CARLOS LOPES
(HP 23/09/2003)
O HP continua nesta edição a publicar os resultados de sua garimpagem nos registros da CIA e outras agências de terrorismo do governo dos EUA. Trata-se de uma enxurrada de papéis (somente em relação ao golpe no Chile, em que a maioria esmagadora dos documentos permanece secreta, já foram desclassificados 16.000 documentos). No meio de uma batelada de materiais sem interesse, puramente burocráticos – não ia ser a CIA a facilitar a vida de quem procura conhecer os fatos – com centenas de milhares de páginas, continuamos a encontrar coisas interessantes. É verdade que quase sempre com vastos trechos encobertos por tarjas negras – ou com palavras, frases e parágrafos apagados – mesmo quando tratam de acontecimentos ocorridos há 50 anos, como o golpe na Guatemala. Possivelmente, devido ao volume da papelada, alguns devem ter sido liberados inadvertidamente, ou até porque algum funcionário achou que tal ou qual documento não tinha nada de mais, apesar de ser prova de crime, tanto se está acostumado, nesses ambientes, a tratar assassinatos e massacres como se fossem coisas “normais”.
DISSECAÇÃO
Talvez isso explique, em parte, a desclassificação da “Teoria e prática do assassinato” (“A study of assassination”), que começamos a dissecar – termo próprio para essa fabricação de cadáveres – na última edição. Escrito para a operação que a própria CIA diz que foi o seu “modelo” para as que se seguiram no resto do mundo, a “PBSucess”, contra o governo do presidente Árbenz, na Guatemala, em 1954, ele, igualmente, foi o modelo dos manuais de assassinato posteriores. Por exemplo, aquele revelado em 1984, para a Nicarágua, apenas reproduz o “modelo”, com muito pouca variação.
No manual feito para seus assassinos na Guatemala, há, como mencionamos na edição anterior, uma classificação dos assassinatos feita por psicopatas para psicopatas: “se o assassinato requer publicidade para ser efetivo, ele será denominado terrorista”. O imbecil, tão sem escrúpulos quanto pomposo, que escreveu isso, dá, em seguida, exemplos do tipo: “o assassinato de Júlio César foi seguro, simples e terrorista” (pág. 2).
“ARMAS DE GUME”
A comparação com um antigo acontecimento histórico é o enfeite, a ilusão estúpida dos mangas de alpaca da CIA de que podem colocar alguns paetês idiotas na sua psicopatia, isto é, nos seus crimes. O que é inútil, pois apenas sublinha a única coisa que há de comum entre o assassinato de César e os assassinatos da CIA – a covardia traiçoeira, o punhal pelas costas. Aliás, o manual da CIA se estende largamente sobre como assassinar com “armas de gume” e “armas sem gume”, sobre os “conhecimentos anatômicos necessários” para enfiar uma faca ou punhal na vítima, sobre como “outro método confiável é cortar a carótida e a jugular”, e outras considerações.
A fixação histérica pelo assassinato, leva, inclusive, que a CIA faça propaganda enganosa para os seus próprios assassinos, atribuindo-se a invenção de uma nova “técnica”, sem pagar direitos autorais aos seus verdadeiros inventores – Al Capone, Lucky Luciano e outros empreendedores que enriqueceram os EUA com suas descobertas:
“6. Armas de fogo. c) Submetralhadora. A submetralhadora é especialmente apta para trabalhos em recintos fechados quando mais de um objeto é para ser assassinado. Uma técnica efetiva tem sido delineada para o uso de um par de submetralhadora, pela qual uma sala contendo tantas quanto uma dezena de alvos pode ser ‘purificada’ [a palavra está em latim no original] em cerca de 20 segundos com pequeno ou nenhum risco para os atiradores” (pág. 13).
Porém, mais adiante, a CIA reconhece a sua dívida com o pessoal de Chicago da década de 20, que, por sinal, fazia menos mal ao mundo e aos EUA:
“7. Explosivos. Bombas e cargas de demolição de vários tipos têm sido usadas frequentemente em assassinatos. Dispositivos desta ordem, em assassinatos terroristas e abertos, podem fornecer segurança e romper barreiras de guardas” (pág. 16).
OPERAÇÕES ENCOBERTAS
Um autor norte-americano, David Isenberg (V. “The Pitfalls of U.S. Covert Operations”), concluiu que as “operações encobertas” se tornaram – na sua opinião, desde 1945 – “o principal aspecto da política externa” ianque, daí a fundação da CIA em 1947. Porém, as operações encobertas, os assassinatos, o terrorismo, não são apenas externos. Num trecho do manual se diz que “o assassinato de um líder político cuja florescente carreira é um claro e presente perigo (….) pode ser considerado necessário”. Algumas páginas depois, na parte intitulada “o rifle de precisão”, depois de elogios à “mira telescópica”, está o seguinte:
“Figuras públicas ou autoridades protegidas por guardas podem ser assassinadas com grande confiabilidade e toda segurança se um ponto para fazer fogo pode ser estabelecido antes de uma ocasião oficial. O valor da propaganda desse sistema pode ser muito alto” (pág. 11).
Certamente muitos leitores se lembrarão de algo, ou terão a sensação de que já viram algo semelhante: parece uma descrição bastante precisa e sintética do assassinato do presidente Kennedy. Somente que foi escrita 9 anos antes do atentado de Dallas, num manual da CIA que resume os seus métodos, isto é, suas formas favoritas de cometer assassinatos, inclusive, por esse e outros inúmeros indícios, o de um presidente dos EUA. Tanto o assassinato de John, quanto o de Robert, quanto o de John Kennedy Jr., aliás, como o leitor desta série de reportagens pode comprovar, parecem ter sido tirados do manual de assassinato da CIA.
TERROR CONTRA A POPULAÇÃO
O terrorismo ianque só se compara ao dos nazistas. Eles próprios o dizem: o psicopata que chefiou a operação da Guatemala, Howard Hunt, organizador e executor das listas de assassinato, diz, numa entrevista posterior: “o que nós queríamos fazer era uma campanha de terror, para aterrorizar Árbenz particularmente, aterrorizar suas tropas, tal como os bombardeiros Stukas alemães aterrorizaram a população da Holanda, Bélgica e Polônia no princípio da II Guerra”.
Hunt está confessando que o “modelo” verdadeiro da CIA, e dos seus mandantes, foram os nazistas – cujo terrorismo, como ele mesmo diz, atingiu a população da Holanda, Bélgica, Polônia a Holanda e a Europa toda. Porque as tropas de Árbenz eram o povo, que lhe deu 65% dos votos nas eleições de 1950, que o apoiava e que estava contra os bandidos da United Fruit.
Não foi exatamente isso o que eles fizeram no Iraque? Exatamente por isso é que o nome que deram a essa “operação” foi “choque e pavor” – ou seja, “choque e terror”. O objetivo de bombardear escolas, hospitais, mercados públicos, residências, estações de tratamento de água, não era atingir tropas ou instalações militares, mas o de aterrorizar a população. É preciso ser um boçal como Bush para botar um nome desses na operação e chamar os outros de terroristas. O problema deles é que quem está ficando apavorado não são os iraquianos. Estes, ao contrário, transformaram em esporte nacional o tiro ao ianque, modalidade contemporânea de luta pela libertação nacional.
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