
“Provocações deliberadas resultaram na Guerra Rússia-Ucrânia. Da mesma forma, a diplomacia deliberada pode acabar com isso”, sublinha a carta, que registra que foi a expansão da OTAN a leste que “levou à guerra”.
Um candente apelo por “diplomacia para encerrar rapidamente a guerra na Ucrânia”, assinado por especialistas norte-americanos veteranos da segurança nacional e pelo ex-embaixador dos EUA na União Soviética, Jack Matlock, veiculado como anúncio no jornal The New York Times de 16 de maio, advertiu também contra a escalada militar e a estratégia de lutar “até o último ucraniano”.
Tal é o quadro de histeria pró-guerra predominante nos EUA, que a mensagem a favor da diplomacia, para ter ampla ressonância, precisou ser veiculada como anúncio pago de página inteira, elaborado sob coordenação da Rede de Mídia Eisenhower, entidade que monitora o mastodôntico complexo militar- industrial norte-americano.
“Rejeitamos a ideia de que os diplomatas, em busca da paz, devam escolher um lado, neste caso a Rússia ou a Ucrânia. Ao favorecer a diplomacia, escolhemos o lado da sanidade. Da humanidade. Da paz”, sublinha o documento. Aliás, coincidindo com a posição que vem sendo expressa pelo presidente brasileiro, Lula.
“Provocações deliberadas resultaram na Guerra Rússia-Ucrânia. Da mesma forma, a diplomacia deliberada pode acabar com isso”. A carta aberta registra que o que “levou à guerra” foram as ações para expandir a OTAN até as fronteiras russas e a insistência em ignorar os “temores russos” por sua segurança por 30 anos, embora condenando a invasão russa.
“A diplomacia é urgentemente necessária para acabar com a Guerra Rússia-Ucrânia antes que ela destrua a Ucrânia e coloque a humanidade em perigo”, adverte o apelo. “Não podemos e não iremos endossar a estratégia de lutar contra a Rússia até o último ucraniano”.
“Defendemos um compromisso significativo e genuíno com a diplomacia, especificamente um cessar-fogo imediato e negociações sem quaisquer pré-condições desqualificantes ou proibitivas”.
O documento faz menção ainda ao presidente John F. Kennedy, que há sessenta anos fez uma observação que “é crucial para nossa sobrevivência” hoje.
“Acima de tudo, enquanto defendemos nossos próprios interesses vitais, as potências nucleares devem evitar os confrontos que levam o adversário a escolher entre uma retirada humilhante ou uma guerra nuclear”. Adotar esse tipo de curso na era nuclear – disse JFK – “seria evidência apenas da falência de nossa política – ou de um desejo coletivo de morte para o mundo”.
A carta também apresenta um quadro, em que mostra a expansão nos últimos 30 anos da OTAN até as fronteiras da Rússia, contrastada com uma hipotética expansão de bases militares russas no México e no Canadá até as fronteiras dos EUA, sob o título: “que tal se o sapato estivesse no pé do outro?”
Assinam a carta-anúncio de página inteira pela paz: Dennis Fritz, Diretor do Eisenhower Media Network, sargento-chefe do Comando, Força Aérea dos EUA (aposentado); Matthew Hoh, diretor associado de Eisenhower Media Network e do Veteranos pela Paz, ex-oficial do Corpo de Fuzileiros Navais e oficial do Estado e da Defesa; William J. Astore, tenente-coronel da Força Aérea dos EUA (aposentado); Karen Kwiatkowski , tenente-coronel da Força Aérea dos EUA (aposentado); Dennis Laich, major-general do Exército dos EUA (aposentado); Jack Matlock, embaixador dos EUA na URSS, 1987-91; autor de Reagan e Gorbachev: Como acabou a Guerra Fria; Todd E. Pierce, major, advogado, Exército dos EUA (aposentado); Coleen Rowley , agente especial, FBI (aposentado); Jeffrey Sachs, Professor universitário na Universidade de Columbia; Christian Sorensen, ex-linguista árabe; Chuck Spinney, engenheiro/analista da Força Aérea dos EUA, Gabinete do Secretário de Defesa, aposentado; Winslow Wheeler, conselheiro de segurança nacional; Lawrence B. Wilkerson, coronel do Exército dos EUA (aposentado); e Ann Wright, coronel do Exército dos EUA (aposentada) e ex-diplomata dos EUA.
A carta recebeu o apoio do respeitado Daniel Ellsberg, o vazador dos Papeis do Pentágono, bem como da ativista pela paz e fundadora do CodePink, Medeia Benjamin.
Apresenta, ainda, uma “linha do tempo”, que começa em 1990 com a garantia do secretário de Estado James Baker à Rússia de que a OTAN não se moveria uma polegada para leste; a famosa carta de 50 especialistas em política externa, de 1997, que chamou a expansão da OTAN de “erro de proporções históricas”; a admissão na OTAN sucessivamente dos países que antes eram aliados da União Soviética (1999/2004) e dos três países bálticos ex-soviéticos; e o ataque da OTAN à Sérvia em 1999.
Em 2001, a retirada unilateral dos EUA do Tratado de Mísseis Antibalísticos (pedra angular da détente nuclear); em 2008 o ‘convite’ da OTAN para a Ucrânia e Geórgia; no ano seguinte, o anúncio de instalação de sistemas americanos de mísseis na Polônia e na Romênia.
Em 2014, houve o golpe de estado que derrubou o governo legítimo ucraniano. Ao que se somou a saída unilateral dos EUA em 2019 do Tratado INF, que durante três décadas evitara a guerra nuclear na Europa.
A linha do tempo registra que em 2004 o parlamento russo formalizou a condenação da expansão da OTAN, mas deixa de citar explicitamente o famoso discurso de Putin na Conferência de Segurança de Munique de 2007, denunciando o mundo unipolar sob Washington e considerando inaceitável a ameaça instaurada nas portas da Rússia. Também não cita que os EUA instalaram um sistema antimíssil baseado em sua frota de guerra no Mediterrâneo.
E, claro, não evidencia que a guerra começou, como denunciam os russos, em 2014, com a “operação antiterrorista” do regime de Kiev contra a população étnica russa do Donbass, inclusive fazendo uso de tropas de choque abertamente neonazistas. Isto é, uma operação de limpeza étnica, que Russia buscou solucionar através dos acordos de Minsk.
A seguir, na íntegra, a carta-anúncio de página inteira pela diplomacia e pela paz:
A Guerra Rússia-Ucrânia foi um desastre absoluto. Centenas de milhares foram mortos ou feridos. Milhões foram deslocados. A destruição ambiental e econômica tem sido incalculável. A devastação futura pode ser exponencialmente maior à medida que as potências nucleares se aproximam cada vez mais da guerra aberta.
Lamentamos a violência, os crimes de guerra, os ataques indiscriminados com mísseis, o terrorismo e outras atrocidades que fazem parte desta guerra. A solução para esta violência chocante não é mais armas ou mais guerra, com a garantia de mais mortes e destruição.
O POTENCIAL PARA A PAZ
A atual ansiedade geopolítica da Rússia é informada pelas memórias da invasão de Carlos XII, Napoleão, Kaiser e Hitler. As tropas dos EUA estavam entre uma força de invasão aliada que interveio sem sucesso contra o lado vencedor na guerra civil pós-Primeira Guerra Mundial na Rússia. A Rússia vê o alargamento e a presença da OTAN nas suas fronteiras como uma ameaça direta; os EUA e a OTAN veem apenas uma preparação prudente. Na diplomacia, deve-se procurar ver com empatia estratégica, buscando compreender os adversários. Isso não é fraqueza: é sabedoria.
Rejeitamos a ideia de que os diplomatas, em busca da paz, devam escolher um lado, neste caso a Rússia ou a Ucrânia. Ao favorecer a diplomacia, escolhemos o lado da sanidade. Da humanidade. Da paz.
Consideramos a promessa do presidente Biden de apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for necessário” uma licença para perseguir objetivos mal definidos e, em última análise, inatingíveis. Pode ser tão catastrófico quanto a decisão do presidente Putin no ano passado de lançar sua invasão e ocupação criminosas. Não podemos e não iremos endossar a estratégia de lutar contra a Rússia até o último ucraniano.
Defendemos um compromisso significativo e genuíno com a diplomacia, especificamente um cessar-fogo imediato e negociações sem quaisquer pré-condições desqualificantes ou proibitivas. Provocações deliberadas resultaram na Guerra Rússia-Ucrânia. Da mesma forma, a diplomacia deliberada pode acabar com isso.
AÇÕES DOS EUA E INVASÃO DA UCRÂNIA PELA RÚSSIA
Com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os líderes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental garantiram aos líderes soviéticos e russos que a OTAN não se expandiria em direção às fronteiras da Rússia. “Não haveria extensao da OTAN uma polegada a leste”, disse o secretário de Estado dos EUA, James Baker, ao líder soviético Mikhail Gorbachev em 9 de fevereiro de 1990. Garantias semelhantes de outros líderes dos EUA, bem como de líderes britânicos, alemães e franceses na década de 1990 confirma isso.
Desde 2007, a Rússia advertiu repetidamente que as forças armadas da OTAN nas fronteiras russas eram intoleráveis – assim como as forças russas no México ou no Canadá seriam intoleráveis para os EUA agora, ou como os mísseis soviéticos em Cuba em 1962. A Rússia destacou ainda que a expansão da OTAN para a Ucrânia é especialmente provocativa.
VENDO A GUERRA PELOS OLHOS DA RÚSSIA
Nossa tentativa de entender a perspectiva russa em sua guerra não endossa a invasão e a ocupação, nem implica que os russos não tiveram outra opção a não ser esta guerra.
No entanto, assim como a Rússia tinha outras opções, os EUA e a OTAN também tinham antes desse momento.
Os russos deixaram claras suas linhas vermelhas. Na Geórgia e na Síria, eles provaram que usariam a força para defender essas linhas. Em 2014, sua tomada imediata da Crimeia e seu apoio aos separatistas de Donbas demonstraram que eles estavam comprometidos com a defesa de seus interesses. Por que isso não foi entendido pela liderança dos EUA e da OTAN não está claro; incompetência, arrogância, cinismo ou uma mistura traiçoeira dos três provavelmente são fatores contribuintes.
Mais uma vez, mesmo com o fim da Guerra Fria, os diplomatas, generais e políticos dos EUA alertavam para os perigos de expandir a OTAN para as fronteiras da Rússia e de interferir maliciosamente na esfera de influência da Rússia. Os ex-funcionários do gabinete Robert Gates e William Perry emitiram essas advertências, assim como os venerados diplomatas George Kennan, Jack Matlock e Henry Kissinger. Em 1997, cinquenta especialistas seniores em política externa dos EUA escreveram uma carta aberta ao presidente Bill Clinton aconselhando-o a não expandir a OTAN, chamando-o de “um erro de política de proporções históricas”. O presidente Clinton optou por ignorar esses avisos.
O mais importante para nossa compreensão da arrogância e do cálculo maquiavélico na tomada de decisões dos EUA em torno da Guerra Rússia-Ucrânia é a rejeição das advertências emitidas por Williams Burns, o atual diretor da Agência Central de Inteligência. Em um telegrama para a secretária de Estado Condoleezza Rice em 2008, enquanto servia como embaixador na Rússia, Burns escreveu sobre a expansão da OTAN e a adesão da Ucrânia:
“As aspirações da Ucrânia e da Geórgia à OTAN não apenas tocam um ponto sensível na Rússia, como também geram sérias preocupações sobre as consequências para a estabilidade na região. A Rússia não apenas percebe o cerco e os esforços para minar a influência da Rússia na região, mas também teme consequências imprevisíveis e descontroladas que afetariam seriamente os interesses de segurança russos. Especialistas nos dizem que a Rússia está particularmente preocupada que as fortes divisões na Ucrânia sobre a adesão à OTAN, com grande parte da comunidade de etnia russa contra a adesão, possam levar a uma grande divisão, envolvendo violência ou, na pior das hipóteses, guerra civil. Nessa eventualidade, a Rússia teria que decidir se iria intervir; uma decisão que a Rússia não quer ter que enfrentar”.
Por que os EUA persistiram em expandir a OTAN, apesar de tais advertências? O lucro das vendas de armas foi um fator importante. Enfrentando a oposição à expansão da OTAN, um grupo de neoconservadores e altos executivos de fabricantes de armas dos EUA formaram o Comitê dos EUA para Expandir a OTAN. Entre 1996 e 1998, os maiores fabricantes de armas gastaram US$ 51 milhões (US$ 94 milhões hoje) em lobby e outros milhões em contribuições de campanha. Com esta generosidade, a expansão da OTAN rapidamente se tornou um negócio fechado, após o que os fabricantes de armas dos EUA venderam bilhões de dólares em armas aos novos membros da OTAN.
Até agora, os EUA enviaram US$ 30 bilhões em equipamentos militares e armas para a Ucrânia, com uma ajuda total à Ucrânia superior a US$ 100 bilhões. A guerra, já foi dito, é uma extorsão altamente lucrativa para alguns poucos.
A expansão da OTAN, em suma, é uma característica fundamental de uma política externa militarizada dos EUA, caracterizada pelo unilateralismo com mudança de regime e guerras preventivas. Guerras fracassadas, mais recentemente no Iraque e no Afeganistão, produziram massacres e mais confrontos, uma dura realidade criada pelos próprios Estados Unidos. A Guerra Rússia-Ucrânia abriu uma nova arena de confronto e matança. Esta realidade não é inteiramente de nossa autoria, mas pode muito bem ser nossa ruína, a menos que nos dediquemos a forjar um acordo diplomático que interrompa a matança e diminua as tensões.
Vamos fazer da América uma força para a paz no mundo.
LINHA DO TEMPO
1990 – Os EUA garantem à Rússia que a OTAN não se expandirá em direção à sua fronteira “…não haveria extensão da…OTAN uma polegada a leste”, diz o secretário de Estado dos EUA, James Baker.
1996 – Os fabricantes de armas dos EUA formam o Comitê para Expandir a OTAN, gastando mais de US$ 51 milhões em lobby no Congresso.
1997 – 50 especialistas em política externa, incluindo ex-senadores, oficiais militares aposentados e diplomatas, assinam uma carta aberta afirmando que a expansão da OTAN é “erro de política de proporções históricas”
1999 – A OTAN admite a Hungria, a Polônia e a República Tcheca na OTAN. EUA e OTAN bombardeiam a Sérvia, aliada da Rússia.
2001 – Os EUA se retiram unilateralmente do Tratado de Mísseis Antibalísticos (ABM).
2004 – Mais sete nações da Europa Oriental se juntam à OTAN. As tropas da OTAN estão agora diretamente na fronteira da Rússia.
2004 – O parlamento da Rússia aprovou uma resolução denunciando a expansão da OTAN. Putin respondeu dizendo que a Rússia “construiria nossa política de defesa e segurança de forma correspondente”.
2008 – Os líderes da OTAN anunciaram planos para trazer a Ucrânia e a Geórgia, também nas fronteiras da Rússia, para a OTAN.
2009 – Os EUA anunciaram planos para colocar sistemas de mísseis na Polônia e na Romênia.
2014 — O presidente ucraniano legalmente eleito, Viktor Yanukovych, fugiu da violência para Moscou. A Rússia vê a expulsão como um golpe dos Estados Unidos e das nações da OTAN.
2016 – EUA iniciam reforço de tropas na Europa.
2019 – EUA se retiram unilateralmente do Tratado de Forças Nucleares Intermediarias.
2020 – EUA se retiram unilateralmente do Tratado de Céus Abertos.
2021 – A Rússia apresenta propostas de negociação enquanto envia mais forças para a fronteira com a Ucrânia. Autoridades dos EUA e da OTAN rejeitam as propostas russas imediatamente.
24 de fevereiro de 2022 – A Rússia invade a Ucrânia, iniciando a Guerra Rússia-Ucrânia.
Este anúncio reflete as opiniões dos signatários. Pago pela Eisenhower Media Network, um projeto da People Power Initiatives. *Tradução Hora do Povo.
O original encontra-se em https://eisenhowermedianetwork.org/russia-ukraine-war-peace/
Excelente essa linha do tempo!! deu uma boa resumida no qual chegamos a essa situação atual! 1990 a 2023.