Ele mentiu aos investigadores dizendo que não ordenou a operação golpista contra os eleitores de Lula. No entanto, documentos mostram que ele se deslocou ao Nordeste em avião da FAB para organizar as blitz ilegais. Provas complicam situação do ex-ministro de Bolsonaro
O ex-ministro da Justiça e comparsa de Bolsonaro em suas tramas golpistas, Anderson Torres, abriu mão do silêncio e falou por cerca de 2 horas com investigadores da Polícia Federal, em Brasília nesta segunda-feira (8). Ele foi convocado para dar esclarecimentos sobre a atuação suspeita da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o segundo turno das eleições presidenciais, em 30 de outubro de 2022.
Torres deixou o local em um veículo oficial da Polícia Militar do DF pouco antes das 17h — ele chegou à sede da PF às 13h30, e o depoimento começou por volta das 14h30. O depoimento é parte do inquérito que apura a atuação da PRF nas eleições. O órgão estava subordinado a Torres e teria agido para dificultar o acesso de eleitores às seções de votação, especialmente na região Nordeste.
À época, o Ministério da Justiça – ao qual a PRF está subordinada – era comandado por Torres. O atual ministro da Justiça, Flávio Dino afirmou que os dados apresentados pela PRF apontam ao menos três “anomalias” na corporação durante as eleições de 2022: concentração de operações no Nordeste; mudanças no planejamento inicial e uma determinação para que a PRF atuasse em conjunto com a Polícia Federal no segundo turno.
Outro relatório do Ministério da Justiça entregue à Controladoria Geral da União (CGU) mostra que a PRF fiscalizou 2.185 ônibus no Nordeste, onde Lula (PT) era favorito, contra 571 no Sudeste, entre 28 e 30 de outubro, vésperas e dia do segundo turno das eleições de 2022. No início do dia da eleição milhares de denúncias foram feitas de que os eleitores estavam sendo impedidos de votar. Foi preciso ordem expressa de Alexandre de Moraes para que a ação golpista fosse interrompida.
O advogado de defesa de Anderson Torres, Eumar Novacki, afirmou que o cliente “respondeu todos os questionamentos formulados” pela Polícia Federal. Diante dos interrogadores, Torres tentou tirar o corpo fora e disse que não interferia diretamente nas operações da PRF.
Apesar da alegação, documentos divulgados nesta segunda (8) pela CNN desmentem a versão de Torres. Eles comprovam que o então ministro da Justiça Anderson Torres viajou à Bahia em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB), seis dias antes do segundo turno das eleições presidenciais, para tratar das operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A relação nominal do documento sobre o voo mostra que Torres foi acompanhado do secretário-executivo do Ministério da Justiça, Antônio Lorenzo, do diretor-geral da Polícia Federal, Márcio Nunes, de um assessor especial do gabinete e dois agentes da PF. Torres estava no Rio de Janeiro por conta do episódio em que Roberto Jefferson foi preso e atirou contra policiais federais.
Outro documento, também obtido pela CNN, mostra a reunião de Anderson Torres com o superintendente da PF na Bahia, o delegado Leandro Almada. O encontro ocorreu no dia 25 de outubro, uma terça-feira da semana pré-eleição. A agenda foi solicitada na tarde do dia anterior, conforme despacho de uma assessora. Veja abaixo!
Participaram da reunião, de 11h às 12h, além de Torres e Almada, o secretário-executivo do MJ, o diretor-geral da Polícia Federal, e os delegados da PF na Bahia Marcelo Werner e Flávio Marcio Albergaria Silva. Nessa reunião Torres teria pedido apoio da PF nos bloqueios que a Polícia Rodoviária Federal faria no segundo turno das eleições presidenciais.
Alguns dias antes do depoimento, um grupo de senadores de oposição ao governo esteve no 19.º Batalhão de Polícia Militar, em Brasília, para visitar Anderson Torres. Na decisão que autorizou as visitas, Moraes determinou que elas devem respeitar o limite de no máximo cinco senadores por vez. É proibido entrar com celulares, câmeras ou gravadores, assim como entregar mensagens de “qualquer espécie”. A presença de assessores e seguranças também não foi permitida.
Torres cumpre prisão preventiva como um dos investigados nos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro, sob acusação de omissão e conivência diante da invasão e destruição das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Estiveram na visita Izalci Lucas, Rogério Marinho, Jorge Seif, Magno Malta e Márcio Bittar. De acordo com o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), o ex-ministro da Justiça “chora o tempo todo” na cadeia. Não se sabe se este choro se refere ao medo da condenação por ter apoiado os atos terroristas e o golpe fracassado ou pelo abandono do “aliado” Jair Bolsonaro e o seu entorno.
O ex-ministro e ex-secretário foi preso ao retornar dos Estados Unidos, para onde viajou, de férias, pouco depois de assumir a gestão da segurança no DF. Ele havia tomado posse no dia 2 e embarcou no dia 7 para Miami – onde já estava Bolsonaro. No momento da invasão, embora Torres já estivesse fora do País, seu período de descanso ainda não havia começado formalmente e estava programado, segundo o Diário Oficial, para a segunda-feira, dia 9.
No domingo, após os ataques, o presidente Lula decretou uma intervenção federal na Segurança Pública do DF. O STF decretou a prisão de Torres. Os terroristas apoiados por ele marcharam do Quartel-General do Exército até a Esplanada dos Ministérios e furaram o bloqueio de acesso aos prédios públicos, sem resistência da Polícia Militar, antes de invadir o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo e depredarem tudo o que viam pela frente.