CARLOS LOPES
(HP 12/09/2003)
O leitor pode ver acima o fac-símile da primeira página de um manual de assassinatos, intitulado “A Study of Assassination” (“Um estudo do assassinato”), confeccionado pela CIA para a campanha de terrorismo feita contra a Guatemala, em 1954. Foi escrito para os agentes da CIA destacados para a “Operation PBSucess” (“PB”, segundo o chefe da operação, Howard Hunt, era o nome em código que a CIA usava para “Guatemala”).
“LISTA DE ELIMINADOS”
Tal como outros documentos antes secretos, ele pode ser consultado, na íntegra, em fac-símile e em transcrição, no “National Security Archive”, seção do site da Universidade George Washington. Também lá, pode ser encontrado um balanço da CIA de sua atividade na Guatemala, em 1954, intitulado “CIA and Guatemala Assassination Proposals, 1952-1954”. E, também, uma lista (“Seleção de indivíduos a serem descartados pela Junta”), datada de 31 de março de 1954, de pessoas a serem assassinadas na Guatemala. Esta lista é apenas uma das que foram feitas. No fim da primeira página dela, aparece a anotação manuscrita: “Lista de eliminação”, e abaixo, “7 de abril – dados biográficos anexados ao memorando original com dados biográficos anexos passado para [nome apagado]. Devolvido por [nome apagado] em 1º de junho de 1954”. No dia 7 de abril, um dos chefes de divisão da CIA, provavelmente Howard Hunt, encontrou-se com Castillo Armas, anormal expulso do exército guatemalteco, levando a lista. Castillo acrescentou outros nomes à lista de pessoas para serem assassinadas, e a CIA incorporou os nomes (V. Gleijeses, P., “Shattered Hope – The Guatemalan Revolution and the United States 1944-1954”).
A operação foi aprovada pessoalmente por Eisenhower.
Depois da revolução popular guatemalteca de 1944, e da eleição do presidente Arevalo, a quadrilha que circulava por Washington entrou em frenesi. Até então, a Guatemala havia sido dominada pela United Fruit, que botava e tirava um ditador atrás do outro, escravizava camponeses e mantinha um bando de capangas para matar quem se opunha a ela. O antecessor de Eisenhower, Truman, havia aprovado outra operação, a “PBFortune”, que consistia em fornecer armas a Castillo, através de Somoza – que, em 1952, foi recebido com festa em Nova Iorque (foi até condecorado pela cidade) e Washington, na Casa Branca.
VETO DE TRUMAN
Mas Truman vetou a outra proposta da CIA, a PBSucess. Foi somente um ano depois, em agosto de 1953, que Eisenhower aprovou o terrorismo na Guatemala, alocando para a operação a quantia – imensa na época, e, mais ainda, para um país do tamanho da Guatemala – de US$ 2,7 milhões.
Desde 1950, a Guatemala era governada pelo presidente Jacobo Árbenz, coronel do exército e principal líder da revolução de 1944, eleito com 65% dos votos. Um diplomata brasileiro assim descreve o seu governo: “…iniciou-se a construção de estrada de rodagem entre a capital e o Atlântico; novo porto de San Tomás de Castilha, igualmente na costa atlântica; e a usina hidrelétrica de Jurun-Marinalá. O quarto projeto (…) seria o da implantação da reforma agrária. Os dois primeiros programas se propunham contrarrestar a excessiva influência de braços auxiliares da United Fruit na economia da Guatemala. [Quanto à reforma agrária] Cem mil chefes de família haviam sido beneficiados, o que estenderia as vantagens da reforma a aproximadamente quinhentas mil pessoas. Sendo a maior latifundiária da Guatemala, a United Fruit (com 85% de suas terras não-cultivadas) deveria ser a principal atingida pela reforma agrária, como de fato foi. Embora tivesse adquirido a terra pelo preço de US$ 1.48 por acre, e diante da oferta da administração Arbenz de US$ 2.99, ela agora exigia US$ 75.00 por acre”. (Mauro Mendes de Azeredo, “A Perigosa Proposta Igualitária Da Revolução Guatemalteca”)
UNITED FRUIT
Para que a United Fruit voltasse a subjugar a Guatemala, a CIA organizou uma série de “operações” (“Operation Sucess”, “Operation Sherwood”) e destacou, para dirigi-las, o citado Hunt – o mesmo que, anos depois, seria preso durante uma ação na sede do Partido Democrata, no edifício Watergate. Hunt organizou um grupelho de mercenários para perpetrar crimes – atentados a bomba, assassinatos, invasões e roubo de terras. Os mercenários se apresentavam, sempre, como “guerrilheiros comunistas”. Sobre isso e outros crimes, limitamo-nos a reproduzir as palavras do próprio Hunt, em entrevista ao site já citado, ao relatar o uso de aviões e pilotos americanos: “o que nós queríamos fazer era uma campanha de terror, para aterrorizar Árbenz particularmente, aterrorizar suas tropas, tal como os bombardeiros Stukas alemães aterrorizaram a população da Holanda, Bélgica e Polônia no princípio da II Guerra”.
Ao mesmo tempo, Hunt encheu de dinheiro os jornais e as rádios reacionárias, que acusavam Árbenz de complacência, ou cumplicidade, com os bandidos. Em suma, a CIA cometia os crimes e os atribuía a Árbenz, que acobertaria os “comunistas”.
Com as forças armadas confundidas e paralisadas, outro grupo de mercenários contratados pela CIA invadiu o país, encabeçado por Castillo Armas. Derrubado o presidente eleito, o regime da CIA (era Hunt quem tinha a lista dos que deviam ser assassinados) promoveu um dos maiores massacres da História da América, que durou décadas: 100 mil civis foram assassinados, até o fim da ditadura, em 1990.