“Não há nada que justifique essas taxas de juros. Se essa situação não mudar, nós não vamos retomar o crescimento”, advertiu o professor da FGV
O economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas, rebateu nesta terça-feira (25), em entrevista ao HP, os argumentos do presidente do Banco Central para manter as taxas de juros reais brasileiras como as maiores do planeta. Campos Neto insiste em provocar estagnação econômica e desemprego para beneficiar a especulação financeira.
Segundo Marconi, “não há nada que justifique essas taxas de juros”. “Se essa situação não mudar, nós não vamos retomar o crescimento”, alertou o economista. Para o professor da FGV, ao contrário do que alega Campos Neto, o financiamento direcionado não é causa dos juros altos, mas sim uma forma de compensar a Selic nas alturas.
O economista desmontou a versão de Campos Neto de que a taxa Selic não teria interferência nos juros de longo prazo. “Se o Banco Central aumenta a Selic e o Tesouro vende títulos indexados à Selic, nunca que a taxa de juros de longo prazo não vai ter nenhuma relação com a de curto prazo”, argumentou o economista. Marconi também reforça que não há nem risco fiscal e nem descontrole da dívida que justifiquem essa taxa de juros. Confira a entrevista na íntegra.
ENTREVISTA
HORA DO POVO – O presidente do Banco Central disse que a culpa pelos juros altos são os financiamentos direcionados. O que você acha dessa declaração?
NELSON MARCONI – Os financiamentos direcionados existem para tentar corrigir a distorção que é a Selic muito alta. Se a Selic não fosse muito alta, não seria necessário se ter financiamento direcionado. O país ter taxas de juros baixa para investimento e para exportação é o padrão que ocorre em todos os países que tiveram uma estratégia de desenvolvimento e que, de certa forma, conseguiram desenvolver a sua indústria e as suas exportações de manufaturados. Então, na verdade, o padrão é realmente ter taxa de juros mais baixas para investimento e para financiar a exportação. Se existe muito crédito direcionado, ele é para corrigir a outra distorção que é a Selic que está alta.
HORA DO POVO – Campos Neto disse que a Selic não tem importância na definição dos juros de longo prazo. Que estes são definidos pela expectativa ruim com o equilíbrio fiscal. Está certo isso?
NELSON MARCONI – Eu até posso concordar que se os parâmetros fiscais estiverem muito ruins, a pressão para aumentar a taxa de juros seria maior. Tivemos no ano passado uma redução da dívida pública. E, ainda que os dados indiquem uma alta da dívida pública, é uma alta controlada, pequena, não tem nada de descontrole. A própria regra do arcabouço fiscal mostra que vai ter um controle maior da dívida pública. Então, não tem nada desesperador neste sentido. E dizer que as taxas de juros de curto prazo não têm influência nenhuma sobre as de longo prazo, me parece algo retórico.
Ele [Campos Neto] conhece muito melhor do que a gente como funciona o mercado. Se o BC aumenta a Selic e o Tesouro vende títulos indexados à Selic, nunca que a taxa de juros de longo prazo não vai ter nenhuma relação com a de curto prazo.
‘Se o BC aumenta a Selic e o Tesouro vende títulos indexados à Selic, nunca que a taxa de juros de longo prazo não vai ter nenhuma relação com a de curto prazo”
É lógico que no longo prazo, se uma pessoa investe num título do Tesouro de longo prazo, ela esta emprestando dinheiro por mais tempo, então logicamente ela vai ter uma taxa de juros maior do que a de curto prazo. Isso é uma regra básica no mercado financeiro. Se a taxa de curto prazo sobe, a tendência é a taxa de longo prazo também subir. Então, não dá para dizer que as duas taxas são independentes. Ele sabe muito bem disso.
HORA DO POVO – Ele disse também que o Brasil não está preparado para juros baixos. Você concorda com isso?
NELSON MARCONI – Realmente o Brasil viveu durante praticamente 30 anos uma política de juros altos. Quase trinta anos, e está acostumado realmente com isso. O que é muito prejudicial para a economia brasileira. Trabalhar com juros baixos deveria ser a situação normal e aquela que leva à retomada do investimento.
“Trabalhar com juros baixos deveria ser a situação normal e aquela que leva à retomada do investimento”
É muito ruim a sociedade brasileira estar acostumada com esta situação de juros altos. No momento em que os juros baixarem as pessoas vão se adaptar a isso percebendo que elas vão ganhar mais dinheiro produzindo do que deixando recursos aplicado no mercado financeiro. Essa é a mudança essencial hoje nessa dinâmica macroeconômica da economia brasileira. Se isso não mudar, nós não vamos retomar o crescimento. Então, não se justifica manter as taxas de juros altas porque a sociedade brasileira estaria acostumada, sendo que a taxa de juros alta está matando e prejudicando toda a estrutura produtiva do país. Essa é uma argumentação que não me parece que seja razoável
Usar a taxa de juros para controlar a inflação quando a gente tem uma inflação de demanda é normal e todo país faz isso. O que não é normal é nós termos a taxa de juros reais mais altas do planeta. Não há nada que justifique isso. Nem uma inflação de demanda tão alta e nem um desequilíbrio macroeconômico significativo a ponto de justificar que tenhamos a taxa de juros reais mais altas do planeta. Não há nada que justifique isso.