Ministro do Exterior da Rússia se pronunciou no momento em que seu país concluía o mandato na Presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU
Em reunião do Conselho de Segurança da ONU realizada por motivo do Dia do Internacional do Multilateralismo, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, advertiu sobre “a crise profunda que afeta o sistema centrado na ONU”, cuja causa raiz, ele apontou, é o desejo de Washington de “substituir o direito internacional e a Carta da ONU” por sua “ordem baseada em regras”, na tentativa de deter o multilateralismo.
“Vamos jogar uma pá de cal: ninguém autorizou a minoria ocidental a falar em nome de toda a humanidade”, afirmou Lavrov, acrescentando que “medidas unilaterais ilegítimas” estão levando à fragmentação do comércio internacional.
“Ao impor uma ‘ordem baseada em regras’, seus autores rejeitam arrogantemente o princípio fundamental da Carta da ONU – a igualdade soberana dos Estados”, enfatizou o chanceler russo na reunião de segunda-feira (24). Ele denunciou a incursão da OTAN na Ásia-Pacífico, em busca de conter a República Popular da China, isolar a Rússia e minar o multilateralismo centrado na ASEAN.
Lavrov registrou como Washington proclamou “seu ‘direito’ a qualquer ação arbitrária”, de que são exemplos “o bombardeio ilegal da Iugoslávia de 1999, a vergonhosa invasão do Iraque de 2003, assim como a agressão contra a Líbia em 2011”. Cujo resultado é “a destruição de países, centenas de milhares de mortes, terrorismo desenfreado”.
O chefe da diplomacia russa chamou a deter os “duplos padrões”: “É óbvio para qualquer observador imparcial que o regime nazista de Kiev não pode de forma alguma ser considerado como representante dos habitantes dos territórios que se recusaram a aceitar os resultados do sangrento golpe de Estado de fevereiro de 2014 e contra os quais os golpistas desencadearam uma guerra por isso”.
Para deter a guerra desencadeada pelo golpe de Estado no leste da Ucrânia, foram feitos esforços multilaterais no interesse de uma solução pacífica, “consubstanciada em uma resolução do Conselho de Segurança que aprovou por unanimidade os acordos de Minsk”, lembrou Lavrov. Kiev e seus mestres ocidentais recentemente “admitiram cinicamente que nunca iriam cumpri-los, mas apenas queriam ganhar tempo para bombear a Ucrânia com armas contra a Rússia”.
“Nós honestamente dissemos pelo que e por quem estamos lutando”, destacou Lavrov: “eliminar as ameaças criadas pela OTAN durante anos à nossa segurança diretamente em nossas fronteiras e proteger as pessoas que foram privadas de seus direitos proclamados por convenções multilaterais, protegê-las de ameaças diretas de extermínio e expulsão declaradas publicamente pelo regime de Kiev dos territórios onde seus ancestrais viveram por séculos”.
O chanceler russo concluiu apontando que “é nossa responsabilidade comum preservar as Nações Unidas como um exemplo duramente conquistado de multilateralismo e coordenação da política mundial” e chamou, ainda, a democratizar o Conselho de Segurança, após advertir que, como nos anos da Guerra Fria, “nos aproximamos de uma linha perigosa”, dada a agressão financeira e econômica do Ocidente e abandono, por Washington e seus aliados, da diplomacia, e clamando por confronto ‘no campo de batalha’.
Na íntegra, o discurso de Lavrov.
É simbólico que estejamos realizando nosso encontro no Dia Internacional do Multilateralismo e Diplomacia para a Paz, que foi incluído no calendário de datas significativas pela resolução da Assembleia Geral da ONU em 12 de dezembro de 2018.
Em duas semanas celebraremos o 78º aniversário da Vitória na Segunda Guerra Mundial. A derrota da Alemanha nazi, para a qual o meu país deu uma contribuição decisiva com o apoio dos Aliados, lançou as bases da ordem internacional do pós-guerra. Cuja base legal é a Carta da ONU, e nossa própria organização, corporificando o verdadeiro multilateralismo, adquiriu um papel central e coordenador na política mundial.
Por quase 80 anos de sua existência, a ONU vem cumprindo a missão mais importante que lhe foi confiada pelos pais fundadores. Durante várias décadas, o entendimento mútuo básico dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança sobre a supremacia dos propósitos e princípios da Carta garantiu a segurança global. E, assim, criou as condições para uma cooperação verdadeiramente multilateral, regulada pelas normas de direito internacional universalmente reconhecidas.
Agora, o sistema centrado na ONU está passando por uma crise profunda. A causa raiz e o desejo de membros individuais de nossa organização de substituir o direito internacional e a Carta da ONU por algum tipo de “ordem baseada em regras”. Ninguém viu essas “regras”, nem foram objeto de negociações internacionais transparentes. Elas são inventadas e aplicadas para contrariar os processos naturais de formação de novos centros de desenvolvimento independentes, que são a manifestação objetiva do multilateralismo. Eles estão tentando ser contidos por medidas unilaterais ilegítimas, incluindo cortar o acesso à tecnologia moderna e serviços financeiros, ser forçados a sair das cadeias de suprimentos, confisco de propriedade, destruição de infraestrutura crítica de concorrentes e manipulação de normas e procedimentos universalmente aceitos. Como resultado, a fragmentação do comércio mundial.
Em uma tentativa desesperada de afirmar seu domínio por meio da punição dos recalcitrantes, os Estados Unidos partiram para a destruição da globalização, que por muitos anos foi apresentada como o bem maior de toda a humanidade, servindo ao sistema multilateral da economia mundial. Washington e o resto do Ocidente que lhe obedece usam suas “regras” sempre que necessário para justificar passos ilegítimos contra aqueles que constroem suas políticas de acordo com o direito internacional e se recusam a seguir os interesses egoístas do “bilhão dourado”. Aqueles que discordam são colocados nas “listas negras” de acordo com o princípio: “quem não está conosco está contra nós”.
Há muito se tornou “desconfortável” para os colegas ocidentais negociar em formatos universais, como a ONU. Para fundamentar ideologicamente a política de minar o multilateralismo, pôs-se em circulação o tema da unidade das “democracias” em oposição às “autocracias”. Além das “cúpulas pela democracia”, cuja composição é determinada pelo autoproclamado hegemon, estão sendo criados outros “clubes de elite” que contornam a ONU.
Summits for Democracy, Alliance for Multilateralism, Global Partnership for Artificial Intelligence, Global Coalition for Media Freedom, Paris Call for Trust and Security in Cyberspace – todos esses e outros projetos não inclusivos são projetados para minar as negociações sobre tópicos relevantes sob os auspícios da ONU, impor conceitos e soluções não consensuais que sejam benéficas para o Ocidente. Primeiro, eles concordam em algo secretamente, em um círculo restrito, e depois apresentam esses acordos como “a posição da comunidade internacional”. Vamos chamar uma pá de pá: ninguém permitiu que a minoria ocidental falasse em nome de toda a humanidade. Devemos nos comportar decentemente e respeitar todos os membros da comunidade internacional.
PRINCÍPIO FUNDAMENTAL: IGUALDADE SOBERANA DOS ESTADOS
Ao impor uma “ordem baseada em regras”, seus autores rejeitam arrogantemente o princípio fundamental da Carta da ONU – a igualdade soberana dos Estados. A quintessência do “complexo de exclusividade” foi a declaração “orgulhosa” do chefe da diplomacia da UE, J. Borrell, de que “a Europa é um Jardim do Éden e o resto do mundo é uma selva”. Citarei também a Declaração Conjunta OTAN-UE de 10 de Janeiro deste ano, que diz: “O Ocidente Unido” utilizará todos os instrumentos econômicos, financeiros, políticos e – presto especial atenção – militares à disposição da OTAN e da UE para garantir os interesses do “nosso um bilhão”.
O “Ocidente coletivo” decidiu remodelar “para si” os processos de multilateralismo no nível regional. Não faz muito tempo, os Estados Unidos pediram o renascimento da Doutrina Monroe, exigiram que os países latino-americanos limitassem os laços com a Federação Russa e a República Popular da China. Essa linha, no entanto, esbarrou na determinação dos países da região de fortalecer suas próprias estruturas multilaterais, principalmente a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), ao mesmo tempo em que defendiam seu legítimo direito de se estabelecerem como um dos pilares do mundo multipolar. A Rússia apóia totalmente tais aspirações justas.
Agora, forças significativas dos Estados Unidos e seus aliados foram mobilizadas para minar o multilateralismo na região da Ásia-Pacífico, onde um sistema aberto bem-sucedido de cooperação econômica e de segurança se desenvolveu em torno da ASEAN por décadas. Esse sistema possibilitou o desenvolvimento de abordagens consensuais que atenderam tanto os “dez” membros da ASEAN quanto seus parceiros de diálogo, incluindo Rússia, China, Estados Unidos, Índia, Japão, Austrália e República da Coreia, garantindo um verdadeiro multilateralismo inclusivo. Ao apresentar a Estratégia Indo-Pacífico, Washington estabeleceu um curso para o colapso dessa arquitetura estabelecida.
OTAN GLOBAL
Na cimeira do ano passado em Madrid, a NATO, que sempre convenceu a todos da sua “tranquilidade” e do caráter exclusivamente defensivo dos seus programas militares, declarou a sua “responsabilidade global”, a “indivisibilidade da segurança” no Euro-Atlântico e na chamada região Indo-Pacífica. Ou seja, agora a “linha de defesa” da OTAN (como uma Aliança defensiva) está se deslocando para as costas ocidentais do Oceano Pacífico.
Abordagens de bloco que minam o multilateralismo centrado na ASEAN se manifestam na criação da aliança militar AUKUS, na qual Tóquio, Seul e vários países da ASEAN estão sendo empurrados. Sob os auspícios dos Estados Unidos, estão sendo criados mecanismos para intervir em questões de segurança marítima com vistas a garantir os interesses unilaterais do Ocidente nas águas do Mar da China Meridional.
J. Borrell, que já citei hoje, prometeu ontem enviar forças navais da UE para esta região. Não se esconde que o objetivo da Estratégia do Indo-Pacífico é conter a Republica Popular da China e isolar a Rússia. É assim que os colegas ocidentais entendem o “multilateralismo efetivo” na região da Ásia-Pacífico.
“CARTA DA ONU AMEAÇA WASHINGTON”
Após a dissolução do Pacto de Varsóvia e a retirada da União Soviética da cena política, começaram a surgir esperanças na concretização dos princípios de um multilateralismo genuíno, sem linhas divisórias, no espaço euro-atlântico. Mas, em vez de liberar o potencial da Organização pela Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em uma base coletiva igualitária, os países ocidentais não apenas mantiveram a OTAN, mas, contrariando suas promessas juramentadas, traçaram um curso para a absorção descarada do espaço adjacente, incluindo territórios onde os interesses vitais da Rússia sempre existiram e continuarão existindo.
Como o então secretário de Estado dos EUA, John Baker, relatou ao presidente George W. Bush pai: “A principal ameaça à OTAN é a OSCE”. Eu acrescentaria por conta própria que hoje tanto a ONU quanto os requisitos de sua Carta também representam uma ameaça às ambições globais de Washington.
A Rússia tentou pacientemente chegar a acordos multilaterais mutuamente benéficos com base no princípio da indivisibilidade da segurança, que foi solenemente proclamado ao mais alto nível nos documentos das cimeiras da OSCE em 1999 e 2010.
É direta e inequivocamente escrito em preto e branco que ninguém deve fortalecer sua segurança à custa da segurança de outros, e nenhum estado, grupo de estados ou organização pode ter a responsabilidade primária de manter a paz na região da Organização ou considerar qualquer parte da região da OSCE como sua esfera de influência.
IUGOSLÁVIA-IRAQUE-LÍBIA
A OTAN não deu a mínima para essas obrigações dos presidentes e primeiros-ministros de seus países membros e passou a agir exatamente ao contrário, proclamando seu “direito” a qualquer ação arbitrária.
Um exemplo gritante é o bombardeio ilegal da Iugoslávia em 1999, inclusive com o uso de ogivas de urânio depletado, que posteriormente causou um surto de doenças oncológicas – tanto entre os cidadãos sérvios quanto entre os militares da OTAN.
J. Biden era então senador e falou para as câmeras, não sem orgulho, que ele pessoalmente pediu o bombardeio de Belgrado e a destruição de todas as pontes no rio Drina. Agora, o embaixador dos EUA em Belgrado K. Hill, por meio da mídia, está pedindo aos sérvios que “virem a página” e “parem de se ofender”. Os Estados Unidos acumularam uma vasta experiência sobre “pare de se ofender”.
Afinal, o Japão há muito se mantém timidamente silencioso sobre quem bombardeou Hiroshima e Nagasaki. Nem uma palavra sobre isso nos livros escolares. Recentemente, em uma reunião do G-7, o secretário de Estado dos Estados Unidos, A. Blinken, lamentou pateticamente o sofrimento das vítimas daqueles atentados, mas não mencionou quem os organizou. Essas são as “regras”. E ninguém se atreve a discutir.
Desde a Segunda Guerra Mundial, houve dezenas de aventuras militares criminosas de Washington sem qualquer tentativa de assegurar a legitimidade multilateral. Por que, se existem “regras” que ninguém conhece?
A vergonhosa invasão do Iraque pela coalizão liderada pelos EUA em 2003 foi realizada em violação da Carta da ONU, assim como a agressão contra a Líbia em 2011. O resultado é a destruição do estado, centenas de milhares de mortes, terrorismo desenfreado.
REVOLUÇÕES COLORIDAS
A intervenção dos EUA nos assuntos dos estados pós-soviéticos foi a violação mais grosseira da Carta da ONU. “Revoluções coloridas” foram organizadas na Geórgia e no Quirguistão, um golpe de estado sangrento em Kiev em fevereiro de 2014. Na mesma linha, há tentativas de tomar o poder pela força na Bielo-Rússia em 2020.
Os anglo-saxões, que lideraram com confiança todo o Ocidente, não apenas justificam todas essas aventuras criminosas, mas também ostentam sua linha de “promover a democracia”.
Mas novamente de acordo com suas próprias “regras”: Kosovo – reconhece a independência sem qualquer referendo; Crimeia – não reconhece (embora tenha havido um referendo); Não toque nas Falklands/Malvinas, afinal, houve um referendo lá (como afirmou recentemente o ministro das Relações Exteriores britânico, John Cleverley). Engraçado.
DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
A fim de rejeitar a duplicidade de pesos e pesos, pedimos a todos que se guiem pelos acordos consensuais acordados no âmbito da Declaração da ONU de 1970 sobre os Princípios do Direito Internacional que continua em vigor. Proclama claramente a necessidade de respeitar a soberania e a integridade territorial dos Estados que “observem o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos e tenham governos que representem todas as pessoas que vivem em um determinado território”.
É óbvio para qualquer observador imparcial que o regime nazista de Kiev não pode de forma alguma ser considerado como representante dos habitantes dos territórios que se recusaram a aceitar os resultados do sangrento golpe de Estado de fevereiro de 2014 e contra os quais os golpistas desencadearam uma guerra por isso.
Assim como Pristina não pode pretender representar os interesses dos sérvios de Kosovo, ao qual a UE prometeu autonomia, assim como Berlim e Paris prometeram status especial ao Donbass. O resultado dessas promessas é bem conhecido.
Nosso Secretário-Geral A. Guterres disse muito bem em seu discurso na “Segunda Cúpula para a Democracia” em 29 de março deste ano: “A democracia decorre da Carta da ONU. Suas primeiras palavras – Nós, os povos – refletem a fonte fundamental do poder legítimo: o consentimento dos governados. De acordo. Deixe-me enfatizar isso novamente.
RESOLUÇÃO DO CS CONSAGRA ACORDOS DE MINSK
Para deter a guerra desencadeada pelo golpe de Estado no leste da Ucrânia, foram feitos esforços multilaterais no interesse de uma solução pacífica, consubstanciada em uma resolução do Conselho de Segurança que aprovou por unanimidade os acordos de Minsk.
Esses acordos foram pisoteados por Kiev e seus mestres ocidentais, que recentemente admitiram cinicamente e até com orgulho que nunca iriam cumpri-los, mas apenas queriam ganhar tempo para bombear a Ucrânia com armas contra a Rússia.
Isso proclamou publicamente uma violação da obrigação multilateral de todos os membros da ONU, consagrada em sua Carta, exigindo que todos os países cumpram as resoluções do Conselho de Segurança.
Nossas ações consistentes para evitar confrontos, incluindo as propostas de dezembro de 2021 do presidente russo, Vladimir Putin, de concordar com garantias multilaterais de segurança mútua, foram rejeitadas com arrogância. Ninguém, disseram-nos, pode impedir a OTAN de levar a Ucrânia para o seu “abraço”.
Todos os anos após o golpe de estado, apesar de nossas demandas urgentes, nenhum dos mestres ocidentais do regime de Kiev recuou, nem P.A. Poroshenko, nem V.A. Zelensky, nem a Verkhovna Rada da Ucrânia, quando a língua russa, a educação, em geral, as tradições culturais e religiosas russas foram banidas violando diretamente a constituição da Ucrânia e as convenções universais sobre os direitos das minorias nacionais.
Paralelamente, o regime de Kiev introduziu a teoria e a prática do nazismo legislativamente e na vida cotidiana. Sem constrangimento, ele organizou magníficas procissões de tochas no centro de Kiev e outras cidades sob a bandeira das divisões da SS. O Ocidente ficou em silêncio e “esfregou as mãos”.
PORQUE E POR QUEM ESTAMOS LUTANDO
Hoje está claro para todos, embora nem todos falem disso em voz alta: não se trata de forma alguma da Ucrânia, mas de como as relações internacionais continuarão a ser construídas: por meio da formação de um consenso estável baseado no equilíbrio de interesses, ou pela promoção agressiva e explosiva da hegemonia. É impossível considerar a “questão ucraniana” isolada do contexto geopolítico.
O multilateralismo pressupõe o respeito à Carta das Nações Unidas em toda a interligação de seus princípios, conforme mencionado acima.
A Rússia explicou claramente as tarefas que está realizando como parte de uma operação militar especial: eliminar as ameaças criadas pela OTAN durante anos à nossa segurança diretamente em nossas fronteiras e proteger as pessoas que foram privadas de seus direitos proclamados por convenções multilaterais, protegê-las de ameaças diretas de extermínio e expulsão declaradas publicamente pelo regime de Kiev de os territórios onde seus ancestrais viveram por séculos. Nós honestamente dissemos pelo que e por quem estamos lutando.
Contra o pano de fundo da histeria provocada pelos Estados Unidos e pela União Européia, gostaria de perguntar em contraste: o que Washington e a OTAN fizeram na Iugoslávia, Iraque, Líbia? Houve ameaças à sua segurança, cultura, religião, idiomas?
Por quais normas multilaterais eles foram guiados, declarando a independência de Kosovo em violação aos princípios da OSCE, destruindo os estados estáveis e economicamente prósperos do Iraque e da Líbia, localizados a dez mil milhas da costa americana?
CISÃO ENTRE O ‘BILHÃO DOURADO’ E A MAIORIA MUNDIAL
O sistema multilateral foi ameaçado pelas tentativas desavergonhadas dos Estados ocidentais de subjugar as secretarias da ONU e outras instituições internacionais. Sempre houve um desequilíbrio quantitativo a favor do Ocidente, mas até recentemente o Secretariado tentou permanecer neutro.
Hoje, esse desequilíbrio assumiu um caráter crônico, e o pessoal de secretariado está se permitindo cada vez mais um comportamento politicamente motivado inapropriado para funcionários internacionais. Apelamos ao estimado Secretário-Geral A. Guterres para garantir que todos os seus funcionários cumpram os requisitos de imparcialidade de acordo com o Artigo 100 da Carta das Nações Unidas.
Apelamos também à liderança do Secretariado, na elaboração de documentos de iniciativa sobre os referidos temas de “agenda comum” e “nova agenda para a paz”, que se oriente pela necessidade de sugerir aos países membros formas de encontrar consenso, um equilíbrio de interesses, e não jogar com os conceitos neoliberais.
Caso contrário, em vez de uma agenda multilateral, haverá um aprofundamento da cisão entre o “bilhão de ouro” e a maioria mundial.
SEM PADRÕES DUPLOS
Quando se fala em multilateralismo, não se pode limitar-se ao contexto internacional, assim como não se pode ignorar esse contexto internacional quando se fala em democracia. Não deve haver padrões duplos.
Tanto o multilateralismo quanto a democracia devem ser respeitados tanto dentro dos Estados quanto em suas relações uns com os outros.
Todos sabem que o Ocidente, ao mesmo tempo em que impõe aos outros sua compreensão da democracia, não quer a democratização das relações internacionais baseada no respeito à igualdade soberana dos Estados.
Mas agora, ao promover suas “regras” no cenário internacional, ele também está “sufocando” o multilateralismo e a democracia em casa, usando ferramentas cada vez mais repressivas para suprimir qualquer dissidência – assim como o criminoso regime de Kiev faz com o apoio de seus “professores” – os Estados Unidos e seus aliados.
UMA LINHA AINDA MAIS PERIGOSA
Caros colegas, mais uma vez, como nos anos da Guerra Fria, nos aproximamos de uma linha perigosa, e talvez ainda mais perigosa.
A situação é agravada pela perda de fé no multilateralismo, quando a agressão financeira e econômica do Ocidente destrói os benefícios da globalização, quando Washington e seus aliados abandonam a diplomacia e exigem um confronto “no campo de batalha”.
Tudo isso – dentro dos muros da ONU, criados para prevenir os horrores da guerra. As vozes de forças responsáveis e sensatas, chamadas para mostrar sabedoria política, para reviver a cultura do diálogo, são abafadas por aqueles que seguiram um curso para minar os princípios fundamentais da comunicação interestatal.
Todos devemos retornar às nossas raízes – observância dos propósitos e princípios da Carta da ONU em toda a sua diversidade e toda a sua interconexão.
O genuíno multilateralismo no estágio atual requer a adaptação da ONU às tendências objetivas na formação de uma arquitetura multipolar das relações internacionais.
ACELERAR A REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA
É necessário acelerar a reforma do Conselho de Segurança, ampliando a representação nele dos países da Ásia, África e América Latina. A atual super-representação exorbitante do Ocidente neste órgão principal da ONU mina o princípio do multilateralismo.
Por iniciativa da Venezuela, foi criado o Grupo de Amigos em Defesa da Carta da ONU. Apelamos a todos os Estados que respeitam a Carta a aderir. Também é importante aproveitar o potencial construtivo dos BRICS e da SCO. A EAEU, o CIS e o CSTO estão prontos para dar sua contribuição.
Somos a favor de usar a iniciativa das posições das associações regionais dos países do Sul Global. O G20 também pode desempenhar um papel útil na manutenção do multilateralismo se os participantes ocidentais pararem de distrair seus colegas de questões atuais de sua agenda na esperança de silenciar o tema de sua responsabilidade pelo acúmulo de fenômenos de crise na economia global.
NOSSA RESPONSABILIDADE COMUM: PRESERVAR A ONU
É nossa responsabilidade comum preservar as Nações Unidas como um exemplo duramente conquistado de multilateralismo e coordenação da política mundial.
A chave do sucesso é trabalhar em conjunto, recusando-se a reivindicar a exclusividade de quem quer que seja e – repito mais uma vez – o respeito pela igualdade soberana dos Estados. Isso é o que todos nós assinamos quando ratificamos a Carta da ONU.
Em 2021, o presidente russo, Vladimir Putin, propôs a convocação de uma cúpula de membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Os líderes da China e da França apoiaram esta iniciativa, porém, infelizmente, ainda não foi implementada.
Este tema está diretamente relacionado ao multilateralismo: não porque as cinco potências tenham certos privilégios sobre as demais, mas justamente por causa de sua responsabilidade especial sob a Carta da ONU para a manutenção da paz e segurança internacionais.
Isso é exatamente o que exigem agora os imperativos do sistema centrado na ONU, que, como resultado das ações do Ocidente, está desmoronando diante de nossos olhos.
A preocupação com esse estado de coisas é cada vez mais ouvida nas inúmeras iniciativas e ideias dos países do Sul Global: do Leste e Sudeste Asiático, do mundo árabe e geralmente muçulmano, à África e à América Latina.
Apreciamos seu sincero desejo de garantir a solução de quaisquer problemas contemporâneos por meio de um trabalho coletivo honesto, visando um equilíbrio de interesses baseado na igualdade soberana dos Estados e na indivisibilidade da segurança.
CENSURA VIA FALTA DE VISTOS
Em conclusão, gostaria de me dirigir a todos os jornalistas que agora cobrem o nosso encontro. Seus colegas da mídia russa não foram autorizados a vir aqui. A Embaixada dos Estados Unidos em Moscou anunciou zombeteiramente sua disposição de emitir passaportes com vistos para eles no momento em que nosso avião decolou. Portanto, um grande pedido a vocês: compensar a ausência de jornalistas russos. Tentem fazer seus relatórios de forma a transmitir a uma audiência mundial toda a diversidade de julgamentos e avaliações.