Debate foi no 2º dia do Seminário “100+50: Os desafios do governo Lula”. Se a preocupação é a dívida, os juros são a principal causa da sua elevação, concluíram os debatedores. O Brasil gastava, em 2021, R$ 350 bilhões com juros, agora esse valor mais que dobrou
O segundo encontro do “Seminário 100+50: Desafios do Governo Lula”, promovido por 14 entidades e fundações partidárias, debateu na noite desta quinta-feira (25) a nova política de âncora fiscal e os desafios do governo para a reconstrução do país.
Com o tema: O Arcabouço fiscal e a política de reconstrução nacional do governo Lula, o seminário de iniciativa do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo, presidido pelo economista Nilson Araújo de Souza, coordenador do evento, reuniu, no segundo dia, os economistas Nelson Marconi (Fundação Getúlio Vargas), Rubens Sawaya (PUC-SP) e Flauzino Antunes, diretor da Central de Trabalhadores do Brasil (CTB), e por Lucca Gidra, presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), anfitrião do evento que aconteceu no Teatro Denoy de Oliveira, sede da entidade.
RUBENS SAWAYA: “FALANDO DE FORMA CRÍTICA, O ARCABOUÇO É UM NOVO TETO DE GASTOS”
“O arcabouço fiscal, falando de forma crítica, é um novo teto de gastos. Mais flexível que o anterior, mas é um teto”, definiu o professor do Departamento de Economia da PUC-SP, Rubens Sawaya. “A necessidade da política do arcabouço fiscal foi resultado da pressão do mercado, que é latente e patente, pelo poder que o Banco Central tem”.
“Mas, de qualquer forma [a nova regra], não é um pouco melhor, é muito melhor do que antiga política de teto”, observou Sawaya. “Com um freio ou uma defasagem, as despesas podem crescer. Limitado à receita, mas podem crescer”, apontou.
O professor também afirmou que o papel da política econômica é o de puxar o crescimento a partir da decisão de empenho de gastos e investimentos. “Os gastos públicos que mais puxam o crescimento econômico são infraestrutura, saúde, educação”, disse ele. “Se o governo conseguir, com essa regra limitada, fazer bem feito, no sentido de investir em setores que têm um efeito multiplicador sobre a economia, é possível que a economia cresça. As receitas cresçam junto e permitam que também que cresçam as despesas”, argumentou.
“O problema está em fazer crescer”, disse Sawaya. “Lá naquela década, entre 2003 e 2010, o grande crescimento econômico não foi pelo investimento público. O grande incentivo para o crescimento econômico foi o investimento atrelado ao gasto público, mas principalmente atrelado a Petrobrás e Eletrobrás”, explicou o economista.
Assista o segundo dia do seminário na integra
Sawaya adiciona que investimentos importantes não se dão apenas através do gasto público direto, lembrando que na década de 2010, os investimentos atrelados à Petrobrás e Eletrobrás, e suas cadeias, foram determinantes para a sustentação do crescimento do Brasil. “Se a gente não ganhar essas outras brigas” [Petrobrás, Eletrobrás e BNDES], e baixar a taxa de juros, no contexto do arcabouço, a gente não vai sair do lugar”.
LUCCA GIDRA: “A EDUCAÇÃO NÃO PODE SER RESTRINGIDA POR NENHUM TETO QUE SEJA”
O presidente da UMES, Lucca Gidra, iniciou sua intervenção afirmando que o programa que elegeu Lula em 2022 é o contrário do que vimos nos últimos quatro anos. “A gente precisa brigar para colocar isso em prática”. “Para reconstruir o Brasil, a gente precisa de investimentos. E a educação é um exemplo de área fundamental para o desenvolvimento que precisa de investimentos”, afirmou.
Ele deu como exemplo de direção contrária ao caminho do desenvolvimento o fato de o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) ter entrado na nova regra do arcabouço fiscal, por iniciativa do relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA). “Sem limitar o Fundeb já faltava recursos para educação, agora colocando numa camisa de força vai ser pior ainda”, denunciou Lucca.
Reduzir os recursos e investimentos da educação, na opinião do estudante não é só um número: “São sonhos ceifados, são pessoas evadidas da escola, perdendo esperança e o sonho de ingressar na universidade”.
“Enquanto isso, o orçamento da dívida pública e os recursos dos juros só aumentam. A gente gasta mais de 40% do Orçamento para dívida e para juros. Enquanto a educação e saúde disputam 1/10 do brigadeiro caseiro”, completou. “A educação não pode ser restringida por nenhum teto que seja”.
FLAUZINO ANTUNES: “TINHA QUE TER TETO PARA GASTOS COM JUROS”
O economista e diretor nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Flauzino Antunes, participou do seminário de forma remota e em sua fala registrou que o novo plano fiscal limita gastos pra manutenção do bem-estar social e investimentos, mas não limita o que se gasta com juros.
“O arcabouço é flexível, mas é um teto, é um limitador. Tinha que ter também um teto para gastos com juros. E isso não tem. Isto que cria um desequilíbrio nas contas públicas, muito mais que o fiscal. Mas, ninguém fala disto”, declarou.
“O povo optou nas eleições pelo modelo desenvolvimentista através do Estado. Reconstruir é mais difícil que desmontar”, disse o sindicalista, se referindo à pressão que o sistema financeiro “a Faria Lima” exerceu pela aprovação de um nova regra fiscal que limita os gastos públicos.
“Um austericídio fiscal ou desenvolvimento nacional. Isso que está em jogo, porque o setor financeiro, a Faria Lima, vai vir para cima para que haja garantia para o pagamento de juros. Para que o setor financeiro continue sendo a supremacia econômica brasileira às custas dos impostos, do desenvolvimento e do sangue do trabalhador, que paga os juros garantidos pela lei de responsabilidade fiscal e do arcabouço”, ressaltou.
“Para a gente recuperar tudo que perdemos nos últimos anos, o PIB teria que crescer pelo menos 2,5% ao ano. E como faremos essa mágica com o investimento amarrado?”, questionou Antunes. “Como faremos para retomar os investimentos na Petrobrás? Na Eletrobrás, no BNDES? Isso precisa ser concatenado em um projeto de desenvolvimento nacional. A gente precisa é conduzir o governo, através das mobilizações, dos debates de participação social, para um projeto nacional desenvolvimentista. Esse é o nosso desafio e o nosso trabalho. A gente não pode ficar na mão de um Banco Central comandado por um Campos Neto”.
NELSON MARCONI: “TODA A DESPESA COM JUROS ESTÁ FORA DO TETO”
“Quando o governo fala que o juro alto é o principal problema conjuntural ele tem razão. É o principal problema conjuntural do Brasil hoje”, resumiu o economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento da Fundação Getúlio Vargas.
“Dentro desse contexto tem o arcabouço. A gente precisa lembrar que o país, desde os anos 90, tem um modelo de crescimento baseado no financiamento com poupança externa. Parte-se do princípio de que o país não tem capacidade de financiar o desenvolvimento e isso significa fazer dívida para investir, com um capital que é atraído pelo binômio câmbio baixo, juros altos”, explica Marconi, acrescentando que o preço que se paga por isso é o aperto das despesas primárias para que sobre espaço nas contas públicas para pagar os juros.
“O arcabouço não entra nessa discussão sobre os juros, trata só da despesa e receita primária. A variação da despesa só pode ser 70% da variação da receita. Isso vai garantir que a dívida pare de crescer? Não. Porque tem toda a despesa com juros que está fora da regra fiscal. Por pior ou melhor que seja a regra fiscal, se não mexer nos juros, não vai resolver”.
Segundo o economista, dentro desta nova regra fiscal, o “controle” de despesas precisa vir da redução dos juros.
“O primeiro passo é mudar essa política. Se não mudar, vai pressionar cada vez mais para que as outras despesas sejam comprimidas e a gente vai ter que gastar menos com o país para pagar dívida”. Ele também frisou que os investimentos não podiam ser limitados pela nova regra. Ele deveriam ficar de fora do arcabouço, defendeu o economista.
“O governo tem razão de atacar e deveria estar atacando mais”, afirmou, referindo-se a autonomia do Banco Central (BC) que hoje sustenta o juro básico da economia (Selic) em 13,75% ao ano.
“A independência do BC não tem lógica dentro da estrutura do sistema político. Está tirando do governo a direção da política econômica que é central para se governar. E isso vai criando uma quarta instituição, que é o Banco Central”.
Com o arcabouço limitando as despesas ao crescimento das receitas, Marconi ainda propõe que uma nova política de arrecadação esteja centrada na reforma tributária.
“Tem que vir justamente da cobrança de impostos sobre os mais ricos. E nesse sentido o governo não está se mexendo até agora – isso é mexer com os interesses da classe dominante”, disse. “Falta, logicamente, um projeto nacional de desenvolvimento que diga: aonde a gente quer chegar, em quanto tempo, com quais indicadores a gente vai medir isso, se vamos melhorar a distribuição de renda, quais setores serão priorizados e quais as metas serão priorizadas. A gente continua sem esse plano. O governo precisa avançar nesse sentido, porque sem um projeto nacional de desenvolvimento a gente não vai crescer”.
“Se não fizer, o risco de a gente ter uma direita novamente governando esse país é grande. A eleição foi apertada”, completa o economista. “Se o governo não der uma resposta em termo de emprego com carteira assinada, de crescimento, se não conseguir fazer esse movimento de retomada do emprego, teremos uma perda de tecido social muito forte. É fundamental retomar o investimento”.
A RECONSTRUÇÃO NACIONAL E O NOVO PROJETO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
O Seminário continua nesta sexta-feira (26) na sede do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, rua Genebra, 25, às 19 horas, com a participação do economista Nilson Araújo de Souza, fundador da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, diretor da Fundação Maurício Grabois e presidente do Sindicato dos Escritores; Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida; Alexandre Navarro, vice-presidente da Fundação João Mangabeira e diretor-geral da Faculdade Miguel Arraes; e Allen Habert, engenheiro e diretor de Articulação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários.
A transmissão será simultânea pelas redes: https://www.youtube.com/live/GEyCFIAE-cM?feature=share
PRISCILA CASALE E ANTÔNIO ROSA