O relatório divulgado na terça-feira (16), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que a redução da mortalidade de adolescentes em intervenções policiais chegou a 80,1% em 2022 no estado de São Paulo após a implementação de câmeras nos uniformes dos policiais militares. O relatório foi realizado em parceria com a Unicef.
Entre 2020 e 2022, 62 batalhões da Polícia Militar do Estado de São Paulo incorporaram câmeras operacionais portáteis (COP) durante a rotina de serviço.
A diferença nos números pré-COP e pós-COP é nítida, sendo: Em 2017, foram 171 mortes provocadas por intervenções de policiais militares (MDIP) em serviço de jovens entre 15 e 19 anos; Em 2021, ano seguinte à implementação das câmeras, foram 42 mortes (-75%); Já em 2022, foram registradas 34 mortes, o menor número da série histórica (- 80,1%, se comparado a 2017), compilada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) no relatório Letalidade Policial em Foco, o único que traz dados por faixa etária.
O número também é o menor da série histórica da Secretaria da Segurança Pública desde 2001, quando começaram a separar mortes praticadas por policiais em serviço e fora.
“Esses dados mostram que em São Paulo existe uma interação muito violenta entre adolescentes e a polícia. Essa redução tão expressiva num período de poucos anos indica que a PM fazia uso desnecessário de força letal em muitos casos”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para Bueno, as câmeras têm relação direta com a redução da letalidade policial. Batizado de Olho Vivo, o programa começou a ser implementado em agosto de 2020, inicialmente em três batalhões, e depois foi expandido em quatro ocasiões.
Hoje as câmeras estão presentes nas fardas de policiais de 62 dos 135 batalhões da PM paulista.
Os pesquisadores destacam que, embora a letalidade provocada por policiais militares passe a cair a partir de 2018 entre crianças e adolescentes, a queda se acentua a partir de 2020, ano de implementação das câmeras operacionais portáteis (COP).
Nos batalhões que incorporaram o uso das câmeras corporais tiveram redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares em serviço entre 2019 e 2022, enquanto nos demais batalhões a queda foi de 33,3%. O número de adolescentes mortos em intervenções de policiais militares em serviço caiu 66,7%, passando de 102 vítimas em 2019 para 34 em 2022.
“O período analisado coincide com a adoção das câmeras operacionais portáteis (COP) pela polícia militar do estado de São Paulo, que começou no segundo semestre de 2020. Historicamente, adolescentes sempre foram os mais impactados por esse tipo de violência letal. Em 2020, pela primeira vez, essa população deixou de ser uma das que mais morre por intervenção policial no estado de São Paulo”, diz Adriana Alvarenga, chefe do escritório do UNICEF em São Paulo.
ALTA TAXA
Em 2017, mais de um terço (34,7%) das mortes provocadas por intervenções de policiais militares tiveram como vítimas jovens de 15 a 19 anos, número inferior apenas à faixa de 20 a 29 anos, com 208 mortes (42,2%).
“O estado de São Paulo tem uma especificidade que é a alta letalidade provocada por policiais entre adolescentes. Enquanto a média nacional de adolescentes mortos em intervenções policiais é de 12%, em SP chegou a 35% em 2017, antes da implantação do programa”, explicou Samira.
Em 2021, a proporção de jovens de 15 a 19 anos mortos (42) por PMs caiu para 14,3% do total (292); Em 2022, o número total de vítimas foi o menor da série histórica (206), e a proporção de adolescentes mortos ficou abaixo da metade (16,5%) do que foi registrado em 2017.
“Com a implementação das câmeras corporais e outras medidas de controle, os adolescentes deixaram de ser o principal grupo vitimado pela PM”, destacou a diretora do FBSP.
No entanto, quando comparada a taxa de letalidade policial por 100 mil habitantes, as vítimas negras eram duas vezes mais suscetíveis a serem mortas do que as brancas na série histórica desde 2017, período em que o Ministério Público iniciou a contabilização dos casos de letalidade por batalhão. A partir de 2021, esse número, ainda que superior às mortes de brancos, decresceu para uma taxa de 1,7, caindo para 1 em 2022.
Por isso, Adriana, do Unicef, destaca que uma das agendas importantes é “fortalecer e adotar políticas antirracistas”. “A violência da polícia continua afetando de forma desproporcional os adolescentes e jovens negros que vivem em territórios periféricos”, afirma.
Outras iniciativas elencadas pelas entidades é o fortalecimento de órgãos de controle externo, como o Ministério Público, o cumprimento da lei 17.428/2021, que estabelece prioridade de investigação dos inquéritos que envolvam mortes de crianças e adolescentes, e a regulamentação da lei 17.652/2023, que instituiu a Política Paulista de Prevenção das Mortes Violentas de Crianças e Adolescentes.
Alguns trechos do texto, entretanto, foram vetados pelo governador, como a parte que definia como morte violenta aquela que decorre de intervenção policial, sob a justificativa de que não se trata de um tipo penal.
O estudo apontou que a implementação das câmeras nos uniformes também reduziu o número de mortes de policiais em horário de serviço e fora. Em 2020, por exemplo, 18 PMs foram vítimas de homicídio enquanto trabalhavam; em 2021, foram quatro (- 77%); já em 2022, seis mortes (- 66%).
Da mesma forma, o estudo também indica a implementação do programa como uma possível hipótese para a redução de denúncias de corrupção e concussão (uso da função pública para obter vantagem indevida) na corporação. Na Corregedoria, as denúncias caíram 37,5% no total na variação de 2019 a 2022.
MORTES EM 2023
No ano passado, durante a campanha eleitoral, o então candidato ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que pretendia rever o programa, posicionamento que foi endossado pelo atual secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, ao assumir.
Estatísticas mostram que os períodos de expansão do programa coincidem com reduções significativas na letalidade policial. O primeiro trimestre de 2023, contudo, marca uma estabilidade nos números, com 75 pessoas mortas em supostos confrontos, uma vítima a mais do que no mesmo período de 2022.
Na avaliação de Bueno, o programa de câmeras pode ser ampliado para batalhões mais letais que não receberam o equipamento, mas deve fazer parte de um conjunto mais amplo de políticas.
“Essa estabilidade [de 2023] alerta para a necessidade de outros instrumentos que contribuam para o controle da força, como o emprego de armamento não letal e a revisão de procedimentos”, diz a socióloga, citando ainda o fortalecimento do controle externo exercido pelo Ministério Público e pela Ouvidoria das Polícias como desafio.
Para a chefe do escritório do Unicef em São Paulo, Adriana Alvarenga, os dados da pesquisa evidenciam problemas na abordagem policial com adolescentes e a necessidade de um protocolo especial. “Os agentes das forças de segurança precisam conhecer mais a adolescência e ter repertório para lidar com esse público, que é naturalmente mais impulsivo que o de adultos e se coloca em mais situações de risco.”
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo argumentou que “casos em que infratores da lei entram em confronto com policiais durante uma ação legal não são equiparáveis a homicídios ou mortes violentas intencionais”, justificando o veto à lei 17.652/2023.
A pasta disse ainda que atua para reduzir as mortes decorrentes de intervenção policial “independentemente da idade dos criminosos” e que todos os casos são rigorosamente analisados e investigados pelas corregedorias e posteriormente comunicados ao Ministério Público.
Veja o relatório na íntegra:
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