Getúlio, aos trabalhadores, no 1º de Maio de 1954
CARLOS LOPES
(HP 29/08/2003)
No dia 24 de agosto, transcorreram 49 anos da heroica morte do presidente Getúlio Vargas. Ele liderou a construção do Brasil moderno e, passadas cinco décadas, suas previsões – assim como suas denúncias contra os inimigos do país – confirmaram-se integralmente.
Sobre as primeiras, no último primeiro de maio que passou entre os trabalhadores brasileiros, em 1954, Getúlio afirmou: “Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo. A satisfação dos vossos reclamos, as oportunidades de trabalho, a segurança econômica para os vossos dias de infortúnio, o amparo às vossas famílias, a educação dos vossos filhos, o reconhecimento dos vossos direitos, tudo isso está ao alcance das vossas possibilidades. Não deveis esperar que os mais afortunados se compadeçam de vós, que sois os mais necessitados. Deveis apertar a mão da solidariedade, e não estender a mão à caridade. Trabalhadores, meus amigos! Com consciência da vossa força, com a união das vossas vontades e com a justiça da vossa causa, nada vos poderá deter”.
Que palavras seriam mais atuais para o período de hoje, quando um trabalhador, pela primeira vez na História do Brasil, ocupa a Presidência da República?
CLT
Aliás, sua primeira medida administrativa, após a Revolução de 30, foi, exatamente, a criação do Ministério do Trabalho, um dos pontos principais de seu programa eleitoral, durante a campanha à Presidência. As leis que instituíam ou garantiam as conquistas dos trabalhadores, aliás, começaram a ser feitas logo depois da Revolução, e estenderam-se até o fim de seu segundo governo. Na década de 40, elas foram reunidas na CLT – a qual foram, posteriormente, incorporadas outras medidas.
O nome CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – traz a marca da sua origem. Seus detalhados artigos são a reunião – ou seja, a “consolidação” – das leis anteriores, até então dispersas, em um único instrumento jurídico. Alguns, por equívoco – e outros, por má fé – pretenderam que a CLT fosse cópia ou plágio da Carta del Lavoro do regime fascista de Mussolini. No entanto, a essência das duas é diametralmente oposta. O que Getúlio fez foi dotar os trabalhadores de representação sindical própria – e de leis de proteção aos seus direitos. Os fascistas, como sempre, fizeram o contrário: colocaram trabalhadores e empresários na mesma estrutura, e não há dúvida sobre quem estava submetido a quem.
Se não bastasse isso para prová-lo, bastaria o modo como foi feita – e nomeada – a CLT, uma “consolidação” de mais de uma década de medidas em prol dos trabalhadores. Nunca houve plágio algum da Carta del Lavoro. Simplesmente, nunca se pensou nisso. Havia centenas de leis de lavra própria da Revolução de 30, para reunir.
O ESTADO
Getúlio fundou o Estado nacional brasileiro e deslanchou um processo de desenvolvimento que levaria o Brasil a ser o país capitalista de maior crescimento durante quase 60 anos. Como disse em sua Carta-Testamento (ver a íntegra nesta página): “Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social”.
Muito esclarecedora é a descrição, feita ainda na campanha eleitoral – portanto, antes da Revolução – da situação do país sob os servos do colonialismo inglês e “coronéis” na República Velha: “Um infinito Saara moral, privado de sensibilidade e sem acústica. O povo oprimido e faminto. O regime representativo golpeado de morte, a subversão do sufrágio popular”. É difícil encontrar algo mais parecido com o Brasil durante o escuro período em que Fernando Henrique esteve no Planalto. Se bem que, faça-se justiça, aqueles seus antecessores de antes de 1930 não eram tão degenerados quanto os que apareceram depois.
Na época, o Brasil era um mero fornecedor de produtos agrícolas – principalmente o café – e mercado cativo para os produtos industriais ingleses, importados a preço de monopólio. Diante dos preços miseráveis pagos pelo café, a oligarquia cafeeira no governo, para garantir os seus lucros, endividava o país. Tudo era drenado por essa espoliação. A indústria era bloqueada. O povo, desempregado, vegetava na miséria e na fome. O país era uma colcha de retalhos, em que cada província era um feudo. O poder da oligarquia cafeeira era mantido pela fraude eleitoral e pela violência brutal.
Foi contra essa situação de sufocamento de toda a nação, que formou-se – com a participação decisiva dos oficiais revolucionários que anos antes tinham formado a Coluna Prestes – a chapa de Getúlio – João Pessoa, e a Aliança Liberal. Escandalosamente fraudada mais uma vez a eleição, e assassinado João Pessoa, a revolução começou, no dia 3 de outubro de 1930. O governo da oligarquia caiu em 26 dias.
Getúlio, comandante da revolução, foi de Porto Alegre ao Rio em meio à aclamação popular. Em todo o Brasil, no Norte, no Nordeste e Centro-Oeste, o povo se ergueu e ocupou as ruas, para garantir e saudar a revolução. Começava uma nova época para o Brasil.
UMA GRANDE NAÇÃO
Deslanchou-se, então, um processo de desenvolvimento que levaria o Brasil a ser o país capitalista de maior crescimento durante quase 50 anos. Formou-se uma numerosa classe trabalhadora que conquistou direitos como salário mínimo à altura de suas necessidades, a jornada de trabalho de oito horas, as férias e o descanso semanal remunerado, aposentadoria, a licença maternidade.
Ao mesmo tempo, o débil empresariado nacional que existia antes, multiplicou-se e fortaleceu-se. De importador de produtos industriais, o Brasil tornou-se exportador. O consumo da população, brutalmente achatado antes, expandiu-se enormemente com o aumento do poder aquisitivo, que criou o mercado interno para a indústria nacional.
A INDÚSTRIA DE BASE
No entanto, era – e é – impossível manter o crescimento econômico importando insumos básicos (aço, petróleo, produtos químicos) dos cartéis que monopolizam sua produção e comercialização, ou com a eletricidade dominada exclusivamente por um cartel estrangeiro – isto é, com o país a mercê deles. A própria empresa privada nacional seria estrangulada – num país que é um dos mais ricos do mundo em recursos naturais.
Getúlio concentrou, através do Estado, os recursos e esforços necessários. Ergueu a grande siderurgia – com a CSN; a indústria petrolífera – com a Petrobrás; a indústria química – com a Companhia Nacional de Álcalis; e projetou a Eletrobrás. Deu um extraordinário impulso à indústria de máquinas e equipamentos, com a Fábrica Nacional de Motores. Fundou a Companhia Vale do Rio Doce, para colocar nossos recursos minerais, antes explorados, triturados e exportados pela Itabira Iron e outros piratas, a nosso serviço, do povo e do desenvolvimento brasileiros.
Até então, o Estado estivera a serviço dos bancos ingleses e de uma submissa e pequena oligarquia, tão submissa ao colonialismo, quanto arrogante e estúpida para com o povo e o país.
A hemorragia de recursos para o exterior, isto é, para os cofres dos bancos estrangeiros a título de dívida externa, Getúlio estancou-a. Dirigiu os recursos antes dilapidados para o desenvolvimento. Através do confisco cambial, canalizou parte da renda das exportações de café para a industrialização.
Getúlio colocou o Estado a serviço do Brasil e dos brasileiros. Naturalmente, um país livre e independente não existe sem um Estado Nacional. O pântano dos carcomidos – o regime anterior a 1930 – foi varrido.
UNIDADE NACIONAL
Até então as forças de cada oligarquia em cada Estado tinham mais poder de fogo do que o próprio Exército. Getúlio, para garantir nossas fronteiras, fortaleceu e reequipou o Exército, a Marinha e criou a Aeronáutica. O resultado mais evidente foi a vitoriosa campanha da FEB e da FAB contra o nazismo, na Itália, e a batalha, que vencemos, contra os traiçoeiros ataques submarinos nas nossas costas.
Com a Rádio Nacional, a diversidade da nossa cultura e a própria língua que falamos, tornaram-se únicas, sem perder o seu rico colorido regional. A literatura e as artes foram preenchidas por um conteúdo nacional e popular.
Pela primeira vez o país teve um sistema escolar público, gratuito, universal, com um ensino de alto nível. Tanto o ensino básico obrigatório quanto as Universidades Federais foram uma criação de Getúlio.
Da mesma forma, o sistema nacional de saúde pública. O controle de endemias e epidemias foi estendido a todo o território nacional. Ergueram-se hospitais, formaram-se profissionais cuja filosofia era a de atender as necessidades da população.
A ciência e a tecnologia foram incentivadas e várias descobertas brasileiras tornaram-se patrimônio da Humanidade, ligadas a nomes como Lattes, Schenberg, Damy.
O GRANDE LEGADO
“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante”, disse em sua Carta-Testamento. “Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida”.
Getúlio deixou para nós uma grande nação. Condensou, em sua figura e em sua vida, as aspirações de todo o povo brasileiro – dos trabalhadores aos empresários. Deixou em nossas mãos um programa e um exemplo para a libertação. Seremos dignos de sua coragem, de sua visão – e de seu humano e heroico patriotismo. A herança que nos deixou, é o Brasil, a mesma que, com o presidente Lula, nós agora retomamos: os caminhos dos interesses nacionais, do desenvolvimento, do emprego e da justiça social.