Para presidente da Casa, Google, Facebook e Twitter passaram dos limites, buscando impedir o funcionamento do Poder Legislativo e a tramitação do projeto de lei de combate às fake news
A tentativa, pelas big techs (plataformas digitais), de derrubar o projeto de lei de combate às fake news chegou ao nível do desrespeito ao Poder Legislativo.
Assim compreende o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Diante disso, Lira disse que vai acionar a advocacia da Casa para adotar as medidas cabíveis contra as chamadas big techs – grandes empresas de tecnologia como Facebook, Twitter e Google.
“Houve muita pressão. Estamos colecionando relatos. Ameaças físicas, por meio das redes sociais. Independentemente do que cada deputado pense, as big techs ultrapassaram todos os limites da prudência”, disse ele, durante entrevista à Globonews, nesta quarta-feira (4).
Na opinião de Lira, a ação das empresas de tecnologia foi na prática o impedimento do funcionamento do Legislativo. “Você defender seu pleito, tranquilo, mas usar seus meios para cercear que a outra parte se mobilize, isso não”, enfatizou.
Lira não deu nova data para discussão da proposta. “O clima não está fácil de ser conduzido no Parlamento por diversos motivos, como a polarização que a gente ainda vive. As discussões dizem respeito a tudo, menos ao texto”, afirmou.
INICIATIVA PRECÍPUA
O presidente da Câmara disse que é melhor o Parlamento legislar sobre a questão antes que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue algumas das ações no tribunal relacionadas ao tema.
Lira demonstra preocupação com o fato do Poder Legislativo demorar a aprovar legislação regulamentadora das redes sociais e o Supremo atropelar o Congresso naquilo que é papel precípuo dos legisladores.
Sobre risco de o chamado “PL das Fake News” impactar a garantia de imunidade parlamentar, Lira disse que não há. “A imunidade parlamentar tem regra, limite e responsabilidade. O parlamentar responde pelo que diz”, afirmou.
TRABALHO DO RELATOR
O projeto de lei (PL 2.630/20) saiu da pauta do plenário da Câmara dos Deputados. Todavia, o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) continua o trabalho de encontrar solução para os impasses contidos no texto.
É importante destacar que, em razão de a aprovação do requerimento de urgência para votação do projeto em plenário ter sido aprovado, o texto pode voltar à pauta em qualquer momento do processo legislativo.
Há, pelo menos, 5 pontos polêmicos que o relator tem de encontrar o caminho do consenso: 1. combate a conteúdo criminoso ou risco de censura?, 2. quem vai fiscalizar as redes, em particular, as big techs, 3. a questão da imunidade parlamentar, 4. remuneração de conteúdo jornalístico e 5. a questão da remuneração de direitos autorais.
COMBATE A CONTEÚDO CRIMINOSO
No parecer do relator, cria-se novas regras para a moderação de conteúdo por parte das plataformas digitais, que poderão ser punidas com elevadas multas se não agirem “diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços”. Essa nova abordagem é inspirada em legislação mais dura recentemente adotada pela União Europeia, a Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês).
Segundo as regras atuais brasileiras, estabelecidas no Marco Civil da Internet, as big techs não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e compartilhado em suas plataformas. Dentro desse princípio, as empresas só são obrigadas a excluir conteúdos no Brasil em caso de decisão judicial.
QUEM VAI FISCALIZAR AS REDES
Outro ponto alvo de intenso debate é qual órgão, afinal, será responsável por fiscalizar a aplicação da lei e, eventualmente, punir as empresas.
Inicialmente, o projeto dava ao Poder Executivo a prerrogativa de criar entidade autônoma de supervisão, que poderia instaurar processos administrativos e aplicar sanções.
Devido à forte resistência de parte da Câmara, em especial de parlamentares bolsonaristas, isso foi retirado da última versão apresentada pelo relator.
IMUNIDADE PARLAMENTAR
Também gerou polêmica a inclusão no projeto de proteção às manifestações de congressistas nas plataformas digitais.
Lira lembrou que a Constituição estabelece que “Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. A última versão do projeto de lei prevê que essa imunidade parlamentar constitucional “estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada”.
REMUNERAÇÃO DE CONTEÚDO JORNALÍSTICO
Durante a tramitação na Câmara, o projeto passou a prever que as empresas remunerem conteúdos jornalísticos que circularem em suas plataformas.
A proposta estabelece que terá direito à remuneração qualquer empresa em funcionamento há ao menos 24 meses, mesmo se individual (apenas 1 jornalista), que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”.
REMUNERAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS
Outra novidade da última versão do projeto é a previsão de novas regras para remuneração de conteúdo protegido por direitos autorais, como músicas e vídeos. Artistas têm realizado ampla campanha nas redes sociais a favor da aprovação desse ponto.
“Quando a profissão dos atores foi regulamentada 45 anos atrás não existia internet. O ator recebia para trabalhar numa novela, numa série, e isso era exibido uma única vez, ia ao ar, e pronto. E hoje em dia, com a internet, o que acontece é que nosso trabalho fica disponível ad infinitum”, disse o ator Caio Blat ao canal CNN Brasil.
“Com as novas plataformas, você pode assistir novelas antigas, filmes antigos, filmes novos, e essas imagens vão ficar disponíveis infinitamente para assinantes, e vendendo publicidade, e os atores não recebem seus direitos autorais, os direitos conexos, referentes a sua própria imagem, a sua própria voz, ao seu trabalho de interpretação que está fixado ali” afirmou ainda o ator.
ARTISTAS
Representantes da classe artística se reuniram com parlamentares da Câmara dos Deputados na terça-feira (2) para defender o PL das Fake News e a manutenção do trecho que trata dos direitos autorais de artistas.
O dispositivo defendido pelos artistas garante a categoria uma comissão pela reprodução de conteúdos nas plataformas digitais.
O grupo composto por Nando Reis, Glória Pires, Zélia Duncan, Paula Lavigne, Seu Jorge, Paula Lima, Maria Ribeiro, Pretinho da Serrinha, Vanessa da Mata e outros se reuniu com representantes do governo na Câmara e com parlamentares do União Brasil e Republicanos. A ministra da Cultura, Margareth Menezes também participou do encontro.
“É uma coisa que está em lei, a gente não está pedindo nada, a gente só está pedindo que seja executado o que a lei de direito autoral fala, que tem que ser remunerado”, disse a produtora cultural Paula Lavigne.
A produtora afirmou ainda que o grupo se reuniu com o relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP), que prometeu a articulação de um projeto de lei sobre o tema, caso a reivindicação não seja votada junto ao PL das Fake News.