Em seminário promovido pelo Cofecon sobre o novo arcabouço fiscal, Antonio Corrêa de Lacerda condenou os juros elevados do BC e defendeu que investimento tem que estar fora de qualquer limite
O economista Antonio Corrêa de Lacerda afirmou no seminário Novo Arcabouço Fiscal, realizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), na terça-feira (25/4) que “não há qualquer pressão de demanda, que justifique uma política monetária tão restritiva como a que nós temos”.
“O desemprego na sua acepção mais ampla, ou seja, que envolve além dos desempregados, aqueles que estão desalentados e subocupados, e portanto como contingente que no Brasil supera 22 milhões de pessoas, é um quarto quase da população economicamente ativa, revela subutilização de um fator de trabalho fundamental de um fator de consumo também significativo. Porque, evidentemente, cada trabalhador a menos é um consumidor a menos. Então, isto significa o seguinte, não há qualquer pressão de demanda que justifique uma política monetária tão restritiva como a que nós temos, ou seja, com taxas de juros absolutamente elevadas”, criticou o economista e professtor da PUC-SP, ex-presidente do Cofecon e integrante da Comissão de Estudos Estratégicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Durante o seminário, Corrêa de Lacerda, ex-presidente do Cofecon, avaliou que o novo arcabouço fiscal é melhor que a regra do teto de gastos por permitir uma flexibilidade em relação ao modelo anterior, mas a nova regra fiscal padece também de alguns vícios de toda a regra fiscal.
Corrêa de Lacerda observou que o Brasil obteve resultados de crescimento econômicos pífios nos últimos anos, ao ser submetido a regras fiscais rígidas, que são ancoradas na tese neoliberal da contração fiscal expansionista, que busca que seus efeitos sejam compensados pela melhora das expectativas do setor privado.
“Quando nós entendemos as regras fiscais vigentes no Brasil ao longo dos últimos anos, nós tivemos no final de 2016 a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95) [ que criou a regra do teto de gastos]. A EC 95 partiu de um vício de origem, de que a busca do ajuste fiscal a qualquer preço traria a confiança dos agentes econômicos e que essa confiança faria com que a economia reativasse e os investimentos crescessem. Essa tese foi internacionalmente combatida por figuras como, inclusive, de origem ortodoxa, como por exemplo o prêmio Nobel Paul Krugman, que chamou esse axioma de acreditar na ‘lenda da fadinha da confiança’, de que você cria a partir de uma política pretensamente austera de corte de gastos, de restrição, um ambiente favorável a confiança e que a confiança traz um investimento e o valor agregado”, lembrou o economista.
Com a regra do teto de gastos, lembra Corrêa de Lacerda, o nível de investimento público chegou ao seu menor patamar histórico. “Nós atingimos ao longo dos últimos 3 anos, tanto em valores absolutos como, principalmente, em proporção do PIB, os menores níveis [de investimento público] da nossa história. Porque, claro, quando você tem um teto de gastos e não há uma distinção entre gasto corrente e investimentos, os investimentos na sua acepção ampla (infraestrutura, política social, Ciência e Tecnologia) são portanto restritos”.
Para Corrêa de Lacerda o novo arcabouço fiscal tem a “virtude de substituir um modelo falido”. “No entanto, o novo arcabouço fiscal padece de muitos vícios de toda a regra fiscal”, observou o economista, prosseguindo: “o primeiro vício dele é, evidentemente, não entender a dimensão macroeconômica da política. Ou seja, o papel da política fiscal para indução do desenvolvimento”, apontou o professor da PUC/SP.
“A poupança não é um pré-requisito para o investimento e, portanto, a chamada restrição fiscal pode ser superada mediante crédito e financiamento em moeda própria – que é aquela que você emite e os títulos que você emite de dívida pública, que estão muito aquém do limite imposto pela maioria dos países. Todos os países são deficitários, praticamente todos. E todos são endividados. Da forma como isso é tratado na opinião pública, especialmente pela mídia corporativa, dá impressão de que só o Brasil é deficitário. Que só o Brasil é endividado, mas na verdade os principais países do mundo são deficitários e são endividados. E, por que eles são endividados? Porque o Estado, ele tem funções específicas das quais ele não pode abrir mão. Muitas vezes as necessidades impostas pelos ciclos, pela pandemia, pelo pós-guerra, por entre outros fatores, exigem gastos maiores do que a possibilidade de gastos no curto prazo. Daí a importância, portanto, da utilização da política fiscal”, explicou o economista.
INVESTIMENTO FORA DE QUALQUER LIMITE
Em sua intervenção, Corrêa de Lacerda sugeriu pontos que devem ser mudados no novo arcabouço fiscal. O economista alertou que não se deve criar “tantas travas que possam ser uma armadilha do ponto de vista econômico e também político, consequentemente, para o governo atual, que acabou de assumir. A primeira questão, fundamental, é que investimento tem que estar fora de qualquer limite, seja de gastos, seja no cálculo do déficit ou do superávit primário”, argumentou.
E acrescentou: “Segundo, não é possível tratar resultados fiscais conjunturais com os resultados estruturais. Ou seja, nós temos que separar essas duas dimensões, e qualquer parâmetro a ser utilizado, a meu ver, tem que ser o estrutural e não conjuntural, porque isso obviamente limita muito a capacidade de investimento do país. Quando você tem limite hoje ou um piso de investimento de R$ 70, R$ 75 bilhões para o Estado, isso realmente é uma meta folgada para o primeiro ano, relativamente ao que prevaleceu nos últimos dois, três anos. Mas ao longo dos próximos anos, pelas regras, poderão ser inclusive apertadas”, argumentou Corrêa de Lacerda.
“É preciso criar alternativas para viabilizar uma forma de estabelecer o arcabouço, regra ou marco fiscal, que dê flexibilidade principalmente no lado dos investimentos, porque isso é que pode fazer diferença em relação ao modelo anterior, e principalmente tornando minimamente a política fiscal como um instrumento de crescimento econômico e desenvolvimento. Porque é o ajuste que tem que ser obtido mediante o resultado da política econômica e não o contrário e isso me parece que é a questão fundamental”, afirmou o ex-presidente do Conselho Federal de Economia.