“O excedente da receita não poderá ser todo aplicado em investimentos”, explicou o economista da FGV
O relator do projeto de arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), criou gatilhos para disparar cortes, retirou áreas que estavam fora dos limites e restringiu investimentos com recursos acima do superávit. Em essência, o que ele fez foi piorar as regras que, para alguns economistas, já criavam algumas restrições sérias aos investimentos necessários para o país retomar o crescimento.
Esta é a opinião do economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas. “O relator pecou ao colocar mais uma trava ao crescimento dos investimentos”, disse ele nesta quarta-feira (17) ao HP. “O excedente da receita não poderá ser todo aplicado em investimentos”, explicou Marconi. Para o economista, alguns gatilhos são importantes, mas essas medidas “fazem das restrições aos investimentos uma variável de reajuste”.
Os professores Nilson Araújo de Souza, da Unila, e Luiz Gonzaga Beluzzo, da Unicamp, também demonstraram preocupações com as restrições aos investimentos que já haviam na proposta original. Nilson Araújo chegou a dizer, há algumas semanas, que o aspecto positivo era o fato do “ajuste fiscal” ser feito, sobretudo, pelo aumento da receita, e não, como a ortodoxia monetarista costuma fazer, pelo corte da despesa, podendo ser neutralizado pelas restrições aos investimentos.
Beluzzo também, na mesma ocasião, já havia levantado preocupações com as travas aos investimentos. “É preciso que os investimentos fiquem de fora para dar liberdade para você exercitar a capacidade de gasto anticíclico do governo”, defendeu o economista. “O argumento dos conservadores é que, seja qual for a situação, o gasto fiscal é sempre inflacionário. Dizer que o gasto fiscal numa situação recessiva é inflacionário é um pouco demais”, afirmou Beluzzo. Ele disse também que o piso de R$ 76 bilhões de investimentos definidos pela proposta serão insuficientes se os investimentos estiverem limitados pelas regras de gastos.
Foi exatamente isso o que o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) fez ao apresentar o seu relatório esta semana. Ele restringiu ainda mais os investimentos públicos. O parlamentar definiu que o excedente da receita não poderá ser todo ele aplicado nos investimentos. Na verdade, 30% deste excedente deverá ser destinado ao pagamento de juros.
Além de colocar mais travas aos investimentos públicos, o relator da matéria retirou das exceções que constavam na proposta original do governo as despesas com ampliação do Bolsa Família, a capitalização de estatais não financeiras e não dependentes, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), a complementação de recursos da União para pagamento do piso da enfermagem e os gastos com agências reguladoras.
Outra medida que revela o caráter mesquinho do relatório são as “punições” aos servidores públicos em caso de não cumprimento de metas. “Se o governo descumprir a meta pelo segundo ano seguido, haverá a proibição do aumento das despesas com pessoal, como aumento de salários, contratações e realização de concurso público (exceto para reposição de cargos vagos) ou a alteração de estrutura de carreira, por exemplo”, diz o relatório, que já causou indignação entre os servidores públicos brasileiros.
Resumidamente, ao invés de apostar no crescimento do país, estimular os investimentos, valorizar seus servidores, o que se vê na proposta do relator são medidas recessivas e persecutórias com “punições” que nunca se viu, como, por exemplo, no fato do Banco Central não cumprir as metas de inflação estabelecidas. E, constate-se que, nos 24 anos de existência da política de metas de inflação, só quatro vezes o BC cumpriu a meta. Isso sem falar que, pela Lei, o BC deveria também ter como meta o pleno emprego.
Além disso, ao invés também do país estar concentrado no debate sobre a urgente redução das taxas de juros e a retomada dos investimentos públicos, assiste-se a uma discussão que, no essencial, mantém as amarras que estão provocando a estagnação econômica e a degradação do emprego no país.
O presidente Lula bem que tem tentado pautar esse dois temas (queda dos juros e elevação dos investimentos) tão urgentes para os planos de crescimento do país, mas enfrenta uma forte barreira erguida pelo rentismo e por seus porta-vozes.
Fala-se muito da necessidade de ajuste fiscal e de controle de despesas públicas mas desconversam sobre o escandaloso gasto público com os juros da dívida. Mantidos os juros básicos em 13,75%, só de juros, o Brasil vai pagar R$ 800 bilhões este ano.
Ou seja, o país está gastando R$ 450 bilhões a mais do que ele gastava em 2021 só com juros. Portanto, quem está realmente promovendo uma grande “gastança” do governo é exatamente o Banco Central com a sua insistência em manter os juros reais mais altos do mundo. É essa despesa – com juros da dívida – que está provocando o grande desequilíbrio fiscal no país.