Relator criou gatilhos para disparar cortes de despesas, retirou áreas que estavam fora dos limites e restringiu investimentos com recursos que ficarem acima do limite do superávit previsto
A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o projeto de lei complementar que fixa novo regime fiscal para as contas da União para substituir o atual teto de gastos. Foram 367 votos a favor no arcabouço fiscal e 102 contrários. A previsão é votar a proposta em plenário na próxima semana.
As bancadas do PL, do PSOL e do Novo recomendaram o voto contrário à urgência. Já União Brasil, PP, Federação PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota, MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC e Federação PT, PV e PCdoB recomendaram o voto favorável à urgência da matéria.
A aprovação da urgência permite que o texto seja votado diretamente no plenário e dispensa trâmites regimentais, como a votação do texto pelas comissões temáticas da Casa. O deputado José Guimarães, líder do governo, disse que “a urgência vai permitir ao relator, deputado Claudio Cajado (PP-BA), seguir dialogando com o governo e com as bancadas para chegarmos na próxima terça-feira com a matéria pronta para votação”.
O relator do projeto criou gatilhos para disparar cortes de despesas, retirou áreas que estavam fora dos limites e restringiu investimentos com recursos acima do limite do superávit previsto.
Em essência, o que o deputado Claudio Cajado fez foi piorar as regras que, para alguns economistas, já criavam algumas restrições sérias aos investimentos necessários para o país retomar o crescimento. O governo não poderá usar todo o recurso que exceder a meta de superávit – com limite de 0,25% do PIB – em investimentos, como estava na proposta original. Agora, 30% destes recursos terão que ser usados para pagamento de juros.
Além de colocar mais travas aos investimentos, o relator da matéria retirou das exceções que constavam na proposta original do governo as despesas com ampliação do Bolsa Família, a capitalização de estatais não financeiras e não dependentes, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), a complementação de recursos da União para pagamento do piso da enfermagem e os gastos com agências reguladoras.
Foram definidos gatilhos com cortes automáticos de despesas e “punições” – que recaem basicamente sobre os servidores públicos – para o não cumprimento da meta de superávit. Essas medidas foram acrescentadas às que já existiam na proposta original, como a redução da elevação das despesas para apenas metade (50%) do crescimento da arrecadação. No caso de cumprimento da metas, elas podem ser elevadas em 70%.
Algumas “punições” criadas pelo relator se dariam no primeiro ano depois do descumprimento de metas, como proibição de criação de cargos, despesa obrigatória e concessões ou aumento de incentivos tributários. Se o governo descumprir as travas pelo segundo ano, não poderá realizar novos concursos, contratar ou aumentar o quadro de funcionários, exceto para repor vacâncias.
As Centrais Sindicais divulgaram uma nota conjunta, na terça-feira (16), manifestando preocupação com as restrições aos reajustes do funcionalismo e à contratação de novos servidores públicos, conforme previsto no projeto do chamado “arcabouço fiscal”, que substituiu a regra do teto de gastos.
Para as centrais, propor “vedar a realização de concursos públicos e negar direitos aos trabalhadores e às trabalhadoras em serviços públicos do Brasil, além de injusta com toda a sociedade, que irá sofrer as consequências da redução de investimentos em serviços públicos essenciais, a medida nega o direito dos servidores públicos a uma remuneração justa e digna”.
“Na medida que impede até mesmo a revisão inflacionária, regra que não é vedada nem mesmo pela Lei de Responsabilidade Fiscal, principal instrumento de controle das contas públicas do país, o substitutivo desestimula a entrada dos profissionais mais qualificados e deixa de reter importantes servidores na Administração Pública”, continua a nota.
O professor Nelson Marconi também comentou o relatório. Ele disse que “o relator pecou ao colocar mais uma trava ao crescimento dos investimentos. “O excedente da receita não poderá ser todo aplicado em investimentos”, explicou Marconi. Para o economista, alguns gatilhos são importantes, mas essas medidas “fazem das restrições aos investimentos uma variável de reajuste”.
Punições previstas para o primeiro ano de não cumprimento das metas
1) Proíbe criação de cargos, empregos ou função que aumente despesas
2) Proíbe alteração de estrutura de carreira que eleve despesas
3) Proíbe criação ou elevação de auxílios
4) Proíbe criação de despesas obrigatórias
5) Proíbe reajuste de despesa obrigatória acima da inflação
6) Proíbe expandir ou criar programas e linhas de financiamento
7) Proíbe renegociar ou refinanciar dívidas que elevem subsídios e subvenções
8) Proíbe conceder ou ampliar incentivo ou benefício tributário
Punições para o segundo ano de não cumprimento das metas
1) Proíbe aumento e reajuste com pessoal
2) Proíbe contratação de pessoal
3) Proíbe realização de concurso público
O substitutivo assegura, ainda, 5% das despesas discricionárias, impondo travas quando as despesas obrigatórias que ultrapassarem 95%. Ainda de acordo com o texto, os relatórios de avaliação de receitas e despesas indicativos do contingenciamento serão bimestrais.