
A Polícia Federal abriu um inquérito para apurar crime de racismo contra a professora negra que foi expulsa de um voo da Gol Linhas Aéreas, ao se recusar a despachar a mochila com um notebook dentro, na última sexta-feira (28).
A informação foi divulgada neste domingo (30), pela Superintendência Regional da PF na Bahia, depois que os ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos acionaram a Procuradoria-Geral da República na Bahia e a PF, para que crimes, infrações e ou violações relacionados ao caso fossem apurados.
A PF classificou a retirada da professora Samantha Vitena como “compulsória” e disse que a investigação se manterá em sigilo, até que todo o caso seja apurado.
O caso aconteceu em um voo da Gol Linhas Aéreas, que sairia de Salvador com destino a São Paulo. Como Samantha não encontrou lugar para a mochila, a tripulação pediu que a bagagem fosse despachada, mas a passageira se negou, devido ao risco de dano ao seu computador, já que a companhia aérea não se responsabiliza com danos a eletrônicos despachados.
Em uma nota divulgada no sábado (29), a Gol disse que Samantha acomodou a bagagem em um local que obstruía a passagem, o que trazia risco à segurança do voo. Testemunhas e a defesa da professora negam a informação e afirmam que a mochila foi colocada no bagageiro, depois que outros passageiros ajudaram, porque a tripulação a teria ignorado.
A mochila que Samantha transportava é classificada pela própria companhia aérea, no site, como artigo pessoal, que pode ser armazenado dentro da aeronave, abaixo do assento à frente da poltrona do próprio passageiro.
Outros passageiros se indignaram com a situação e ajudaram Samatha a encontrar espaço para guardar a mochila. Momentos depois, três agentes da Polícia Federal que disseram terem sido chamados pelo comandante, sob a alegação de que “Samantha estaria causando perturbação a bordo”, e a expulsaram do voo.
EPISÓDIO VIOLENTO DE RACISMO
A jornalista Elaine Hazin, testemunha da ação, classificou o episódio como sendo um fato “extremamente violento de racismo”, e relatou que um tripulante da Gol teria dito: “Se você não despachar, a gente não sai daqui. Ou você despacha ou você sai do voo”.
“Nós criamos um grupo com 25 passageiros que testemunharam o ocorrido e estamos nos mobilizando. Há inclusive advogados no grupo”, afirma Elaine, que contatou, ela mesma, o apresentador Manoel Soares, do programa Encontro, da Rede Globo, que ajudou no processo de liberação de Samantha da delegacia do aeroporto.
De acordo com Elaine, que estava na aeronave, o voo já estava atrasado em mais de uma hora antes mesmo do início do embarque. Ainda segundo a jornalista, uma vez dentro da aeronave, Samantha (a coordenadora de educação retirada do voo) estava sentada duas cadeiras à frente e tentava encontrar um lugar para colocar a mochila. Os pedidos de ajuda foram ignorados pela tripulação, cuja única resposta foi pedir à passageira que despachasse a bagagem.
A defesa de Samantha também aponta racismo estrutural no caso e disse que ela está muito abalada. “A gente está buscando a responsabilização de todas as pessoas que lesaram o direito de Samantha. Isso envolve companhia aérea, pessoas físicas e está no processo de estruturação”, disse Fernando Santos.
REPÚDIO
Os ministérios das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos se pronunciaram no último sábado sobre o episódio em questão.
Em nota conjunta, o Ministério da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos informaram que estão em contato com a GOL e que acionaram a Procuradoria Geral da República (PGR) na Bahia e a Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado para que apurem “crimes, infrações e ou violações”.
“Acreditamos que a responsabilização neste caso possui papel educativo e cabe tanto à GOL quanto à Polícia Federal prestarem satisfações”, disse. Além disso, as pastas afirmaram que notificaram a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) “para adoção de todas as medidas cabíveis no sentido de prevenir, coibir e colaborar com a apuração de casos de racismo praticados por agentes de empresas aéreas, aprimorando seus mecanismos de fiscalização”.
Uma reunião entre os ministérios e a agência para discutir medidas de prevenção de episódios de racismo e de mecanismos de regulação das companhias aéreas também foi proposta.
Por meio das redes sociais, o Ministério das Mulheres afirmou que o episódio demonstra racismo e misoginia (ódio ou aversão a mulheres). “A cena é uma afronta a Samantha e a todas as mulheres negras”, disse.
Também afirmou que o órgão irá pedir providências à companhia aérea e à corporação pelo ocorrido. Segundo a pasta, ambas devem “desculpas e explicações” pela abordagem que tiveram com a passageira.
FIOCRUZ SE SOLIDARIZA À VÍTIMA
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) repudiou o tratamento dado a Samantha Vitena. A passageira que foi retirada da aeronave é mestranda em Bioética da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), da Fiocruz.
Na manifestação, a instituição de pesquisa afirma que Vitena foi vítima de racismo pela forma que foi tratada no voo, pela tripulação e pelos homens da Polícia Federal que a retiraram da aeronave.
“A violência racista que acomete tantas pessoas no Brasil expulsou Samantha de um voo de retorno para sua casa e a submeteu a interrogatório durante a noite, na delegacia”, afirmou a Fiocruz, em nota.
Veja a nota na íntegra:
“A Fiocruz vem se somar às manifestações de todas as pessoas e instituições que repudiam atos violentos como o que ocorreu num voo na noite desta sexta-feira (28/4), no trajeto de Salvador para São Paulo. A passageira Samantha Vitena, mestranda em Bioética da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, foi vítima de racismo e violência contra a mulher pela forma de tratamento dispensada a ela tanto dentro do voo, pela tripulação, como pelos agentes da Polícia Federal, convocados pela companhia aérea, para retirá-la à força sem justificativa e sem que Samantha apresentasse qualquer resistência ou motivo para tal.
A violência racista que acomete tantas pessoas no Brasil expulsou Samantha de um voo de retorno para sua casa e a submeteu a interrogatório durante a noite, na delegacia.
Como instituição que defende os princípios da equidade e da justiça social, a Fiocruz se solidariza à vítima e se une à indignação provocada por esse episódio, que deixa marcas profundas não apenas em Samantha, mas atinge um coletivo que sofre diariamente com as consequências psicológicas, materiais, morais, pessoais e políticas que o racismo produz na população negra brasileira.
Nem Samantha, nem nenhuma mulher negra deve passar por momentos como este. Todos os dias a Fiocruz e a sociedade brasileira devem reafirmar seu compromisso com a democracia, a equidade, a justiça racial e de gênero”.