Em meio aos distúrbios na Praça Kulikovo, 42 manifestantes foram queimados vivos em incêndio provocado por nazistas na Casa dos Sindicatos.
Governos oriundos do golpe perpetrado naquele período serviriam de alavanca a Washington para, ao seguir agredindo grupos étnicos ligados à Rússia, gestar o conflito na Ucrânia
Nesta terça-feira, 2 de maio, completaram-se nove anos do massacre de Odessa, em que 42 manifestantes foram queimados vivos na Casa dos Sindicatos, cercada por neonazistas ucranianos, que atearam fogo ao prédio e inclusive lincharam quem tentou escapar, crimes que seguem até hoje impunes. Mais de 200 pessoas ficaram feridas.
Em Odessa, uma cidade tão russa que é o cenário da cena famosa nas escadarias, imortalizada por Eisentein, no seu afamado filme Potemkin. A cidade foi fundada pela imperatriz russa Catarina. Ali os neonazis de hoje herdeiros dos colaboracionistas das hordas hitleristas marcaram a fogo, sangue e infâmia sua recusa a respeitar a pluralidade original da Ucrânia e de seus constituintes étnicos.
Naquele dia, em maior número, os neonazistas haviam invadido a Praça Kulikovo, incendiando as barracas do acampamento em favor do referendo pela federalização da Ucrânia, promovendo espancamentos e disparando tiros, e os manifestantes antifascistas o perigo de linchamento chegou ao ponto dos acampados correrem a buscar abrigo no prédio da Casa dos Sindicatos, em frente, enquanto os policiais presentes se limitavama olhar o desenrolar do massacre.
Coquetéis molotov arremessados pelos neonazistas acabaram por incendiar o prédio e aqueles em desespero, que pularam das janelas tentando escapar, foram simplesmente linchados a pauladas e chutes. “Tivemos de passar sobre cadáveres quando descemos as escadas”, relatou um sobrevivente.
Isso, passados apenas dois meses do Putsch da Praça Maidan, em que os neonazis haviam servido de tropa de choque para a CIA e oligarcas ladrões e sido mimados com rosquinhas pela subsecretária de Estado Victoria Nuland e pelo senador John McCain. A perseguição a tudo que era ‘soviético’/russo e aos opositores em geral já levara à eclosão da revolta no Donbass e, na Crimeia, à aprovação em referendo da reunificação da região com a pátria russa.
“O ENTUSIASMADO PÚBLICO DO CRIME”
Como registrou o colunista da edição alemã da RT, Dagmar Henn: “Não é apenas o fato de que dezenas de pessoas foram assassinadas e os perpetradores ficaram impunes até hoje que fez de Odessa uma linha de falha. Era o público do crime. O público entusiasmado”.
Uma cena – acrescentou – “para a qual só há uma comparação, mesmo nos anais ricos em atrocidades da ditadura nazista – o massacre dos judeus de Lemberg pelo batalhão Nightingale. Porque os nazistas evitavam o público para crimes maiores, mas seus comparsas ucranianos realmente queriam isso”.
“Essa multidão animada diante do prédio em chamas, embriagada por fantasias de poder e violência, não apenas mostrava claramente quem chegara ao poder com o golpe de Maidan; também mostrou que esse golpe foi um fim e não um começo”.
“É impossível olhar para essas imagens com indiferença. É impossível sentir simpatia pelos perpetradores, a menos que você compartilhe suas crenças. É impossível ter visto Odessa e acreditar na história da Ucrânia democrática”, sublinhou.
Henn também relembrou como meses após os eventos, as plataformas de mídia social pró-regime de Kiev “transbordaram de ‘piadas’ sobre o ‘churrasco de Odessa’, a ‘queima de vatniks’ (uma típica jaqueta forrada de lã da era soviética que passou a ser usada para nomear ucranianos supostamente defendendo pontos de vista pró-russos e aos próprios russos)”.
“A internet ucraniana foi inundada com fotos de cadáveres queimados acompanhadas de comentários irônicos.
“Basta matar cinquenta ‘vatniks’ em cada cidade, e então teremos paz, então a guerra terminará, como observou Maksim Mazur, membro do Batalhão Aidar”.
QUEM DECIDIU ESCONDER A VOLTA DOS POGROMS FASCISTAS À EUROPA?
“Então, quem decidiu esconder dos telespectadores o retorno dos pogroms fascistas à Europa?”, questiona Henn. “Foram os editores? Foi o governo alemão, foi Angela Merkel? E os criadores desse silêncio estão cientes de que toda granada que cai na Ucrânia, independentemente de sobre quem caia, também é de sua responsabilidade?”
“Alguém pode dar-lhes crédito por não entenderem o que estavam escondendo? Se você ouvir a retórica deles, eles sabem exatamente o que é “nazista”, tanto na mídia quanto na política. Uma multidão animada se divertindo com a morte de outras pessoas, o que poderia ser mais nazista? Como você dobra isso para fazê-lo desaparecer discretamente?”.
“Ou vice-versa, se bastasse rotular as vítimas de ‘pró-russas’ à época, para que a violação da civilização não fosse mais uma e o massacre fosse apenas um incêndio, o que isso diz sobre os tomadores de decisão? Se eles compartilharam a loucura que desde então dividiu a Ucrânia em ‘raça superior’ e ‘subumanos’, ou apenas pensaram que era útil, eles devem estar cientes de que o silêncio em Odessa significaria tolerar crimes futuros”,
O colunista também se referiu à recente recepção da ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, a uma jovem integrante do Batalhão Azov. Anos antes, ela havia sido retratada em outra fotografia, mais duas outras garotas, fazendo a saudação nazista.
“Há outras fotos desse trio – aqui elas estão sentadas em uma praça em Odessa, rindo, enchendo garrafas com coquetéis molotov, que depois são jogados na Casa dos Sindicatos. A diversão dessas três em seus preparativos para o assassinato em massa é um dos momentos mais aterrorizantes que as horas de vídeo do massacre têm a oferecer, junto com as imagens dos nazistas ucranianos revistando os mortos após o incêndio”.
EM 1933, OUTRO “2 DE MAIO”
Ainda sobre a responsabilidade de Berlim nos rumos que as coisas tomaram. “O dia 2 de maio de 1933 foi o dia em que os nazistas invadiram as sedes dos sindicatos na Alemanha, depois que a DGB convocou seus comícios para 1º de maio”. Pelo menos na Alemanha – observou Henn -, tal evento em tal data “deveria ter desencadeado uma reação; mas não houve mais de uma vigília em Munique. Nenhuma declaração de imprensa referente a esta data histórica, nenhum comício, nenhuma informação aos membros”.
“Se Odessa fosse conhecida de todos, nunca teria sido possível fornecer armas a esta Ucrânia”, afirmou o colunista. “Haveria pelo menos um amplo público que pressionaria pela implementação dos acordos de Minsk”, poderia-se ter seguido “um caminho completamente diferente”.
“VÁ E VEJA” POR CELULARES
O massacre de Odessa é um “Vá e Veja” em pleno século 21, registrado por celulares. Testemunhas descreveram como no percurso para a Praça Kulikovo a turba de fascistas percorreu as ruas aos gritos de “esfaqueiem os moscovitas”, “morte aos inimigos” e “glória à Ucrânia” (a abjeta palavra de ordem entoada pelos colaboracionistas nazistas de Bandera e hoje evocada pela Otan). Entre as vítimas da Casa dos Sindicatos, mulheres, garotos do Konsomol [Juventude Comunista] e até crianças.
A mídia imperial tentou jogar a culpa às vítimas carbonizadas, enquanto as ‘investigações’ encenadas pelo regime de Kiev insistiam em ‘achar o rastro russo’.
O führer do Setor Direita, Dmytro Yarosh, louvou o massacre de Odessa como “mais um dia brilhante na nossa história nacional”. Dias antes, ele havia anunciado a formação do “Batalhão Donbass” e que seus fascistas tinham “cruzado o rio Dniepr”.
Linchadores e incendiários não foram molestados pela polícia. As investigações mostraram que o socorro dos bombeiros foi retardado por interferência dos neonazistas e que foi ordenado aos policiais que desligassem os celulares.
“NÓS OS CONHECEMOS PELO NOME”
Vazamento de uma conversa entre o vice-prefeito de Odessa, Igor Bolyansky, e um dos chefes neonazis da turba mostra que ele não apenas deu a ordem para marchar sobre a praça Kulikovo, como também discutiu a logística da ‘operação’.
Alexander Yakimenko, que liderava o acampamento antifascista perto da Casa dos Sindicatos naquele dia, disse que tomou a decisão “de entrar na Casa dos Sindicatos, porque simplesmente não havia outras rotas de fuga”.
Sobrevivente, ele ficou seis meses no cárcere, sob espancamentos e torturas constantes. Os sobreviventes só foram libertados alguns meses depois, em uma troca de prisioneiros entre Kiev e o Donbass. Sobre a promessa, feita pelo presidente Putin, de que os assassinos serão levados a julgamento, Yakimenko reiterou que “nós os conhecemos pelo nome”.
PARQUE TEMÁTICO DA CIA E PENTÁGONO
É do premiado cineasta e escritor John Pilger uma das mais acuradas descrições do que aconteceu naquele 2 de maio na terceira maior cidade ucraniana.
“Tal como as ruínas do Iraque e do Afeganistão, a Ucrânia foi transformada pela CIA num parque temático – dirigido em Kiev pelo diretor da CIA John Brennan, com ‘unidades especiais’ da CIA e do FBI a instalarem uma ‘estrutura segura’ que supervisione ataques selvagens àqueles que se opõem ao golpe de Fevereiro”.
Assista aos vídeos, ele convoca. “Bandidos fascistas transportados de ônibus incendiaram a sede da Casa dos Sindicatos, matando 42 pessoas presas no seu interior. Observe a polícia de prontidão. Um médico descreveu como tentou resgatar pessoas, ‘mas fui impedido por radicais nazis pró-ucranianos. Um deles empurrou-me para longe brutalmente, prometendo que em breve eu e outros judeus de Odessa iriam se deparar com o mesmo destino’”.
É de Pilger, também, o relato sobre o golpe de Maidan. “Em Fevereiro, os EUA montaram um dos seus golpes ‘coloridos’ contra o governo eleito da Ucrânia, explorando protestos genuínos contra a corrupção em Kiev. O vice-presidente Joe Biden veio a Kiev, tal como o diretor da CIA John Brennan. As tropas de choque do seu putsch foram fascistas ucranianos”.
“Pela primeira vez desde 1945 um partido neonazi, abertamente antissemita, controla áreas chave do poder de Estado numa capital europeia”, alertou então Pilger. “Nenhum líder europeu ocidental condenou esta ressurreição do fascismo na fronteira através da qual invasores nazis ceifaram milhões de vidas russas”.
REGRA DA INVERSÃO
“Mais uma vez, a regra da inversão de Orwell foi aplicada. Não houve putsch, nenhuma guerra contra a minoria da Ucrânia; os russos eram culpados por tudo”, registrou Pilger, sobre como a mídia imperial tratou o golpe de 2014.
Os queimados vivos em Odessa pretendiam tão somente realizar um referendo sobre a federalização, em que as regiões do leste da Ucrânia e do Sul teriam consignados na Constituição direitos e autonomia dentro da Ucrânia, país em que um terço da população fala russo.
Como registrou o cineasta, “tal como as crianças do Iraque sob embargo e as mulheres e meninas do Afeganistão ‘libertado’, aterrorizadas pelos senhores da guerra da CIA, este povo de etnia russa da Ucrânia é ignorado pela mídia do ocidente, o seu sofrimento e as atrocidades contra ele cometidas são minimizadas ou silenciadas”.
Há anos eu tentava achar algum texto que falava sobre aquele ocorrido.
Agora achei. Obrigado. Ótimo Texto!