Os bolsonaristas só não contavam com a ação firme do Poder Judiciário e do Executivo, além da astúcia do relator, deputado Orlando Silva, que se mostrou um dos melhores articuladores do parlamento brasileiro
A sessão da Câmara dos Deputados desta terça-feira (2) foi bastante reveladora do caráter rasteiro dos arranjos que se formaram em torno da discussão – que outros países também enfrentaram – da necessária e urgente regulação na internet no Brasil.
Como disse o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Ricardo Capelli, acabar com a “terra sem lei” na internet é uma “questão de segurança nacional”.
Embalando os bolsonaristas do 8 de janeiro, os depredadores de Brasília, que estimulam o armamento de milicianos, a disseminação do nazismo, a cultura do ódio, a pedofilia e a violência generalizada, além de pretender vender o Brasil, estavam as chamadas big techs, monopólios de tecnologia, na sua maioria americanos, que ganham bilhões manipulando populações e impulsionando – a troco de muito dinheiro – as pautas extremistas.
Estas empresas ganham bilhões de dólares em todo o mundo disseminando o ódio, a violência e o fascismo e fortalecendo a cultura do confronto e da polarização política.
Da tribuna da Câmara, os notórios apoiadores de golpes, de assassinatos de crianças e de Hitler se alternavam fantasiados de paladinos da liberdade. Cinicamente eles tentavam confundir o combate aos crimes digitais, como incentivos a massacres, golpes de Estado, feminicídio, nazismo e outras aberrações como “censura”. Todos levavam um cartaz chamando o PL 2630 de “PL da Censura”. Seu intento era um só: manter a internet como terra sem lei para continuarem perpetrando seus crimes.
Durante a semana que antecedeu a votação, o que se viu no país foi uma avalanche de mentiras e fake news espalhadas criminosamente pelas plataformas contra o projeto. Elas mesmas, ao agirem com todo esse açodamento, acabaram deixando claro para o país inteiro como atuam e que mecanismos lançam mão para manipular a opinião pública.
Essas plataformas têm sido acusadas, entre outras coisas, de participar de “guerras híbridas” contra governos que não se submetem aos ditames e imposições de Washington. Por isso, esse assunto tem a ver com segurança nacional.
Eles usaram até a capa do Google para difundir uma propaganda enganosa – e disfarçada – contra o projeto 2630. O link podia ser lido abaixo da marca da empresa e levava o usuário para um editorial da própria plataforma que atacava violentamente a regulação da internet.
Como se não bastasse toda essa ilegalidade, as plataformas ainda programaram seus “algoritmos” para desaparecer com quem defendia o projeto e para atacar virulentamente, e com mentiras, a regulação das redes sociais. Foi preciso a intervenção da Justiça e do Poder Executivo para coibir essa ação de afronta e desacato ao Congresso Nacional, às leis e ao País.
O ministro da Justiça Flávio Dino exigiu a retirada imediata dos ataques mentirosos ao PL 2630 do ar. Ele estipulou multa de R$ 1 milhão por hora, caso elas não fossem retiradas. O Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) também entraram em ação para coibir a criminosa atuação das plataformas.
O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, classificou de afronta e desrespeito ao parlamento brasileiro a ação das big techs.
Ainda durante a mesma semana anterior à votação, o relator do PL 2630, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), teve que responder também aos ataques vindos de setores que aparentemente deveriam ser de seu mesmo campo político. Além da tentativa de confundir os usuários dizendo que a cobrança das plataformas pelo uso de conteúdo jornalístico e artístico os prejudicaria, Orlando Silva foi acusado por eles de estar beneficiando a Globo.
Ele já havia deixado claro que todas as empresas jornalísticas, grandes, médias, pequenas e, até, individuais passariam a receber das plataformas pelo uso de seu conteúdo. As plataformas não querem pagar pelo conteúdo dos jornais e pelas obras artísticas. Querem manter seus superlucros. Para isso, logo no início da tramitação do projeto, elas convidaram 150 empresas jornalísticas e se acertaram com elas, certamente para atrapalhar a tramitação da nova legislação.
Foram essas empresas, algumas, até, autointituladas de esquerda, que, diante do risco de perderem o dinheiro do Google, se uniram ao bolsonarismo e às big techs e partiram para o ataque contra o projeto e contra o relator.
Quando as plataformas e os bolsonaristas acharam que poderiam derrotar o projeto, se depararam com a ação certeira e firme da Justiça e do Poder Executivo.
Mas, o que valeu mesmo foi a habilidade do relator, um dos melhores articuladores do parlamento brasileiro. Diante da ação criminosa e avassaladora das empresas nas redes, ele pediu ao presidente da Câmara o adiamento da votação para que todas as dúvidas criadas pela farsa das big techs possam ser desfeitas. Com isso, a vitória do projeto fica ainda mais tangível.
Ao pedir o adiamento, Orlando Silva afirmou que o projeto de regulação da internet não é do governo ou da oposição, mas de todo o Brasil. E é bom destacar que esse embate não se dá só no Brasil. Em todo o mundo se discute a regulação da internet, que não pode ser uma terra sem lei e um campo para a disseminação do ódio e da violência.
O Google e outras plataformas também ameaçaram os países onde essa discussão ocorreu. Ameaçaram, por exemplo, sair da Austrália, mas os negócios e os lucros falaram mais alto. E o relator ainda lembrou que no Brasil é onde o Google obtém seus maiores lucros, que chega ao total de US$ 100 bilhões por ano em todo o mundo. Por isso, as plataformas vão pular e espernear, mas aqui também, como ocorreu em vários países da Europa e outros continentes, essas empresas vão ficar e terão que se adaptar e seguir as leis do país.
SÉRGIO CRUZ