guarulhos.
O depoimento de Bolsonaro e de outros nove investigados ou testemunhas no inquérito sobre as joias milionárias foi obtido pela TV Globo.
O contato, segundo contou Bolsonaro, foi feito depois que seus ajudantes de ordem já estavam mobilizados para tentar retirar as joias sem pagar impostos, o que é ilegal.
“O declarante [Bolsonaro] solicitou ao ajudante de ordens, coronel Cid, que obtivesse informações a cerca de tais fatos; que o ajudante de ordens oficiou a Receita Federal para obter informações; que neste interim o declarante estabeleceu contato com o então chefe da Receita Federal, Júlio, cujo sobrenome não se recorda e, salvo engano, determinou que estabelecesse contato direto com o ajudante de ordem; que as conversas foram pessoalmente, pelo o que se recorda”, disse Bolsonaro à PF.
Depois desse contato, o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, produziu um documento destinado a Julio Cesar Vieira Gomes pedindo a liberação dos “presentes”. O documento dizia que um funcionário do gabinete presidencial estava autorizado a levar as joias.
No dia 29 de dezembro de 2022, Cid enviou, em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), esse funcionário para o Aeroporto de Guarulhos carregando o documento com a missão de ludibriar o servidor da alfândega e voltar para Brasília com as joias, que seriam enviadas para o acervo pessoal de Bolsonaro.
No depoimento à PF, que foi feito no dia 5 de abril, Jair Bolsonaro se contradisse sobre o motivo para tamanho esforço na tentativa de liberar as joias sem o pagamento de impostos.
Sua primeira versão é que queria evitar um “vexame diplomático” ao permitir que um presente do governo da Arábia Saudita fosse colocado em leilão pela Receita Federal.
Isso poderia ter sido resolvido rapidamente depois da apreensão, que ocorreu em outubro de 2021, se Jair Bolsonaro tivesse dito à Receita que os presentes eram para a Presidência da República, e não para ele, pessoalmente.
Depois, quando foi questionado pela PF do motivo pelo qual Mauro Cid e José de Assis, ex-subsecretário-geral da Receita Federal, “se empenharam tanto para tentar retirar as joias” no dia 29 de dezembro de 2022, Jair Bolsonaro falou que “não tem ideia”.
O ex-presidente Bolsonaro diz que só ficou sabendo das joias que lhe foram dadas de “presente” entre novembro e dezembro de 2022, mas que não se lembra quem o avisou.
Outro que entrou em contradição foi o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que foi quem trouxe para o Brasil dois estojos de joias dadas pela Arábia Saudita a Bolsonaro.
Enquanto ocorria a apreensão das joias, no Aeroporto de Guarulhos, Bento Albuquerque, que disse que não havia “nada a declarar”, falou aos auditores da Receita que as peças de luxo lhe foram entregues no aeroporto na Arábia Saudita, quando ele estava prestes a decolar.
No depoimento, ele contou outra história: “Num jantar depois de um evento – Summit – encontrou o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Abdulaziz Bin Salman, e que o príncipe disse que enviaria presentes ao hotel”.
Os “presentes” foram dois pacotes de joias e peças de luxo, avaliados em R$ 16,9 milhões.
Um deles, que tinha uma escultura dourada de cavalo, um relógio, um colar, um anel e um par de brincos – todos cravejados de diamantes -, foi apreendido pela Receita Federal, uma vez que sua entrada sem pagamento de impostos é ilegal.
O segundo pacote, que passou despercebido pelas autoridades, tinha um relógio, um par de abotoaduras, uma caneta, um anel e um rosário árabe. Esse estojo foi entregue pessoalmente a Bolsonaro, que o inspecionou antes que fosse incluído em seu acervo pessoal.
Por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), Bolsonaro teve que entregar esse conjunto, cujo valor é estimado em pelo menos R$ 400 mil, ao estado.
Há, ainda, um terceiro pacote que Jair Bolsonaro recebeu pessoalmente, em 2019, quando esteve na Arábia Saudita, avaliado em R$ 500 mil. O ex-presidente também teve que entregá-lo ao estado brasileiro.
TELEFONEMA CONFIRMA
O depoimento do chefe de gabinete de documentação histórica da Presidência, Marcelo da Silva Vieira, confirma que Jair Bolsonaro estava envolvido nos planos de recuperar as joias apreendidas e incluí-las em seu acervo pessoal.
O então presidente participou de um telefonema, feito em dezembro de 2022, que teve como assunto único as joias.
Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, tentou pressionar Marcelo Vieira da Silva a assinar um ofício pedindo a liberação das peças milionárias. O ofício foi enviado para Vieira no dia 27 de dezembro de 2022.
Depois que Marcelo Vieira da Silva se recusou a fazê-lo, por entender que seria ilegal, houve uma ligação em que Mauro Cid e Jair Bolsonaro, que estavam juntos, voltaram a tentar convencê-lo.
“Mauro Cid colocou a ligação no modo viva-voz e pediu ao declarante para que explicasse ao Presidente da República essa situação e por que não poderia assinar”, diz o depoimento. Vieira afirma, então, que deu explicações técnicas sobre a impossibilidade e que Bolsonaro disse “ok, obrigado”.